sábado, janeiro 03, 2015

Minha Missão



Allan Kardec. Minha Missão

 

(Em casa do Sr. C...; médium: Srta. Aline C...)
12 de junho de 1856 [1]

 Pergunta (ao Espírito de Verdade) — Bom Espírito, eu desejara saber o que pensas da missão que alguns Espíritos me assinaram. Dize-me, peço-te, se é uma prova para o meu amor-próprio. Tenho, como sabes, o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não disponho [2].

  Resposta — Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te surpreende. Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam na cabeça de um homem. Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens saberão reconhecê-lo, cedo ou tarde, visto que pelos frutos é que se verifica a qualidade da árvore.

  

P.Nenhum desejo tenho certamente de me vangloriar de uma missão na qual dificilmente creio. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da Providência, que ela disponha de mim. Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa.

R. — A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não fizeres o que for necessário. Tens o teu livre-arbítrio, do qual podes usar como o entenderes. Nenhum homem é constrangido a fazer coisa alguma.

  

P. Que causas poderiam determinar o meu malogro? Seria a insuficiência das minhas capacidades?

  

R.Não; mas, a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranqüilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua tranqüilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso, viverias muito mais tempo [3]. Ora bem! não poucos recuam quando, em vez de uma estrada florida, só vêem sob os passos urzes, pedras agudas e serpentes. Para tais missões, não basta a inteligência. Faz-se mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade, modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os homens, são indispensáveis coragem, perseverança e inabalável firmeza. Também são de necessidade prudência e tato, a fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito com palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim, devotamento, abnegação e disposição a todos os sacrifícios.



Vês, assim, que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti.

Espírito Verdade


Eu — Espírito Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo, sem restrição e sem idéia preconcebida.
Senhor! pois que te dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus desígnios, faça-se a tua vontade! Está nas tuas mãos a minha vida; dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande tarefa; a minha boa vontade não desfalecerá, as forças, porém, talvez me traiam. Supre à minha deficiência; dá-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxílio e dos teus celestes mensageiros, tudo envidarei para corresponder aos teus desígnios.

  

NOTA — Escrevo esta nota a 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que me foi dada a comunicação acima e atesto que ela se realizou em todos os pontos, pois experimentei todas as vicissitudes que me foram preditas. Andei em luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja e o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores instruções foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços. A Sociedade de Paris se constituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim por aqueles mesmos que se declaravam a meu favor e que, de boa fisionomia na minha presença, pelas costas me golpeavam. Disseram que os que se me conservavam fiéis estavam à minha soldada e que eu lhes pagava com o dinheiro que ganhava do Espiritismo. Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a existência.

 

 Graças, porém, à proteção e assistência dos bons Espíritos que incessantemente me deram manifestas provas de solicitude, tenho a ventura de reconhecer que nunca senti o menor desfalecimento ou desânimo e que prossegui, sempre com o mesmo ardor, no desempenho da minha tarefa, sem me preocupar com a maldade de que era objeto. Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, eu tinha de contar com tudo isso e tudo se verificou. Mas, também, a par dessas vicissitudes, que de satisfações experimentei, vendo a obra crescer de maneira tão prodigiosa! Com que compensações deliciosas foram pagas as minhas tribulações! Que de bênçãos e de provas de real simpatia recebi da parte de muitos aflitos a quem a Doutrina consolou! Este resultado não mo anunciou o Espírito de Verdade que, sem dúvida intencionalmente, apenas me mostrara as dificuldades do caminho.



Qual não seria, pois, a minha ingratidão, se me queixasse! Se dissesse que há uma compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o bem, refiro-me às satisfações morais, sobrelevaram de muito o mal. Quando me sobrevinha uma decepção, uma contrariedade qualquer, eu me elevava pelo pensamento acima da Humanidade e me colocava antecipadamente na região dos Espíritos e desse ponto culminante, donde divisava o da minha chegada, as misérias da vida deslizavam por sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me tornara esse modo de proceder, que os gritos dos maus jamais me perturbaram.

Allan Kardec.

Bibliografia:

OBRAS PÓSTUMAS

  

...CHICO XAVIER NO AMANHÃ LUMINOSO...

 Ronaldo Malafronto
Nascimento: 28.05.1950
Desencarne: 13.02.1973
Parentesco: Filho
  
Conhecia Chico Xavier por meio da televisão. Nutria muita vontade de conhecê-lo, mas nunca tive oportunidade. Independente de alguns convites feitos pela Srta. Maria Canceli, quando da visita do Chico ao Centro Espírita Paz, Amor e Caridade, mesmo assim não tive esse prazer.
 Devido ao acontecimento com o meu filho, vitimado por aneurisma cerebral, meu marido, após quinze dias do seu desencarne, muito desorientado, acabou lamentavelmente deixando o lar, tomando rumo que ainda ignoro. Co, esses desacertos, fiquei muito enferma: aliviava-me sob o poder dos calmantes. As receitas se acumulavam nas farmácias e meu problema não se resolvia. Continuava presa ao sofrimento.
 Durante um mês e meio tomei 150 injeções.
 Os farmacêuticos e os Doutores pelos quais passei, admiravam-se da quantidade de comprimidos que ingeria, chegando mesmo um deles dizer:
 “Com apenas um comprimido eu dormiria 24 horas e a senhora tomando três por vez não surte nenhum efeito. É de admirar!”
 Para os caros leitores terem uma idéia do que estou falando, fiquei aproximadamente um ano sem saber o que era dormir. Apenas cochiladas de poucos minutos. As noites e dias desfilavam aos meus olhos.
 Não tendo mais condições de agüentar, por Deus, acredito sinceramente nisso, os espíritos amigos inspiraram-me e meu pensamento voltou-se para Francisco Cândido Xavier. Sentia profundamente que a solução ou alivio para tudo que estava me acontecendo era procurá-lo. E assim fiz.
 Com o coração esperançoso viajei para Uberaba. Hospedei-me em casa da sra. Candinha, pois em minha companhia foi sua filha Sra. Olívia Dorotea Rodrigues que muito colaborou nessa viagem.
 Na sexta-feira fui ao Grupo Espírita da Prece. Ansiosa cheguei muito cedo e fiquei sentada no chão da rua; era um trapo de gente, não queria comer e nem beber, minha ansiedade era unicamente vê-lo. Meu estado era deprimente.
 Quando Chico chegou, parecia-me estar revivendo cenas de quando Jesus caminhava no meio dos menos felizes. Com muita fé e em sua presença, rogava a Deus que me curasse.
 Minha alegria era transbordante, não tinha condições sequer de desviar meu olhar daquela figura que seria o remédio para os meus dissabores.
 Fui à terceira pessoa a conversar com ele e na sua presença, sem dar qualquer valor ao pensamento estético e de boas maneiras, não me importando com o que pudessem pensar ou falar, atirei-me em seus braços.
 Com a foto de meu filho nas mãos, mostrei-lhe.
 Delicadamente apanhou-a e mostrou ao pessoal presente; dizia comovido:
 - “Qu belo rapaz Jesus levou para junto de si”. Devolveu-me a foto sem falar mais nada.
 Fui sentar-me. Levava vários nomes de amigos e parentes; no meu desespero esqueci de entregá-los ao Chico. Pedi, então, a uma pessoa que colocasse esses papeis na mesa que eram solicitações de preces e receitas.

Não sei porque, devolveram-me e pediram que eu mesma entregasse ao Chico, coisa que costumeiramente não se faz, isto é, são entregues ao Sr. Weaker Baptista e às senhoras que lá freqüentam e trabalham.

Os elementos responsáveis pela disciplina do Centro, penalizados com a minha situação, abriram alas e levaram-me à sua presença.
 Nessa oportunidade, pedi ao Chico que gostaria de receber uma mensagem de meu filho.
 Respondeu ser ainda muito cedo, mas pediu publicamente que eu atestasse o que iria dizer: era realidade ou não o fato que havia ocorrido há muito tempo em nossa família de ter perdido um cunhado que fora atropelado, chamava-se Rafael. Disse ainda: Mo momento em que seu filho Ronaldo partiu para Jesus, a pessoa que o encontrou e o recebeu no seu grande desespero, foi esse seu tio. Confirmei sobre Rafael, tornei a sentar-me e aguardei.
 Convicta ainda de que receberia o meu remédio, perguntei aos médiuns que se reuniam em comentários sobre o Evangelho, se viria uma mensagem de meu filho; unânimes, responderam:
 “- Se for permitido por Jesus a Sra. Receberá.”
 Meu estado de saúde não estava permitindo que eu desfrutasse daquele ambiente maravilhoso. Preocupada também com minha anfitriã, precisei retirar-me.
 Estávamos à meia noite, chovia torrencialmente, consegui apanhar o último táxi estacionado.
 Os resultados se fizeram sentir, dormi a noite toda, essa maravilha me chegara.
Não precisei de calmante, pois saíra tranqüila.
 O ambiente reequilibrar-me.
 Na manha do sábado, viajei para São Paulo, chegando em casa por volta das 17 horas.
 Com muita surpresa, na segunda-feira, recebo a visita da Dra. Marlene Rossi Severino Nobre, que trazia em mãos a mensagem de meu filho.

Dizia que haviam procurado por todos os hotéis de Uberaba e não conseguiram encontrar-me; estava como portadora, atendendo gentilmente o pedido de Chico Xavier. Meu filho comunicara.
 Mostrei-lhe minha satisfação.
 Em seguida passei a ler a mensagem que tanto aguardara. Em sua leitura vim compreender um fato que havia se passado:
   Quando Ronaldo ainda em casa, no caixão, não entendia porque, corriam-lhe pelas faces grossos fios de lagrimas. Intrigada com aquilo, perguntei aos presentes se viam também. Todos confirmaram. Na mensagem meu filho cita o porque das lagrimas quando diz: “Aquilo tudo com aquela impressão de fim de existência me fez chorar por dentro, mas as lagrima eram iguais às vozes que se mantinham presas comigo. Minhas pálpebras também estavam cerradas e aquele orvalho de dor que nascia no coração ficou estancado... Por isso, Mãezinha, é que a senhora e os nossos tiveram a impressão de que eu chorava no corpo imóvel. Ver, eu não vi, mas as suas perguntas nesse sentido eram muitas e minha bisavó Philomena que me tomou por outra mãe explicou-me o que se passara. Quando me retiraram da forma física extenuada as comportas se abriram e as lagrimas que eram em mim preces a Deis, rogando forças em vão para dizer alguma coisa, rolaram pelas faces...”
 Vários familiares desencarnados foram citados. O nome Angeloantonio veio escrito exatamente igual ao da família na citação de vovô, e outras coisas mais.
 Graças a Deus, e à mediunidade de Chico que deu condições para os espíritos amigos nos ajudarem, hoje sou outra, não soube mais o que é um comprimido calmante.
 Minha felicidade voltou e após essa mensagem, recebida no dia 09.04.1976, no mês seguinte Ronaldo aniversariava. Fiz uma festa, convidei todas as crianças vizinhas como Ronaldo gostava, cantamos o parabéns. Essa foi à primeira alegria após três anos de sofrimento.
 Ronaldo, desencarnou com 23 anos e, para o caro leitor avaliar, em nossa vida, ainda quando encarnado, por problemas familiares, tentei por diversas vezes o suicídio. Intoxiquei-me com drogas sem ter a consciência do que fazia. Ronaldo, quinze dias antes do seu desencarne, chamou-me e comovidamente fez-me jurar que nunca mais tentasse contra minha vida, dizendo-me:
 “- Só Jesus pode ditar nossa partida e quando ela chegar ele nos chama.” Na sua suplica, via em meus olhos o amor que existia em seu coração para com a mãe que muito o magoara.
 Hoje, como na mensagem, ainda recordo suas palavras que, como dínamo, refazem minhas forças e condições de seguir e lutar.
 Por tudo isso, agradeço e peço a Deus que transfira os méritos da minha felicidade ao Chico, esse coração que nestes 50 anos só soube amar e tranqüilizar os desesperados como eu.
 Após um ano da minha estada em Uberaba, isto é em 09.04.1976, opor dádiva de Deus, a lacuna deixada por meu filho no coração dos familiares, foi preenchida por meu sobrinho Ronaldinho, nascido exatamente em 09.04.1977. encaro-o como se fosse meu filho. Meu irmão colocou seu nome em honra, carinho e afeto que tinha pelo seu sobrinho, meu filho Ronaldo.
 Chico Xavier, no amanha luminoso do nosso entendimento ficará marcado para sempre. Foi o interruptor que ligou e clareou os caminhos que hoje trilhamos no campo do equilíbrio cristão.
 Deu-nos o verdadeiro sentido, o amor seja na sua palavra ou na palavra de meu filho, é e será para todo o sempre o melhor calmante que não arrasa o nosso equilíbrio físico e espiritual e dá-nos forças para novas tentativas de trabalho no aprendizado de Jesus.
 Perdoem-me os leitores, minha felicidade precisa ser exposta no agradecimento aos companheiros do Ideal, Instituto de Divulgação Editora André Luiz, que sem saber chegaram até nós para este testemunho, exatamente no dia em que Ronaldo aniversaria;
  Meu irmão Roberto Angeloantonio, que me surpreendeu com a reunião de vários casais amigos de meu filho em sua casa, para relembrarem esta data;
A Deus pela oportunidade;
 Aos amigos leitores pela atenção e aos que necessitam, possam encontrar nestas minhas palavras algum conforto.
 Thereza Malafronto
Livro Amor e Luz - Psicografia Chico Xavier



UNIVERSO E VIDA  HERNANI T SANT'ANA


Do telescópio de Monte Palomar, de cinco metros, podem ser observadas cerca de um bilhão de galáxias, algumas situadas tão longe, no espaço, que a luz que delas contemplamos é a das que a expediram em nossa direção antes que a Terra existisse.


Um bilhão de galáxias! Se um raio de luz começasse a percorrer a nossa modesta galáxia, deslocando-se com a incrível velocidade de 300 mil quilômetros por segundo, levaria cem milênios para atravessá-la. E a nossa é das menores já observadas. E se move, toda ela, com o nosso Sol e todo o nosso Sistema, em torno do centro galático, a uma velocidade de 290 mil metros por segundo. Aliás, ela integra um aglomerado com mais de vinte outras galáxias...

Existem, porém, aglomerados galáticos conhecidos, com mais de cem galáxias. E dizer-se que só na nossa modesta galáxia existem mais de cem bilhões de sóis! Esses mundos incontáveis são, como disse Jesus, as muitas moradas da Casa do Eterno Pai. É neles que nascem, crescem, vivem e se aperfeiçoam os Filhos do Criador, a Grande Família Universal. . . São eles as grandes Escolas das Almas, as Grandes Oficinas do Espírito, as Grandes Universidades e os Grandes Laboratórios do Infinito. . . E são também — Deus seja louvado!
— os berços da Vida.

Como os Grandes Espíritos são solidários entre si, também o são os mundos e as Humanidades que eles governam em nome do Criador. Quando Sírius, da Constelação do Grande Cão, atingiu a posição de sistema de orbes regenerado, muitos Espíritos orgulhosos e rebeldes que lá habitavam foram transferidos para Capela, da Constelação do Cocheiro, que era, na ocasião, um sistema de mundos de provas e expiações. No transcurso dos milênios, esses degredados, já redimidos, regressaram, em sua maioria, aos seus celestes pagos, ou se incorporaram às coletividades capelinas, das quais se fizeram devotados condutores. Houve, porém, numerosas entidades, de poderosa inteligência, mas de renitente coração, que não apenas perseveraram em sua rebeldia, mas lideraram, além disso, legiões de tresloucados seguidores de suas incontinências. Esses os Espíritos que, indesejáveis em Capela, quando aquele sistema alcançou o estágio de orbes de regeneração, foram banidos para a Terra, onde a magnanimidade do Cristo os recebeu e amparou.


Tais degredados não vieram, porém, sozinhos, como se fossem imenso rebanho abandonadoà violência das procelas. Alguns dos seus grandes líderes, já redimidos, renunciaram, por amor a eles, à glória e à felicidade do regresso a Sírius, e desceram, à sua frente, aos vales de dor da Terra primitiva, na condição de Grandes Guardiães, colocando-se humildemente a serviço do Cristo Planetário.

Recebendo-lhes a amorosa cooperação, o Sublime Governador da Terra utilizou-lhes os préstimos e honrou-lhes a dedicação, tanto no Espaço como na Crosta. £ assim que, mesmo antes do Messianato do Senhor Jesus, a História registra a passagem, entre os homens, de luminosos Gênios Espirituais, como os respeitáveis Sacerdotes do Antigo Egito, os veneráveis Mahatmas da velha índia e os vultos sumamente admiráveis de Fo-Hi, Lao-Tsé, Confúcio, Buda, Esquilo, Heródoto e Sócrates.

Foi, porém, entre os hebreus, povo escolhido para acolher no seu seio o Messias Divino,que esses gloriosos missionários mais freqüentemente se manifestaram, a começar pelo maior de todos, o Grande Condutor dos degredados, que seria, na Terra, o neto de Abraão, aquele Jacó que se transformaria em Israel, pai das doze tribos que se derivaram dos seus doze filhos. Sempre atuante e "sempre fiel, ele voltaria depois, como Moisés e como Elias, para tornar novamente ao mundo na figura sublime do Batista".

Tal como ele, Abraão, que foi mais tarde Salomão e depois Simão Pedro; Isaac, que seria Daniel e posteriormente João, o Evangelista; José, o Chanceler do Egito, que viria a ser Davi e depois Paulo de Tarso; e muitos outros, dentre os quais quase todos aqueles que, a chamado de Jesus, integrariam o seu Colégio Apostólico.

Mas o amor sublime de excelsos Espíritos de Sírius não abandonou os antigos companheiros, e foi de lá, daquele orbe santificado, que vieram, desde os primórdios da Terra, para auxiliar voluntariamente ao Cristo Jesus, aqueles seres extraordinários que cercaram, no mundo, o Messias, como Ana e Simeão, Isabel e Zacarias, e principalmente o Carpinteiro José e a Santa Mãe Maria.

As crônicas do mundo espiritual acerca de numerosas figuras do luminoso séquito do Cristonão podem ser aqui mencionadas e muito menos reproduzidas, e nossas modestas anotações visam apenas a dar muito pálida idéia de como os fastos maravilhosos do amor estão na base de todos os movimentos de redenção, em todas as dimensões do Infinito.

A verdade é que, quanto mais elevados na hierarquia da Vida, mais os Espíritos se votam ao amor e à renúncia, ao trabalho e ao sacrifício, em benefício de seus irmãos menos adiantados na senda evolutiva. Esse soberano sentido de solidariedade é princípio divino que inspira as Grandes Almas e as leva a adiar indefinidamente a realização de sublimes ideais de ventura pessoal, até que esses ideais, ao que imaginamos, acabam por diluir-se naturalmente no infinito do Amor Divino, totalizador e eterno, que nenhum egoísmo pode jamais empanar.

São exemplos dessa maravilhosa realidade a Mãe e o Precursor do Excelso Mestre, cujo intraduzível devotamento os fez trocar seus luminescentes paraísos pelo serviço permanente e sacrificial a uma Humanidade ignorante e sofredora.

Jesus disse à esposa de Zebedeu que só se assentariam à sua direita e à sua esquerda, no Reino dos Céus, aqueles a quem o Pai havia reservado esses lugares, porque sabia que o Eterno já elegera para esses supremos ministérios o grande Batista e a magnânima Maria de Nazaré; o primeiro para reger, sob a sua crística supervisão, os problemas planetários da Justiça, e Ela para superintender, sob a sua soberana influência, as benevolências do Amor.Por isso, todos os decretos lavrados pelo Sublime Chanceler da Justiça somente são homologados pelo Cristo depois de examinados e instruídos pela Excelsa Advogada da Humanidade, a fim de que nunca falte, em qualquer processo de dor, as bênçãos compassivas da misericórdia e da esperança.



Universo e Vida                       Hernani T. Sant’Anna

 

EM PLENA ERA NOVA


          Meus amigos, busquemos, acima de tudo, a bênção do Senhor Jesus!
          De fato, a Terra vê-se à frente de uma era nova. Sacudida pelo alvião científico, sente-se a mente do mundo abalada nos alicerces. É progresso em todas as direções, conclamando os homens ao despertamento espiritual para a vastidão soberana da vida. A navegação aérea atendeu ao problema dos transportes, conjugando o fantasma da fome por desterrá-lo do seio das nações. A radiofonia patrocina a expansão do pensamento rápido. A televisão modifica a face do mundo. À maneira dos últimos remanescentes do feudalismo, que foram abatidos no século passado pelos golpes da república, todo regisonalismo está sendo, necessariamente, massacrado pelo impositivo da comunhão social mais profunda.

          Não precisamos acrescentar qualquer anotação tendente a criar novo anseio à expectação geral em torno dos últimos eventos que impressionaram a humanidade. O domínio do combustível, a evolução da física nuclear e a penetração no reino atômico estão conferindo ao homem novos poderes que, analisados no conjunto, compelem a reflexões muito graves, porque se o propósito da hegemonia política não foi devidamente controlado, criando-se, espontaneamente, mais ampla união da vida continental no planeta, o homem poderá, efetivamente, interfeir no movimento pendular da Terra, determinando alterações de consciências imprevisíveis nas calotas polares.

          Entretanto, não devemos conduzir a imaginação para qualquer faixa obscura e pessimista. Entendamos na presente renovação do mundo mais alto apelo da Esfera Superior para que o campo da evolução terrestre se incorpore à vida cósmica.

          A humanidade está sendo chamada a raciocinar em termos de infinito no espaço e no tempo, e, nesta hora, sem dúvida, o Espiritismo é a força capaz de auxiliar as criaturas, a fim de que se desfaçam as cristalizações dogmáticas do caminho religioso, para que o pensamento do mundo, liberto de todos os cárceres e de todas as fantasias, possa acompanhar a ciência em suas arrojadas iniciativas e a filosofia em suas imensas realizações sociológicas.

          Claro que necessitamos da máxima cautela no trato com semelhante assunto, porquanto, se o homem de hoje aspira o contato com habitantes de outros planetas, não podemos olvidar que seres de outros mundos são também todos os desencarnados, que, há mais de um século, estão convidando a atenção da Terra para a glória da vida na vida universal.

          Integrados, assim, no conhecimento e na prática de nossas responsabilidades, atendamos aos nossos deveres na condição de obreiros humildes do mundo novo, colaborando cada um de nós no círculo de ação que nos é peculiar para que a nossa Doutrina, com a bênção de Deus e ao sopro renovador do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, possa, com as balizas de Allan Kardec, amparar, tanto quanto possível, a mente surpreendida e desarvorada da multidão.

          Todos nos achamos à face de uma época destinada a modificações profundas, mas saudado-a com otimismo e formulando votos para que todos nos arregimentemos na obra de preservação mútua e de redenção recíproca nas linhas multifárias em que se nos desenvolve a existência, recordemos, para a nossa edificação, a palavra do Senhor Jesus – “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”–, para que o espírito de transformação não nos surpreenda acastelados no orgulho da raça e na vaidade regionalista. E lembremos, ainda, o ensinamento monumental de Allan Kardec: – “Nascer, viver, morrer, renascer de novo e progredir sempre, tal é a lei”–, para que o progresso inelutável nos encontre na posição de trabalhadores decididos e resolutos na construção do mundo melhor.           

Efigênia Salles Vítor
por Francisco Cândido Xavier
7 de novembro de 1957

Livro:  Registros Imortais
Francisco Cândido Xavier, Autores Diversos, por Espíritos Diversos,
organizado por Eugênio Eustáquio dos Santos
Vinha de Luz Serviço Editorial

Para mudar o mundo é preciso mudar a si mesmo.

Projeto Saber e Mudar

TUDO NOS MURMURA
 
    “Lá em cima, outros problemas me atraem. Para onde vão esses mundos inumeráveis? Em virtude de que forças se movem, se procuram no seio do insondável abismo? Sempre, no fundo de tudo, surge o pensamento de Deus, energia eterna, eterno amor! A mão que dirige os astros na extensão, escreveu ali um nome, em letras de fogo! Todos esses mundos conhecem seu trilho, sua missão sagrada; prosseguem infalivelmente. Sabem que representam um papel no plano divino, e a este se associam estreitamente. Todo o segredo da Natureza está nisso. Os mares, as florestas e as montanhas não dizem outra coisa. A Via-Láctea, que desenrola através do Espaço sua poeira de mundos; os cedros gigantescos, que estendem seus longos ramos acima dos precipícios; a flor, que se expande aos beijos do Sol; tudo nos murmura: É a Ele que devemos o ser; é por Ele que vivemos e morremos!”
(Léon Denis - O Grande Enigma).

 “Que espetáculos, que maravilhas representam para nossa vida esses mundos longínquos, que variedade de sensações que se podem recolher desses universos! E essas almas prosseguem sua viagem na imensidade, até que, submetidas à lei eterna, retomam órgãos novos, se fixam sobre um desses mundos para cooperar, pelo trabalho, para o seu adiantamento, para o seu progresso. Ante esses horizontes imensos, como nossa Terra fica pequena! E, diante de tais perspectivas, pode-se temer a morte?”


Léon Denis
O Gênio Céltico e o Mundo Invisível



Na hora em que tudo repousa nas nossas cidades, quando a noite está transparente e o silêncio se faz sobre a terra adormecida, então, ó homens, meus irmãos, elevem seus olhos e contemplem o infinito dos céus!

      Observem a marcha ritmada dos astros, evoluindo nas profundezas. Esses fogos inumeráveis são mundos perto dos quais a Terra não é mais que um átomo, sóis prodigiosos contornados por cortejos de esferas e dos quais as distâncias espantosas que nos separam se medem por milhões de anos-luz. Por isso nos parecem simples pontos luminosos. Mas, dirijam para eles esse olho colossal da ciência, o radiotelescópio, e vocês distinguirão suas superfícies, semelhantes a oceanos em chamas.

      Procurem em vão contá-los; eles se multiplicam até nas regiões mais remotas e confundem-se na distância, como uma poeira luminosa. Observem também, como sobre os mundos vizinhos da Terra se desenham os vales e as montanhas, mares são cavados, nuvens se movem. Reconheçam que as manifestações da vida se produzem por toda parte, e que uma ordem admirável une, sob leis uniformes e por destinos comuns, a Terra e seus irmãos, os planetas errantes no infinito. Verifiquem que todos esses mundos, habitados por outras sociedades humanas, se agitam, se afastam e aproximam dotados de velocidades diversas, percorrendo orbes imensos; por todo lado o movimento, a atividade e a vida se mostram em um espetáculo grandioso.

Observem nosso próprio globo, a Terra, que parece nos dizer:”Vossa carne é a minha, vossos entes minhas crianças”. Observem-na, esta grande ama de leite da humanidade; vejam a harmonia de seus contornos, seus continentes, no seio dos quais as nações germinam e crescem, seus vastos oceanos sempre em movimento; acompanhem a renovação das estações revestindo-a, cada vez, de verdes adornos ou de louras colheitas; contemplem os seres vivos que a povoam: pássaros, insetos, plantas e flores; cada um deles é um cinzelado maravilhoso, uma jóia do estojo divino. Observem a si mesmos; vejam o desempenho admirável de seus órgãos, o mecanismo maravilhoso e complicado de seus sentidos. Que gênio humano poderia imitar essas delicadas obras-primas?

      Considerem todas essas coisas e perguntem à sua razão se tanta beleza, esplendor e harmonia, podem resultar do acaso, ou se não existe, sobretudo, uma causa inteligente presidindo a ordem do mundo e a evolução da vida. E se vocês me opusessem os flagelos, as catástrofes, tudo o que vem perturbar essa ordem admirável, lhes responderia: Sondem os problemas da natureza, não se fixem na superfície, desçam ao fundo das coisas e descobrirão, com surpresa, que as aparentes contradições mais não fazem que confirmar a harmonia geral, que são úteis ao progresso dos seres, único propósito da existência.
Léon Denis

O Porquê da Vida

 

 

MUNDOS SUPERIORES 

                      
      Poderíeis falar do estado das almas encarnadas em mundos superiores ao nosso?


         “Tomo como comparação com o vosso, um mundo sensivelmente mais adiantado, onde a crença em Deus, na imortalidade da alma, na sucessão das existências para chegar à perfeição são outras tantas verdades reconhecidas e compreendidas por todos, onde a comunicação dos seres corpóreos com o mundo oculto é, por isso mesmo, muito fácil. Os seres ali são menos materiais que em vossa Terra e não sujeitos a todas as necessidades que vos pesam; formam a transição entre os corpóreos e os incorpóreos.

Lá não há barreiras separando povos, nem guerras; todos vivem em paz, praticando entre si a caridade e a verdadeira fraternidade; as leis humanas ali são inúteis; cada um leva consigo a consciência, que é o seu tribunal. Ali o mal é raro e ainda esse mal seria quase o bem para vós. Em relação a vós eles seriam perfeitos, mas ainda estão longe da perfeição de Deus; ainda lhe são necessárias várias encarnações em diversas terras, para completarem a purificação.

Aquele que na Terra vos parece perfeito seria considerado como um revoltado e um criminoso no mundo de que vos falo. Vossos maiores sábios ali seriam os últimos ignorantes.

      Nos mundos superiores as produções da natureza nada têm de comum com as do vosso globo. Tudo ali é apropriado à organização menos material dos habitantes. Não é pelo suor do rosto e pelo trabalho material que tiram o alimento.

 O solo produz naturalmente o que lhes é necessário. Contudo não estão inativos. Suas ocupações são bem outras que as vossas. Não tendo que prover as necessidades do corpo, provêem as do Espírito; compreendendo cada um porque foi criado, está positivamente seguro de seu futuro e trabalha sem desânimo o seu próprio melhoramento e a purificação de sua alma.

      A morte ali é considerada um benefício. O dia em que a alma deixa o seu invólucro é um dia feliz. Sabe-se aonde se vai. Passa-se primeiro, para ir mais longe esperar os pais, os amigos e os Espíritos simpáticos, deixados para trás.

      Terra de paz, morada feliz, onde as vicissitudes da vida material são desconhecidas; onde a tranqüilidade da alma nem é perturbada pela ambição, nem pela sede de riquezas; felizes os que a habitam! Eles tocam o fim que perseguem há tantos séculos; vêem, sabem, compreendem; alegram-se em pensar no futuro que os espera, e trabalham com mais ardor para chegar mais prontamente”. (Um Espírito Protetor - Revista Espírita de 1864).        

Leon Denis - Do Livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor.

 Léon Denis As missões, a vida superior

 

LEON DENIS

 

O Problema do Ser,
do Destino e da Dor

 As missões, a vida superior

Todo Espírito que deseja progredir, trabalhando na obra de solidariedade universal, recebe dos Espíritos mais elevados uma missão particular apropriada às suas aptidões e ao seu grau de adiantamento.

Uns têm por tarefa receber os homens em seu regresso à vida espiritual, guiá-los, ajudá-los a se desembaraçarem dos fluidos espessos que os envolvem; outros são encarregados de consolar, instruir as almas sofredoras e atrasadas. Espíritos químicos, físicos, naturalistas, astrônomos, prosseguem suas investigações, estudam os mundos, suas superfícies, suas profundezas ocultas, atuam em todos os lugares sobre a matéria sutil, que fazem passar por preparações, por modificações destinadas a obras que a imaginação humana teria dificuldades em conceber; outros se aplicam às artes, ao estudo do belo sob todas as suas formas; Espíritos menos adiantados assistem os primeiros nas suas tarefas variadas e servem-lhes de auxiliares.




Grande número de Espíritos consagra-se aos habitantes da Terra e dos outros planetas, estimulando-os em seus trabalhos, fortalecendo os ânimos abatidos, guiando os hesitantes pelo caminho do dever. Aqueles que exerceram a Medicina e possuem o segredo dos fluidos curativos, reparadores, ocupam-se mais especialmente dos doentes.[i][i][i]



Mais bela dentre todas é a missão dos Espíritos de luz. Descem dos espaços celestes para trazer às humanidades os tesouros da sua ciência, da sua sabedoria, do seu amor. A sua tarefa é um sacrifício constante, porque o contacto dos mundos materiais é penoso para eles; mas afrontam todos os sofrimentos por dedicação aos seus protegidos, para os assistirem nas suas provações e infiltrarem em seus corações as grandes e generosas intuições. É justo atribuir-lhes os lampejos de inspiração que iluminam o pensamento, as expansões da alma, a força moral que nos sustenta nas dificuldades da vida. Se soubéssemos a quantos constrangimentos se impõem esses nobres Espíritos para chegarem até nós, corresponderíamos melhor a suas solicitações, empregaríamos esforços enérgicos para nos desapegarmos de tudo o que é vil e impuro, unindo-nos a eles na comunhão divina.


Nas horas de atribulações, é para esses Espíritos, para meus Guias bem-amados que voam meus pensamentos e meus apelos; é deles que sempre me têm vindo o amparo moral e as consolações supremas.



Subi a custo os atalhos da vida; dura foi a minha infância. Cedo conheci o trabalho manual e os pesados encargos de família. Mais tarde, em minha carreira de propagandista, muitas vezes me feri nas pedras do caminho; fui mordido pelas serpentes do ódio e da inveja. E agora chegou para mim a hora crepuscular; vão subindo e rodeando-me as sombras; sinto que minhas forças declinam e os órgãos se enfraquecem. Nunca, porém, me faltou o auxílio de meus amigos invisíveis; nunca minha voz os evocou em vão.
Desde meus primeiros passos neste mundo, a sua influência envolveu-me. É às suas inspirações que devo minhas melhores páginas e minhas expressões mais vibrantes. Compartilharam minhas alegrias e tristezas e, quando rugia a tempestade, eu sabia que eles estavam firmes ao meu lado, no meu caminho. Sem eles, sem seu socorro, há muito tempo que eu teria sido obrigado a interromper a minha marcha, a suspender o meu labor; mas suas mãos estendidas têm me amparado e dirigido na áspera via.

Às vezes, no recolhimento do entardecer ou no silêncio da noite, suas vozes me falam, embalam, confortam; ressoam na minha solidão como vaga melodia. Ou, então, são sopros que passam, semelhantes a carícias, sábios conselhos ciciados, indicações preciosas sobre as imperfeições de meu caráter e os meios de remediá-las.

Então esqueço as misérias humanas para comprazer-me na esperança de tornar a ver um dia os meus amigos invisíveis, de reunir-me a eles na luz, se Deus me julgar digno disso, com todos aqueles que tenho amado e que, do seio dos Espaços, me ajudam a percorrer a via terrestre.
Ascenda para todos vós, Espíritos tutelares, entidades protetoras, meu pensamento agradecido, a melhor parte de mim mesmo, o tributo de minha admiração e de meu amor.
*
A alma vem de Deus e volve a Deus, percorrendo o ciclo imenso dos seus destinos; mas, por mais baixo que tenha descido, cedo ou tarde, pela atração, sobe de novo para o infinito. Que procura ela ali? o conhecimento cada vez mais perfeito do universo, a assimilação cada vez mais completa de seus atributos – beleza, verdade, amor! e, ao mesmo tempo, uma libertação gradual das escravidões da matéria, uma colaboração crescente na obra de Deus.

Cada Espírito tem, no espaço, sua vocação e segue-a com facilidades desconhecidas na Terra; cada um encontra seu lugar nesse soberbo campo de ação, nesse vasto laboratório universal. Por toda parte, tanto na amplidão como nos mundos, objetos de estudo e de trabalho, meios de elevação, de participação na obra eterna, se oferecem à alma laboriosa.


Já não é o céu frio e vazio dos materialistas, nem mesmo o céu contemplativo e beato de certos crentes; é um universo vivo, animado, luminoso, cheio de seres inteligentes em via constante de evolução. Quanto mais os seres espirituais se elevam, tanto mais se acentua a sua tarefa, tanto mais aumentam de importância suas missões. Um dia, tomam lugar entre as almas mensageiras que vão levar aos confins do tempo e do espaço as forças e as vontades da Alma Infinita.


Para o Espírito ínfimo, assim como para o mais eminente, não tem limites o domínio da vida. Qualquer que seja a altura a que tenhamos chegado, há sempre um plano superior a alcançar, uma nova perfeição a realizar.

Para toda alma, mesmo a mais inferior, um futuro grandioso se prepara. Cada pensamento generoso que começa a despontar, cada efusão de amor, cada esforço que tende para uma vida melhor é como a vibração, o pressentimento, o apelo de um mundo mais elevado que a atrai e que, cedo ou tarde, a receberá. Todo ímpeto de entusiasmo, toda palavra de justiça, todo ato de abnegação repercute em progressão crescente na escala dos seus destinos.

À medida que ela se vai distanciando das esferas inferiores, onde reinam as influências pesadas, onde se agitam as vidas grosseiras, banais ou culpadas, as existências de lenta e penosa educação, a alma vai percebendo as altas manifestações da inteligência, da justiça, da bondade, e sua vida torna-se cada vez mais bela e divina. Os murmúrios confusos, os rumores discordes dos centros humanos pouco a pouco vão se enfraquecendo para ela até se extinguirem de todo; ao mesmo tempo começa a perceber os ecos harmoniosos das sociedades celestes. É o limiar das regiões felizes, onde reina uma eterna claridade, onde paira uma atmosfera de benevolência, serenidade e paz, onde todas as coisas saem frescas e puras das mãos de Deus.


A diferença profunda que existe entre a vida terrestre e a vida do espaço está no sentido de libertação, de alívio, de liberdade absoluta que desfrutam os Espíritos bons e purificados.

Desde que se rompem os laços materiais, a alma pura desfere o vôo para as altas regiões. Lá, vive uma vida livre, pacífica, intensa, ao pé da qual o passado terrestre lhe parece um sonho doloroso.

Na efusão das ternuras recíprocas, numa vida livre de males e necessidades físicas, a alma sente multiplicarem-se as suas faculdades, adquirirem uma penetração e uma extensão das quais os fenômenos de êxtase nos fazem entrever os velados esplendores.

A linguagem do mundo espiritual é a das imagens e dos símbolos, rápida como o pensamento; é por isso que os nossos guias invisíveis se servem de preferência de representações simbólicas para nos prevenir, no sonho, de um perigo ou de uma desgraça. O éter, fluido brando e luminoso, toma com extrema facilidade as formas que a vontade lhe imprime. Os Espíritos comunicam-se entre si e compreendem-se por processos diante dos quais a arte oratória mais consumada, toda a magia da eloqüência humana pareceriam apenas um grosseiro balbuciar.

As Inteligências elevadas percebem e realizam sem esforço as mais maravilhosas concepções da arte e do gênio. Mas essas concepções não podem ser transmitidas integralmente aos homens. Mesmo nas manifestações medianímicas mais perfeitas, o Espírito superior tem de se submeter às leis físicas do nosso mundo e só vagos reflexos ou ecos enfraquecidos das esferas celestes, algumas notas perdidas da grande sinfonia eterna, é que ele pode fazer chegar até nós.

Tudo é graduado na vida espiritual. A cada grau de evolução do ser para a sabedoria, para a luz, para a santidade, corresponde um estado mais perfeito de seus sentidos receptivos, de seus meios de percepção. O corpo fluídico, cada vez mais diáfano, mais transparente, deixa passagem livre às radiações da alma. Daí uma aptidão maior para apreciar, para compreender os esplendores infinitos; daí uma recordação mais extensa do passado, uma familiarização cada vez maior com os seres e as coisas dos planos superiores, até que a alma, em sua marcha progressiva, tenha atingido as máximas altitudes.



Chegado a essas alturas, o Espírito tem vencido toda paixão, toda tendência para o mal, tem-se libertado para sempre do jugo material e da lei dos renascimentos, é a entrada definitiva nos reinos divinos, donde só voluntariamente descerá ao círculo das gerações para desempenhar missões sublimes.


Nessas eminências, a existência é uma festa perene da inteligência e do coração; é a comunhão íntima no amor com todos aqueles que nos foram caros e conosco percorreram o ciclo das transmigrações e das provas. Ajuntai a isso a visão constante da eterna beleza, uma profunda compreensão dos mistérios e das leis do universo, e tereis uma fraca idéia das alegrias reservadas a todos aqueles que, por seus méritos e esforços, alcançaram os céus superiores.



   Os desertos do espaço

 

45. - Inimaginável deserto, sem limites, se estende para lá da aglomeração de estrelas de que vimos de tratar, e a envolve.

A solidões sucedem solidões e incomensuráveis planícies do vácuo se distendem pela amplidão em fora. Os amontoados de matéria cósmica se encontram isolados no espaço como ilhas flutuantes de enormíssimo arquipélago. Se quisermos, de alguma forma, apreciar a distância enorme que separa o aglomerado de estrelas, de que fazemos parte, dos outros aglomerados mais próximos, precisamos saber que essas ilhas estelares se encontram disseminadas e raras no vastíssimo oceano dos céus, e que a extensão que as separa, umas das outras, é incomparavelmente maior do que as que lhes medem as respectivas dimensões.

Ora, a nebulosa estelar mede, como já vimos, em números redondos, mil vezes a distância das estrelas mais aproximadas, tomada por unidade essa distância, isto é, alguns cem mil trilhões de léguas. A distância que existe entre elas, sendo muito mais vasta, não poderia ser expressa por números acessíveis à compreensão do nosso espírito. Só a imaginação, em suas concepções mais altas, é capaz de transpor tão prodigiosa imensidade, essas solidões mudas e baldas de toda aparência de vida, e de encarar, de certa maneira, a idéia dessa infinidade relativa.

46. Todavia, o deserto celeste, que envolve o nosso universo sideral e que parece estender-se como sendo os afastados confins do nosso mundo astral, abrangem-no a visão e o poder infinito do Altíssimo que, além desses céus dos nossos céus, desenvolveu a trama da sua criação ilimitada.


47. - Além de tão vastas solidões, com efeito, rebrilham mundos em sua magnificência, tanto quanto nas regiões acessíveis às investigações humanas; para lá desses desertos, vagam, no éter límpido esplêndidos oásis, que sem cessar renovam as cenas admiráveis da existência e da vida.

Sucedem-se lá os agregados longínquos de substância cósmica, que o profundo olhar do telescópio percebe através das regiões transparentes do nosso céu e a que dais o nome de nebulosas irresolúveis, as quais vos parecem ligeiras nuvens de poeira branca, perdidas num ponto desconhecido do espaço etéreo. Lá se revelam e desdobram novos mundos, cujas condições variadas e diversas das que são peculiares ao vosso globo lhes dão uma vida que as vossas concepções não podem imaginar, nem os vossos estudos comprovar. É lá que em toda a sua plenitude resplandece o poder criador. Àquele que vem das regiões que o vosso sistema ocupa, outras leis se deparam em ação e cujas forças regem as manifestações da vida. E os novos caminhos que se nos apresentam em tão singulares regiões abrem-nos surpreendentes perspectivas. (1)

(1) Dá-se, em Astronomia, o nome de nebulosas irresolúveis àquelas em cujo seio ainda se não puderam distinguir as estrelas que as compõem. Foram, a princípio, consideradas acervos de matéria cósmica em vias de condensação para formar mundos; hoje, porém, geralmente se entende que essa aparência é devida ao afastamento e que, com instrumentos bastante poderosos, todas seriam resolúveis.

Uma comparação familiar pode dar idéia, embora muito imperfeita, das nebulosas resolúveis: são os grupos de centelhas projetadas pelas bombas dos fogos de artifício, no momento de explodirem. Cada uma dessas centelhas figurará uma estrela e o conjunto delas a nebulosa, ou grupo de estrelas reunidas num ponto do espaço e submetidas a uma lei comum de atração e de movimento. Vistas de certa distância, mal se distinguem essas centelhas, tendo o grupo por elas formado a aparência de uma nuvenzinha de fumaça. Não seria exata esta comparação, se se tratasse de massas de matéria cósmica condensada.

A nossa Via-Láctea é uma dessas nebulosas. Conta perto de 30 milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas de extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos uma média de 20 planetas habitados circulando em torno de cada sol: teremos 600 milhões de mundos só para o nosso grupo.

Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para outra, aí estaríamos como em meio da nossa Via-Láctea, porém com um céu estrelado de aspecto inteiramente diverso e este, mau grado às suas dimensões colossais, nos pareceria, de longe, um pequenino floco lenticular perdido no infinito. Mas, antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante que deixa uma cidade e percorre vasto país inabitado, antes que chegue a outra cidade. Teríamos transposto incomensuráveis espaços desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu denominou os desertos do espaço. À medida que avançássemos, veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós, diminuindo de extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de centelhas de bomba de fogos de artifício. Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados.

Tudo o que nos possa identificar com a imensidade da extensão e com a estrutura do Universo é de utilidade para a ampliação das idéias, tão restringidas pelas crenças vulgares.
 Deus avulta aos nossos olhos, à medida que melhor compreendemos a grandeza de suas obras e nossa infinidade. Estamos longe, como se vê, da crença que a Gênese moisaica implantou e que fez da nossa pequenina, imperceptível Terra, a criação principal de Deus e dos seus habitantes os únicos objetos da sua solicitude.
Compreendemos a vaidade dos homens que crêem que tudo no Universo foi feito para eles e dos que ousam discutir a existência do Ente supremo.

Dentro de alguns séculos, causará espanto que uma religião feita para glorificar a Deus o tenha rebaixado a tão mesquinhas proporções e que haja repelido, como concepção do espírito do mal, as descobertas que somente vieram aumentar a nossa admiração pela sua onipotência, iniciando-nos nos grandiosos mistérios da criação. Ainda maior será o espanto, quando souberem que elas foram repelidas porque emancipariam o espírito dos homens e tirariam a preponderância dos que se diziam representantes de Deus na Terra.


Eterna sucessão dos mundos

 

48. - Vimos que uma única lei, primordial e geral, foi outorgada ao Universo, para lhe assegurar eternamente a estabilidade, e que essa lei geral nos é perceptível aos sentidos por muitas ações particulares que nomeamos forças diretrizes da Natureza. Vamos agora mostrar que a harmonia do mundo inteiro, considerada sob o duplo aspecto da eternidade e do espaço, é garantida por essa lei suprema.

49. - Com efeito, se remontarmos à origem primária das primitivas aglomerações da substância cósmica, notaremos que já então, sob o império dessa lei, a matéria sofre as transformações necessárias, que levam do gérmen ao fruto maduro, e que, sob a impulsão das diversas forças nascidas dessa lei, ela percorre a escala das revoluções periódicas. Primeiramente, centro fluídico dos movimentos; em seguida, gerador dos mundos; mais tarde, núcleo central e atrativo das esferas que lhe nasceram do seio.

Já sabemos que essas leis presidem à história do Cosmo; o que agora importa saber é que elas presidem igualmente à destruição dos astros, porquanto a morte não é apenas uma metamorfose do ser vivo, mas também uma transformação da matéria inanimada. Se é exato dizer-se, em sentido literal, que a vida só é acessível à foice da morte, não menos exato é dizer-se que para a substância é de toda necessidade sofrer as transformações inerentes à sua constituição.

50. - Temos aqui um mundo que, desde o primitivo berço, percorreu toda a extensão dos anos que a sua organização especial lhe permitia percorrer. Extinguiu-se-lhe o foco interior da existência, seus elementos perderam a virtude inicial; os fenômenos da Natureza, que reclamavam, para se produzirem, a presença e a ação das forças outorgadas a esse mundo, já não mais podem produzir-se, porque a alavanca da atividade delas já não dispõe do ponto de apoio que lhe era indispensável.

Ora, dar-se-á que essa terra extinta e sem vida vai continuar a gravitar nos espaços celestes, sem uma finalidade, e passar como cinza inútil pelo turbilhão dos céus?
Dar-se-á permaneça inscrita no livro da vida universal, quando já se tornou letra morta e vazia de sentido? Não. As mesmas leis que a elevaram acima do caos tenebroso e que a galardoaram com os esplendores da vida, as mesmas forças que a governaram durante os séculos da sua adolescência, que lhe firmaram os primeiros passos na existência e que a conduziram à idade madura e à velhice, vão também presidir à desagregação de seus elementos constitutivos, a fim de os restituir ao laboratório onde a potência criadora haure incessantemente as condições da estabilidade geral. Esses elementos vão retornar à massa comum do éter, para se assimilarem a outros corpos, ou para regenerarem outros sóis. E a morte não será um acontecimento inútil, nem para a Terra que consideramos, nem para suas irmãs. Noutras regiões, ela renovará outras criações de natureza diferente e, lá onde os sistemas de mundos se desvaneceram, em breve renascerá outro jardim de flores mais brilhantes e mais perfumadas.
51. - Desse modo, a eternidade real e efetiva do Universo se acha garantida pelas mesmas leis que dirigem as operações do tempo. Desse modo, mundos sucedem a mundos, sóis a sóis, sem que o imenso mecanismo dos vastos céus jamais seja atingido nas suas gigantescas molas.

Onde os vossos olhos admiram esplêndidas estrelas na abóbada da noite, onde o vosso espírito contempla irradiações magníficas que resplandecem nos espaços distantes, de há muito o dedo da morte extinguiu esses esplendores, de há muito o vazio sucedeu a esses deslumbramentos e já recebem mesmo novas criações ainda desconhecidas.

A distância imensa a que se encontram esses astros, por efeito da qual a luz que nos enviam gasta milhares de anos a chegar até nós, faz com que somente hoje recebamos os raios que eles nos enviaram longo tempo antes da criação da Terra e com que ainda os admiremos durante milhares de anos após a sua desaparição real. (1)

Que são os seis mil anos da humanidade histórica, diante dos períodos seculares? Segundos em vossos séculos. Que são as vossas observações astronômicas, diante do estado absoluto do mundo? A sombra eclipsada pelo Sol.

(1) Há aqui um efeito do tempo que a luz gasta para atravessar o espaço. Sendo de 70.000 léguas por segundo a sua velocidade, ela nos chega do Sol em 8 minutos e 13 segundos. Daí resulta que, se um fenômeno se passa na superfície do Sol, não o percebemos senão 8 minutos mais tarde e, pela mesma razão, ainda o veremos 8 minutos depois da sua cessação. Se, em virtude do seu afastamento, a luz de uma estrela consume mil anos para nos chegar, só mil anos depois da sua formação veremos essa estrela. (Veja-se, para explicação e descrição completa desse fenômeno, a Revue Spirite de março e maio de 1867, págs. 93 e 151, resenha de Lumen, por C. Flammarion

52. - Logo, reconheçamos, aqui como nos nossos outros estudos, que a Terra e o homem são nada em confronto com o que existe e que as mais colossais operações do nosso pensamento ainda se estendem apenas sobre um campo imperceptível, diante da imensidade e da eternidade de um universo que nunca terá fim.

E, quando esses períodos da nossa imortalidade nos houverem passado sobre as cabeças, quando a história atual da Terra nos aparecer qual sombra vaporosa no fundo da nossa lembrança; quando, durante séculos incontáveis, houvermos habitado esses diversos degraus da nossa hierarquia cosmológica; quando os mais longínquos domínios das idades futuras tiverem sido por nós perlustrados em inúmeras peregrinações, teremos diante de nós a sucessão ilimitada dos mundos e por perspectiva a eternidade imóvel.



A vida universal

 

53. - Essa imortalidade das almas, tendo por base o sistema do mundo físico, pareceu imaginária a certos pensadores prevenidos; qualificaram-na ironicamente de imortalidade viajora e não compreenderam que só ela é verdadeira ante o espetáculo da criação. Entretanto, pode-se tornar compreensível toda a sua grandeza, quase diríamos: toda a sua perfeição.

54. - Que as obras de Deus sejam criadas para o pensamento e a inteligência; que os mundos sejam moradas de seres que as contemplam e lhes descobrem, sob o véu, o poder e a sabedoria daquele que as formou, são questões que já nos não oferecem dúvida; mas, que sejam solidárias as almas que as povoam, é o que importa saber.

55. - Com efeito, a inteligência humana encontra dificuldade em considerar esses globos radiosos que cintilam na amplidão como simples massas de matéria inerte e sem vida. Custa-lhe a pensar que não haja, nessas regiões distantes, magníficos crepúsculos e noites esplendorosas, sóis fecundos e dias transbordantes de luz, vales e montanhas, onde as produções múltiplas da Natureza desenvolvam toda a sua luxuriante pompa. Custa-lhe a imaginar, digo, que o espetáculo divino em que a alma pode retemperar-se como em ,sua própria vida, seja baldo da exísténcia e carente de qualquer ser pensante que o possa conhecer.

56. - Mas, a essa idéia eminentemente justa da criação, faz-se mister acrescentar a da humanidade solidária e é nisso que consiste o mistério da eternidade futura.
Uma mesma família humana foi criada na universalidade dos mundos e os laços de uma fraternidade que ainda não sabeis apreciar foram postos a esses mundos. Se os astros que se harmonizam em seus vastos sistemas são habitados por inteligências, não o são por seres desconhecidos uns dos outros, mas, ao contrário, por seres que trazem marcado na fronte o mesmo destino, que se hão de encontrar temporariamente, segundo suas funções de vida, e encontrar de novo, segundo suas mútuas simpatias. É a grande família dos Espíritos que povoam as terras celestes; é a grande irradiação do Espírito divino que abrange a extensão dos céus e que permanece como tipo primitivo e final da perfeição espiritual.

57. - Por que singular aberração se há podido crer fosse mister negar à imortalidade as vastas regiões do éter, quando a encerravam dentro de um limite inadmissível e de uma dualidade absoluta?

 O verdadeiro sistema do mundo deveria, então, preceder à verdadeira doutrina dogmática e a Ciência preceder à Teologia?

Esta se transviará tanto que irá colocar sua base sobre a Metafísica? A resposta é fácil e mostra que a nova filosofia se sentará triunfante nas ruínas da antiga, porque sua base se terá erguido vitoriosa sobre os antigos erros.



Diversidade dos mundos

 

58. - Acompanhando-nos em nossas excursões celestes, visitastes conosco as regiões imensas do espaço. Debaixo das nossas vistas, os sóis sucederam aos sóis, os sistemas aos sistemas, as nebulosas às nebulosas; diante dos nossos passos, desenrolou-se o panorama esplêndido da harmonia do Cosmo e antegozamos a idéia do infinito, que somente de acordo com a nossa perfectibilidade futura poderemos compreender em toda a sua extensão. Os mistérios do éter nos desvendaram o seu enigma até aqui indecifrável e, pelo menos, concebemos a idéia da universalidade das coisas. Cumpre que agora nos detenhamos a refletir.

59. - É belo, sem dúvida, haver reconhecido quanto é ínfima a Terra e medíocre a sua importância na hierarquia dos mundos; é belo haver abatido a presunção humana, que nos é tão cara, e nos termos humilhado ante a grandeza absoluta; ainda mais belo, no entanto, será que interpretemos em sentido moral o espetáculo de que fomos testemunhas. Quero falar do poder infinito da Natureza e da idéia que devemos fazer do seu modo de ação nos diversos domínios do vasto Universo.


60. - Acostumados, como estamos, a julgar das coisas pela nossa insignificante e pobre habitação, imaginamos que a Natureza não pode ou não teve de agir sobre os outros mundos, senão segundo as regras que lhe conhecemos na Terra. Ora, precisamente neste ponto é que importa reformemos a nossa maneira de ver.
  
Lançai por um instante o olhar sobre uma região qualquer do vosso globo e sobre uma das produções da vossa natureza. Não reconhecereis aí o cunho de uma variedade infinita e a prova de uma atividade sem par? Não vedes na asa de um passarinho das Canárias, na pétala de um botão de rosa entreaberto a prestigiosa fecundidade dessa bela Natureza?
  
Apliquem-se aos seres que adejam nos ares os vossos estudos, desçam eles à violeta dos prados, mergulhem nas profundezas do oceano, em tudo e por toda a parte lereis esta verdade universal: A Natureza onipotente age conforme os lugares, os tempos e as circunstâncias; ela é una em sua harmonia geral, mas múltipla em suas produções; brinca com um Sol, como com uma gota dágua; povoa de seres vivos um mundo imenso com a mesma facilidade com que faz se abra o ovo posto pela borboleta.

61. - Ora, se é tal a variedade que a Natureza nos há podido evidenciar em todos os sítios deste pequeno mundo tão acanhado, tão limitado, quão mais ampliado não deveis considerar esse modo de ação, ponderando nas perspectivas dos mundos enormes! quão mais desenvolvida e pujante não a deveis reconhecer, operando nesses mundos maravilhosos que, muito mais do que a Terra, lhe atestam a inapreciável perfeição!
Não vejais, pois, em, torno de cada um dos sóis do espaço, apenas sistemas planetários semelhantes ao vosso sistema planetário; não vejais, nesses planetas desconhecidos, apenas os três remos que se estadeiam ao vosso derredor. Pensai, ao contrário, que, assim como nenhum rosto de homem se assemelha a outro rosto em todo o gênero humano, também uma portentosa diversidade, inimaginável, se acha espalhada pelas moradas eternas que vogam no seio dos espaços.

Do fato de que a vossa natureza animada começa no zoófito para terminar no homem, de que a atmosfera alimenta a vida terrestre, de que o elemento líquido a renova incessantemente, de que as vossas estações fazem se sucedam nessa vida os fenômenos que as distinguem, não concluais que os milhões e milhões de terras que rolam pela amplidão sejam semelhantes à que habitais. Longe disso, aquelas diferem, de acordo com as diversas condições que lhes foram prescritas e de acordo com o papel que a cada uma coube no cenário do mundo. São pedrarias variegadas de um imenso mosaico, as diversificadas flores de admirável parque.
Notas especiais da Editora, à 16ª edição, de 1973:
I - Corpos simples
A respeito dos corpos simples, a que se referiu o Codificador à pág. 108, é conveniente, para maiores detalhes, o exame da "classificacão periódica natural dos elementos", de Mendeleiev (Grande Enciclopédia Delta Larousse, pág. 2.361, Rio, 1971). E, para interessantes conclusões adicionais, será valiosa a leitura dos caps. XV (A evolução da matéria por individualidades químicas - O hidrogênio e as nebulosas), XVI (A série das individuações químicas, de H a U, por peso atômico e isovalências periódicas) e XVII (A estequiogênese e as espécies químicas desconhecidas) de "A Grande Síntese", obra mediúnica de Pietro Ubaldi, traduzida por Guillon Ribeiro, edição de 1939, da FEB.
II - Teoria da Lua
Em face da teoria da Lua, descrita no cap. VI, itens 24 e 25, e do comentário do Codificador na respectiva nota de rodapé, à pág. 121, de que tal teoria somente a título de hipótese pode ser admitida, não obstante ter sido ela a única, até então, que dava explicação satisfatória sobre a esfera lunar, - oferecemos ao leitor conclusões de cientistas modernos, nas obras adiante indicadas, visando a facilitar-lhes a apreensão rápida e sintética do assunto: a) A TERRA, OS PLANETAS E AS ESTRELAS, de K. E. Edgeworth, Editorial Verbo, Lisboa, 1964, pág. 37/38 e 40: "Um ponto interessante acerca da Lua, com o qual todos estamos familiarizados, é que ela volta sempre a mesma face para a Terra. Outro aspecto, menos conhecido mas também de considerável interesse, e de não menos considerável importância, é a forma do equador lunar: em vez de ser circular, como no caso da Terra, o equador da Lua é elíptico, com o eixo maior apontado para nós. A explicação admitida para tal fato é que o corpo da Lua foi originalmente suficientemente plástico para permitir esta particular modelagem na sua forma, e que tal modelagem ocorreu quando o satélite se encontrava muito mais perto da Terra que nos dias de hoje. A forma atual corresponderia a um dia lunar muito mais curto, equivalente a 3 1/2 dias dos nossos, e supõe-se que a onda de maré, arrefecida quase subitamente, deu à Lua esta forma particular para todo o sempre." "...a rotação da Lua foi-se atrasando de tal modo que o dia lunar veio a coincidir com o mês lunar; por isso a Lua volta sempre a mesma face para a Terra". b) ASTRONOMIE, LES ASTRES, L'UNIVERS, de L. Rudaux e G. de Vaucouleurs, Librairie Larousse, Paris, 1948, pág. 118/120: Os autores examinam muitos detalhes, fornecem ilustrações e concluem identicamente ao supra-exposto. C) ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA -DICIONÁRIO BRASILEIRO, do Pe. Jorge O'Grady de Paiva, Rio, 1969, pág. 145, ed. do autor: "... Movimentos - 2 principais: rotação e revolução, aquele em torno do eixo e, este, à volta da Terra. Característica desse duplo movimento é fazer-se no mesmo período, durante 1 mês, pelo que o dia e a noite lunares são, quase, de 1 quinzena; é, também, o motivo de nos mostrar, sempre, a mesma face". d) GRANDE ENCICLOPÉDIA DELTA LAROUSSE, vol. 9, pág. 4.106, Rio, 1971: "A Lua é animada de um movimento de rotação em torno de si mesma, num eixo inclinado de 83°30' sobre o plano da órbita. A duração da rotação é exatamente igual à duração de sua revolução em torno da Terra. Por isso a Lua apresenta sempre a mesma face para a Terra." Diante do exposto, aguardemos ulteriores manifestações da Ciência sobre a teoria contida em "A Gênese", de Allan Kardec esperando que as missões do Programa Apolo - de pousos de pesquisadores-astronautas no solo lunar -, realizadas com êxito, venham a contribuir, após rigorosa análise de quanto foi conseguido coletar, com conclusões novas para a formulação de outra, ou para a confirmação de uma das existentes teorias a respeito da Lua.

Fonte:


A Gênese

OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO

POR

ALLAN KARDEC

(Autor de "O Livro dos Espíritos")



Regeneração da Humanidade

25 DE ABRIL DE 1866.
(Paris, resumo das comunicações dadas pelos srs. M... e T...
em sonambulismo.)
Os acontecimentos se precipitam com rapidez, também não dizemos mais, como outrora: "Os tempos estão próximos"; dizemo-vos agora: "Os tempos são chegados."

Por estas palavras não entendeis um novo dilúvio, nem um cataclismo, nem um transtorno geral. Convulsões parciais do globo ocorrem em todas as épocas, e se produzem ainda, porque se ligam à sua constituição, mas esses não são os sinais dos tempos.
No entanto, tudo o que está predito no Evangelho deve se cumprir e se cumpre neste momento, assim como o conhecereis mais tarde; mas não tomeis os sinais anunciados senão como figuras, das quais é preciso apreender o espírito e não a letra. Todas as Escrituras encerram grandes verdades sob o véu da alegoria, e é porque os comentaristas se ligam à letra que se extraviaram. Falta-lhes a chave para delas compreenderem o verdadeiro sentido. Essa chave está nas descobertas da ciência e nas leis do mundo invisível, que o Espiritismo vem nos revelar. Doravante, com a ajuda desses novos conhecimentos, o que era obscuro se tornará claro e inteligível.
Tudo segue a ordem natural das coisas, e as leis imutáveis de Deus não serão nunca invertidas. Não vereis, pois, nem milagres, nem prodígios, nem nada de sobrenatural no sentido vulgar ligado a essas palavras.
Não olheis para o céu para nele procurar os sinais precursores, porque nele nada vereis, e aqueles que vo-los anunciaram vos enganaram; mas olhai ao redor de vós, entre os homens, será aí que os encontrareis.
Não sentis como um vento que sopra sobre a Terra e agita todos os Espíritos? O mundo está numa espera e como tomado de um vago pressentimento da aproximação da tempestade.
Não credes, no entanto, no fim do mundo material; a Terra progrediu desde a sua transformação; deve progredir ainda, e não ser destruída. Mas a Humanidade chegou a um de seus períodos de transformação, e a Terra vai se elevar na hierarquia dos mundos.

Não é, pois, o fim do mundo material que se prepara, mas o fim do mundo moral: é o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do egoísmo, do orgulho e do fanatismo que desaba; cada dia leva-lhe alguns resíduos. Tudo acabará para ele com a geração que dele se vai, e a geração nova elevará o novo edifício que as gerações seguintes consolidarão e completarão.

De mundo de expiação, a Terra está chamada a se tornar, um dia, um mundo feliz, e sua habitação será uma recompensa, em lugar de ser uma punição. O reino do bem deve nela suceder ao reino do mal.

Para que os homens sejam felizes sobre a Terra, é necessário que ela não seja povoada senão por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o bem. Tendo chegado esse tempo, uma grande emigração se cumprirá, nesse momento, entre aqueles que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal, que o sentimento do bem não toca, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque nela levariam, de novo, a perturbação e seriam um obstáculo ao progresso. Irão expiar o seu endurecimento em mundos inferiores, onde levarão os seus conhecimentos adquiridos, e que terão por missão fazê-los avançar. Serão substituídos na Terra por Espíritos melhores, que farão reinar, entre eles, a justiça, a paz e a fraternidade.


A Terra, dissemos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá, gradualmente, e a nova lhe sucederá igualmente sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas. Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito, com esta única diferença, mas essa diferença é capital, de que uma parte dos Espíritos que aí se encarnam nela não se encarnarão mais. Numa criança que nasça, em lugar de um Espírito atrasado e levado ao mal, que nela estaria encarnado, será um Espírito mais avançado e levado ao bem. Trata-se, pois, bem menos de uma nova geração corporal do que de uma nova geração de Espíritos. Assim, aqueles que esperam ver as transformações se operarem por efeitos sobrenaturais e maravilhosos, estarão decepcionados.
A época atual é de transição; os elementos das duas gerações se confundem. Colocados no ponto intermediário, assistis à partida de uma e à chegada da outra, e cada uma se assinala já no mundo pelos caracteres que lhe são próprios.
As duas gerações, que sucedem uma à outra, têm idéias e objetivos muito opostos. Pela natureza das disposições morais, mas sobretudo pelas disposições intuitivas e inatas, e fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.
A nova geração, devendo fundar a era de progresso moral, se distingue por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, unidas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é o sinal indubitável de um certo grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, tendo já progredido, estão predispostos a assimilar todas as idéias progressistas e aptos a secundar o movimento regenerador.
O que distingue, ao contrário, os Espíritos atrasados, é primeiro a revolta contra Deus, pela negação da Providência e de todo poder superior à Humanidade; depois a propensão instintiva para as paixões degradantes, para os sentimentos antifraternais do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim, a predominância do apego para tudo o que é material.


São esses vícios dos quais a Terra deve ser purgada, pelo afastamento daqueles que recusam se emendar, porque são incompatíveis com o reino da fraternidade e que os homens de bem sofrerão sempre pelo seu contato. A Terra deles será libertada, e os homens caminharão sem entraves para um futuro melhor, que lhes está reservado nesse mundo, como prêmio de seus esforços e de sua perseverança, esperando que uma depuração ainda mais completa lhes abra a entrada dos mundos superiores.
Por essa migração de Espíritos, não é preciso entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra, e relegados para mundos inferiores. Muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; a casca neles era pior do que o fundo. Uma vez subtraídos à influência da matéria, e dos preconceitos do mundo corporal, a maioria verá a coisa de maneira toda diferente do que quando vivos, assim como tendes disso numerosos exemplos. Nisso são ajudados pelos Espíritos benevolentes que se interessam por eles, e que se apressam em esclarecê-los e mostrar-lhes o falso caminho que seguiram. Pelas vossas preces e as vossas exortações, vós mesmos podeis contribuir para o seu adiantamento, porque há solidariedade perpétua entre os mortos e os viventes.
Aqueles poderão, pois, retornar, e nela serão felizes, porque isso será uma recompensa. Que importa o que foram e o que fizeram, se estão animados de melhores sentimentos! Longe de serem hostis à sociedade e ao progresso, serão auxiliares úteis, porque pertencerão à nova geração.
Não haverá, pois, exclusão definitiva senão para os Espíritos essencialmente rebeldes, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais do que a ignorância, tornaram surdos à voz do bem e da razão. Mas aqueles mesmos não estão votados a uma inferioridade perpétua, e um dia virá em que repudiarão o seu passado e abrirão os olhos à luz.
Pedi, pois, por esses endurecidos, a fim de que se emendem enquanto ainda têm tempo, porque o dia da expiação se aproxima.
Infelizmente, a maioria, desconhecendo a voz de Deus, persistirá em sua cegueira, e sua resistência marcará o fim de seu reino por lutas terríveis. Em seu desvio, eles mesmos correrão para a sua perda; levarão à destruição que engendrará uma multidão de flagelos e de calamidades, de sorte que, sem o querer, apressarão o advento da era da renovação.
E, como se a destruição não caminhasse bastante rápida, ver-se-ão os suicídios se multiplicarem, numa proporção inaudita, até entre as crianças. A loucura jamais terá ferido um maior número de homens que serão, antes da morte, riscados do número dos vivos. Estão aí os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isso se cumprirá pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que sejam em nada derrogadas as leis da Natureza.
No entanto, através da nuvem sombria que vos envolve, e no seio da qual ronca a tempestade, já vedes despontar os primeiros raios da era nova! A fraternidade põe os seus fundamentos sobre todos os pontos do globo e os povos se estendem as mãos; a barbárie se familiariza ao contato da civilização; os preconceitos de raça e de seitas, que fizeram verter ondas de sangue, se extinguem; o fanatismo, a intolerância, perdem terreno, ao passo que a liberdade de consciência se introduz nos costumes e se torna um direito. Por toda a parte as idéias fermentam; vê-se o mal e se tentam remédios, mas muitos caminham sem bússola e se desviam nas utopias. O mundo está num imenso trabalho de criação, que irá durar um século; nesse trabalho, ainda confuso, vê-se, entretanto, dominar uma tendência para um objetivo: o da unidade e da uniformidade que predispõem à fraternidade.
Ainda aí estão os sinais dos tempos; mas, ao passo que os outros são os da agonia do passado, estes últimos são os primeiros vagidos da criança que nasce, os precursores da aurora que o século próximo verá erguer-se, porque então a nova geração estará em toda a sua força. Tanto a fisionomia do século XIX difere da do XVIII em certos pontos de vista, tanto a do vigésimo século será diferente do décimo-nono em outros pontos de vista.
Um dos caracteres distintivos da nova geração será a fé inata; não a fé exclusiva e cega que divide os homens, mas a fé raciocinada que esclarece e fortalece, que os une e os confunde num comum sentimento de amor a Deus e ao próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os últimos vestígios da incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao progresso moral e social.
O Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque arruína os dois maiores obstáculos que a ele se opõe: a incredulidade e o fanatismo; desenvolve todos os sentimentos e todas as idéias que correspondem aos objetivos da nova geração; por isso é como inato e no estado de intuição no coração de seus representantes. A nova era vê-lo-á, pois, aumentar e prosperar pela própria força das coisas. Tornar-se-á a base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as instituições.
Mas daqui até lá, quantas lutas terá ainda que sustentar contra os seus dois maiores inimigos: a incredulidade e o fanatismo, coisa bizarra, se dão as mãos para abatê-lo! Pressentem seu futuro e sua ruína: é por isso que o temem porque o vêem já plantar, sobre as ruínas do velho mundo egoísta, a bandeira que deve reunir todos os povos. Na divina máxima: Fora da caridade não há salvação lêem a sua própria condenação, porque é o símbolo da nova aliança fraternal proclamada pelo Cristo. Mostra-se a eles como as palavras fatais do festim de Baltazar. E, todavia, essa máxima, deveriam bendizê-la, porque ela lhes garante de todas as represálias da parte daqueles que perseguem. Mas não, uma força cega os impele a rejeitar o que somente poderia salvá-los!
Que poderão contra o ascendente da opinião que os repudia? O Espiritismo sairá triunfante da luta, disso não duvideis, porque está nas leis da Natureza, e por isso mesmo é imperecível. Vede por qual multidão de meios a idéia se difunde e penetra por toda parte; crede bem que esses meios não são fortuitos, mas providenciais; o que, à primeira vista, pareceria dever lhe prejudicar, é precisamente o que ajuda a sua propagação.


Logo ver-se-á surgirem os lutadores altamente devotados entre os mais consideráveis e os mais reputados, que o apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo, e imporão silêncio aos seus detratores, porque não se ousará mais tratá-los de loucos. Esses homens estudam no silêncio e se mostrarão quando o momento propício chegar. Até lá, é útil que se mantenham à parte.
Logo também vereis as artes nele haurir como numa mina fecunda, e traduzir seus pensamentos e os horizontes que descobrem pela pintura, pela música, pela poesia e pela literatura. Foi-vos dito que haveria um dia uma arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande verdade, porque os maiores gênios nele se inspirarão. Logo vereis os seus primeiros esboços, e mais tarde tomará o lugar que deve ter.
Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens de coração e de devotamento. Não temais os obstáculos, porque não há nenhum deles que possa entravar os desígnios da Providência. Trabalhai sem descanso, e agradecei a Deus por vos haver colocado na vanguarda da nova falange. É um posto de honra que vós mesmos pedistes, e do qual é preciso vos tornar dignos pela vossa coragem, vossa perseverança e vosso devotamento. Felizes aqueles que sucumbiram nessa luta contra a força; mas a vergonha será, no mundo dos Espíritos, para aqueles que sucumbirem por fraqueza ou pusilaminidade. As lutas, aliás, são necessárias para fortalecer a alma; o contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem. Sem as lutas que estimulam as faculdades, o Espírito se deixaria ir para uma negligência funesta ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos desenvolvem as forças físicas e a inteligência; as lutas contra o mal desenvolvem as forças morais.


Preciosos Trechos de Obras Póstumas

Autor: Orson Peter Carrara

Para falar desse importante livro, infelizmente um tanto esquecido, seleciono ao leitor alguns pequenos trechos. Ao final das pequenas transcrições, inseri outros comentários:


a) “(...) trabalhai sem descanso para extirpar o vírus do orgulho e do egoísmo, porque aí está a fonte de todo mal, o obstáculo real ao reino do bem; destruí nas leis, nas instituições, nas religiões, na educação, até os últimos vestígios, os tempos de barbárie e de privilégios, e todas as causas que mantêm e desenvolvem esses eternos obstáculos ao verdadeiro progresso, (...); só então os homens compreenderão os deveres e os benefícios da fraternidade; então, também, se estabelecerão por si mesmos, sem abalos e sem perigo, os princípios complementares da igualdade e da liberdade. (...)” – do capítulo Liberdade, Igualdade, Fraternidade.





b) “Estes princípios, para mim, não são apenas uma teoria, eu os coloco em prática; faço o bem tanto quanto o permite a minha posição; presto serviço quando posso; os pobres jamais foram rejeitados em minha casa, ou tratados com dureza; (...) Continuarei, pois, a fazer todo o bem que puder, mesmo aos meus inimigos, porque o ódio não me cega; e eu lhes estenderia sempre a mão para tirá-los de um precipício, se a ocasião disso se apresentasse. Eis como entendo a caridade cristã; compreendo uma religião que nos ordena retribuir o mal com o bem, com mais forte razão restituir o bem pelo bem. Mas não compreenderia jamais a que nos prescrevesse retribuir o mal com o mal.” – do capítulo Fora da Caridade não há salvação.

c) “(...)Os homens não podem ser felizes se não vivem em paz, quer dizer, se não estão animados de um sentimento de benevolência, de indulgência e de condescendência recíprocos, em uma palavra, enquanto procurarem se esmagar uns aos outros. A caridade e a fraternidade resumem todas as condições e todos os deveres sociais; mas supõem a abnegação; ora, a abnegação é incompatível com o egoísmo e o orgulho; portanto, com seus vícios nada de verdadeira fraternidade, partindo, da igualdade e da liberdade, porque o egoísta e o orgulhoso querem tudo para eles. Estarão sempre aí os vermes roedores de todas as instituições progressistas; enquanto eles reinarem, os sistemas sociais mais generosos, mais sabiamente combinados, desabarão sob os seus golpes. (...)” – do capítulo O egoísmo e o orgulho – suas causas, seus efeitos e os meios de destruí-los.

Percebe-se, com clareza, que referidos textos – entre outros – precisam ser copiados, distribuídos, lidos e estudados em conjuntos por todos nós em nossas reuniões públicas ou íntimas de estudos, em nossas instituições, pela preciosidade de suas considerações. Pela nossa imperfeição humana, estamos muitas vezes esquecidos da caridade nos relacionamentos, nos julgamentos, ou nos iludimos com tolas vaidades, colocando a perder esforços de décadas daqueles que ergueram ou fundaram as instituições a que atualmente nos entregamos.

Por outro lado, as anotações pessoais do Codificador, seus pensamentos íntimos (como o texto Fora da Caridade não há salvação), suas lutas e dificuldades precisam novamente serem colocados à nossa visão para refletirmos no tempo que perdemos com picuinhas e assuntos sem importância, retardando esforços no bem, onde deveríamos concentrar mais nossas atenções...


Convido o leitor a buscar seu exemplar na estante de sua biblioteca para folhear a obra. Sugiro iniciar pelo índice para inteirar-se do conteúdo do livro. São duas partes. Na primeira delas, estudos de Kardec sobre empolgantes temas e na segunda parte anotações íntimas, detalhes da vida particular do Codificador, comunicações dos Espíritos diretamente ligados à tarefa da Codificação Espírita e a preciosidade dos textos Projeto 1868, Constituição do Espiritismo e Credo Espírita. Como se sabe, o livro foi publicado em janeiro de 1890, após a desencarnação de Allan Kardec, contento textos, estudos e anotações encontradas em seu gabinete de trabalho.

Apesar da riqueza dos estudos contidos na primeira parte da obra, parece-nos que a segunda parte do livro precisa ser novamente consultada e amplamente divulgada entre todos nós, atuais espíritas do Brasil e do mundo, principalmente a partir do texto Fora da Caridade Não Há Salvação. Referido texto dá início a uma seqüência maravilhosa de reflexões, que se distribuem nos capítulos Projeto 1868, Constituição do Espiritismo e Credo Espírita, como já citados acima.


A obra ainda contém a Biografia de Kardec, o discurso de Flammarion por ocasião do sepultamento do Codificador e os preciosos estudos intitulados Teoria da Beleza, A música celeste, Música Espírita, O Caminho da Vida e As cinco alternativas da Humanidade, entre outros.


Quando volto a reler tais preciosidades, fico a pensar por que nos esquecemos deles? Seria leviandade nossa? Seria desprezo ou indiferença? O que nos leva a desprezar tão valiosos escritos e tão importantes reflexões de Kardec? São textos tão importantes que deveriam constituir material de reflexão diária.


Parece-nos que não podemos deixar tal obra no esquecimento. Soa novamente a hora de a divulgarmos amplamente, para que seus preciosos textos estejam conosco a nos orientar o procedimento, o comportamento, os passos no bem.

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Seria dado mais desenvolvimento à Revista, seja pelo aumento, seja por uma periocidade mais aproximada. Um redator remunerado para ela seria requisitado.


Uma publicidade, numa larga escala, feita nos jornais mais divulgados, levaria ao mundo inteiro, e até aos lugares mais recuados, o conhecimento das idéias espíritas, faria nascer o desejo de aprofundá-los, e, multiplicando os adeptos, imporia silêncio aos detratores que logo deveriam ceder diante do ascendente da opinião.

 

A Regeneração

 

Revista Espírita, junho de 1869

Há muitos séculos as humanidades prosseguem de maneira uniforme a sua marcha ascendente através do espaço e do tempo. Cada uma delas percorre, etapa por etapa, a rota do progresso. Se diferem quanto aos meios infinitamente diversos que a Providencia lhes concedeu, são todas chamadas a se unirem e a se identificarem na perfeição, desde que todas partem da ignorância e da inconsciência de si mesmas e avançam indefinidamente para um mesmo objetivo: Deus, para atingirem a felicidade suprema pelo conhecimento do amor.

Há universos e mundos, como povos e indivíduos. As transformações físicas da terra, que sustenta os corpos, podem ser divididas em duas formas, da mesma maneira que as transformações morais e intelectuais que alargam o espírito e o coração.

A terra se modifica pela cultura, pelo arroteamento e os esforços perseverantes dos seus possuidores e interessados. Mas a esse aperfeiçoamento incessante devemos juntar os efeitos dos grandes cataclismos periódicos, que representam o seu regulador supremo, à maneira da enxada e da charrua para o lavrador.

As Humanidades se transformam e progridem pelo estudo perseverante e pela permuta de pensamentos. Ao se instruírem e ao instruírem os outros, as inteligências se enriquecem, mas os cataclismos morais que regenerem o pensamento são necessários para determinar a aceitação de certas verdades.

Assimilam-se sem perturbações e progressivamente as conseqüências de verdade aceitas, mas é necessária uma conjugação imensa de esforços perseverantes para que novos princípios sejam aceitos. Marcha-se lentamente e sem fadiga por um caminho plano, mas são necessárias todas as forcas para subir-se uma senda agreste e superar os obstáculos que surgem. Assim também, para avançar, o homem tem de quebrar as cadeias que o prendem ao pelourinho do passado através do habito, da rotina e dos preconceitos. Do contrario continuara firme e ele rodara num circulo vicioso, sem saída, ate compreender que, para superar a resistência que lhe fecha a rota do futuro, não basta quebrar as velhas armas estragadas, mas é indispensável fazer outras.

Destruir um navio que faz água por todos os lados, antes de empreender uma travessia marítima, é medida de prudência, mas será ainda necessário, para realizar a viagem, construir novos meios de transporte. Eis, no entanto, atualmente, onde se encontram certos homens avançados, no mundo moral e filosófico e em outros mundos do pensamento! Tudo solaparam, tudo atacaram! As ruínas se espalham por toda parte, mas eles ainda não compreenderam que é necessário elevar, sobre essas ruínas, alguma coisa mais seria do que um livre pensamento e uma independência moral, independentes apenas da moral e da razão. O nada em que se apóiam é uma palavra profunda somente por ser vazia. Se Deus não pode mais criar os mundos do nada, não pode o homem criar novas crenças sem bases. Essas bases estão no estudo e na observação dos fatos.

A verdade eterna, como a lei que a confirma, não dependem da aceitação dos homens para existir. Ela é. E governa o Universo a despeito dos que fecham os olhos para não vê-la. A eletricidade existia antes de Galvani e o vapor antes de Papin, como a nova crença e os princípios filosóficos do futuro, antes mesmo que os publicistas e os filósofos os confirmem.


Sede os pioneiros perseverantes e infatigáveis! Se vos chamarem de loucos, como a Salomao de Caus, se vos repelirem como a Fulton, continuai avançando, porque o tempo, o juiz supremo, fará surgir das trevas os que alimentam o farol que deve, um dia, iluminar toda a Humanidade.

  

 Na Terra, o passado e o futuro são os dois braços de uma alavanca que tem no presente o seu ponto de apoio. Enquanto a rotina e os preconceitos dominam, o passado esta no apogeu. Quando a luz se faz, a alavanca se move e o passado que já escurecia desaparece, para dar lugar ao futuro que alvorece.

Allan Kardec.

  

Minha Missão

 (Em casa do Sr. C...; médium: Srta. Aline C...)

12 de junho de 1856 [1]

 

Pergunta (ao Espírito de Verdade) — Bom Espírito, eu desejara saber o que pensas da missão que alguns Espíritos me assinaram. Dize-me, peço-te, se é uma prova para o meu amor-próprio. Tenho, como sabes, o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não disponho [2].



Resposta — Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te surpreende. Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam na cabeça de um homem. Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens saberão reconhecê-lo, cedo ou tarde, visto que pelos frutos é que se verifica a qualidade da árvore.

  

P.Nenhum desejo tenho certamente de me vangloriar de uma missão na qual dificilmente creio. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da Providência, que ela disponha de mim. Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa.

R. — A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não fizeres o que for necessário. Tens o teu livre-arbítrio, do qual podes usar como o entenderes. Nenhum homem é constrangido a fazer coisa alguma.

   


P.
Que causas poderiam determinar o meu malogro? Seria a insuficiência das minhas capacidades?

R.Não; mas, a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranqüilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua tranqüilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso, viverias muito mais tempo [3]. Ora bem! não poucos recuam quando, em vez de uma estrada florida, só vêem sob os passos urzes, pedras agudas e serpentes. Para tais missões, não basta a inteligência. Faz-se mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade, modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os homens, são indispensáveis coragem, perseverança e inabalável firmeza. Também são de necessidade prudência e tato, a fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito com palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim, devotamento, abnegação e disposição a todos os sacrifícios.

Vês, assim, que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti.

Espírito Verdade

 

Eu — Espírito Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo, sem restrição e sem idéia preconcebida.Senhor! pois que te dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus desígnios, faça-se a tua vontade! Está nas tuas mãos a minha vida; dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande tarefa; a minha boa vontade não desfalecerá, as forças, porém, talvez me traiam. Supre à minha deficiência; dá-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxílio e dos teus celestes mensageiros, tudo envidarei para corresponder aos teus desígnios.

NOTA — Escrevo esta nota a 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que me foi dada a comunicação acima e atesto que ela se realizou em todos os pontos, pois experimentei todas as vicissitudes que me foram preditas. Andei em luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja e o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores instruções foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços. A Sociedade de Paris se constituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim por aqueles mesmos que se declaravam a meu favor e que, de boa fisionomia na minha presença, pelas costas me golpeavam. Disseram que os que se me conservavam fiéis estavam à minha soldada e que eu lhes pagava com o dinheiro que ganhava do Espiritismo. Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a existência.


Graças, porém, à proteção e assistência dos bons Espíritos que incessantemente me deram manifestas provas de solicitude, tenho a ventura de reconhecer que nunca senti o menor desfalecimento ou desânimo e que prossegui, sempre com o mesmo ardor, no desempenho da minha tarefa, sem me preocupar com a maldade de que era objeto. Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, eu tinha de contar com tudo isso e tudo se verificou. Mas, também, a par dessas vicissitudes, que de satisfações experimentei, vendo a obra crescer de maneira tão prodigiosa! Com que compensações deliciosas foram pagas as minhas tribulações! Que de bênçãos e de provas de real simpatia recebi da parte de muitos aflitos a quem a Doutrina consolou! Este resultado não mo anunciou o Espírito de Verdade que, sem dúvida intencionalmente, apenas me mostrara as dificuldades do caminho.
Qual não seria, pois, a minha ingratidão, se me queixasse! Se dissesse que há uma compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o bem, refiro-me às satisfações morais, sobrelevaram de muito o mal. Quando me sobrevinha uma decepção, uma contrariedade qualquer, eu me elevava pelo pensamento acima da Humanidade e me colocava antecipadamente na região dos Espíritos e desse ponto culminante, donde divisava o da minha chegada, as misérias da vida deslizavam por sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me tornara esse modo de proceder, que os gritos dos maus jamais me perturbaram.

Allan Kardec.

Bibliografia:

OBRAS PÓSTUMAS – Previsões concernentes ao Espiritismo - Minha primeira iniciação no Espiritismo - Minha Missão - Allan Kardec, Paris – 1890 - tradução de Guilon Ribeiro, Editora FEB. Versão Eletrônica pode ser baixada de:
www.opiniaoespirita.org/downloads/obras_postumas.pdf (1,27MB). Procure a página 343 do referido download.

Notas do Editor deste site (Opinião Espírita):
(Clique nos números das notas para encontrar a localização do texto que gerou a nota)

[1] - Essa conversa se deu 10 meses e 6 dias antes da publicação de O Livro dos Espíritos, que foi a primeira obra de Allan Kardec e que marcou, na Terra, o surgimento da Doutrina Espírita. A conversa representa o momento da aceitação, por parte de Kardec, da missão de codificar e propagar o Espiritismo.

[2] - A pergunta justifica-se, não pelo fato de Allan Kardec não se julgar capaz de realizar o trabalho, mas de já haver, àquela época e há vários anos, várias outras pessoas estudando e pesquisando os fenômenos espíritas, e que já poderiam estar num estágio mais avançado de conhecimentos e experiência. Na introdução de O Livro dos Espíritos (ver item IV), Kardec relata experiências que eram feitas desde 1849, enquanto que ele tomava pela primeira vez contato com os fenômenos somente em maio de 1855. E, quando ele lançou a sua Revista Espírita, a 1o de janeiro de 1858, sem um único assinante, já existiam nos Estados Unidos dezessete periódicos espiritualistas estabelecidos em língua inglesa (ver Apresentação da FEB na Revista Espírita de 1858, traduzida por Evandro Noleto Bezerra, Ed. FEB). Essas são as razões de ele julgar haver outros homens que seriam mais capazes do que ele para desempenhar a tarefa, e não uma demonstração de falsa humildade.

[3] - Repare o leitor na diferença entre as mensagens de Espíritos realmente superiores e a de Espíritos pretensamente superiores. Os espíritos realmente superiores indicam a missão e mostram as dificuldades do caminho; jamais constrangem. Já os pretensos superiores (ou mistificadores), prometem facilidades e glórias àqueles que desejam iludir, além de indicarem a aquisição de "karmas", ou mesmo problemas de ordem pessoal, como obsessões, por exemplo, caso se recusem a fazer o que eles lhes propõem.

 

Bibliografia das notas:

1.    O LIVRO DOS ESPÍRITOS – Allan Kardec, Paris – 1857 (tradução com base na 3a edição francesa). Versão eletrônica pode ser baixada de:
www.opiniaoespirita.org/downloads/o_livro_dos_espiritos.pdf (1,27MB).

2.    Revista Espírita ano I - 1858, Ed. FEB - 3a Edição - 2004.

   

O Exemplo é o mais poderoso agente de propagação

Revista Espírita, junho de 1869
(SOCIEDADE DE PARIS, SESSÃO DE 30 DE ABRIL DE 1869)
Venho esta noite, meus amigos, falar-vos por alguns instantes. Na ultima sessão não respondi; estava ocupado alhures. Nossos trabalhos como Espíritos são muito mais extensos do que podeis supor e os instrumentos de nossos pensamentos nem sempre estão disponíveis. Tenho ainda alguns conselhos a dar-vos sobre a marcha que deveis seguir perante o publico, com o fito de fazer progredir a obra a que devotei minha vida corporal, e cujo aperfeiçoamento acompanho na erraticidade.
O que vos aconselho antes de mais nada e sobretudo, e a tolerância, a afeição, a simpatia de uns para com os outros e também para com os incrédulos.
Quando vedes um cego na rua, vosso primeiro sentimento é a compaixão. Que assim seja também para os vossos irmãos cujos olhos estão fechados e velados pelas trevas da ignorância ou da incredulidade. Lamentai-os, em vez de os censurar. Por vossa doçura, mostrai vossa resignação para suportar os males desta vida, vossa humildade em meio as satisfações, vantagens e alegrias que Deus vos envia; mostrai que há em vos um principio superior, uma alma obediente a lei, a uma verdade também superior: o Espiritismo.
As brochuras, os jornais, os livros, as publicações de toda a espécie são meios poderosos de introduzir a luz por toda a parte, mas o mais seguro, o mais intimo e o mais accessível a todos e o exemplo da caridade, a doçura e o amor.
Agradeço a Sociedade por ajudar aos verdadeiros infortúnios que lhe são indicados. Eis o bom Espiritismo, eis a verdadeira fraternidade. Ser irmãos: e ter os mesmos interesses, os mesmos pensamentos, o mesmo coração!
Espíritas, sois todos irmãos na mais santa acepção do termo. Pedindo que vos ameis uns aos outros, limito-me a lembrar a divina palavra daquele que, há mil e oitocentos anos, pela primeira vez trouxe a Terra o germe da igualdade. Segui a sua lei: ela e a vossa. Nada mais fiz do que tornar mais palpáveis alguns de seus ensinamentos. Obscuro operário daquele mestre, daquele Espírito superior emanado da fonte de luz, refleti essa luz como o verme luzidio reflete a claridade de uma estrela. Mas a estrela brilha nos céus e o verme luzidio brilha na terra, nas trevas. Tal e a diferença.
Continuai as tradições que vos deixei ao partir.
Que o mais perfeito acordo, a maior simpatia, a mais sincera abnegação reinem no seio da Comissão. Espero que ela saiba cumprir com honra, fidelidade e consciência o mandato que lhe e confiado.
Ah ! quando todos os homens compreenderem tudo o que encerram as palavras amor e caridade, na Terra não haverá mais soldados nem inimigos; só haverá irmãos; não haverá mais olhares torvos e irritados; só haverá frontes inclinadas para Deus!
Ate logo, caros amigos, e ainda obrigado, em nome daquele que não esquece o copo d'água e o óbolo da viúva.
Allan Kardec
(Transcrito da Revista Espirita de 1869, publicada pela EDICEL, traducao de Julio Abreu Filho)
   

Marcha gradual do Espiritismo. Dissidências e entraves

27 DE ABRIL DE 1866
(Paris, em casa do sr. Leymarie, méd. sr. L...)

Caros condiscípulos, o que é verdadeiro deve ser; nada pode se opor à irradiação de uma verdade; às vezes, pode-se velá-la, torturá-la, fazer nela o que fazem os teredos nos diques holandeses; mas uma verdade não é edificada sobre estaca: ela corta o espaço; está no ar ambiente, e se pôde deslumbrar uma geração, há sempre encarnações novas, de recrutamentos da erraticidade que vêm trazer germes fecundos, outros elementos, e que sabem atrair para eles todas as grandes coisas desconhecidas.
Não vos apresseis muito, amigos; muitos dentre vós gostariam de ir a vapor, e nesse tempo de eletricidade, correr como ela. Esqueceis as leis da Natureza, gostaríeis de ir mais depressa do que o tempo. Refleti, no entanto, o quanto Deus é sábio em tudo. Os elementos que constituem o vosso planeta sofreram uma longa e laboriosa criação; antes que pudésseis existir, foi necessário que tudo se constituísse segundo a aptidão de vossos órgãos. A matéria, os minerais, fundidos e refundidos, os gases, os vegetais, pouco a pouco harmonizados e condensados, a fim de permitir a vossa eclosão sobre a Terra. É a eterna lei do trabalho que não cessou de reger os seres inorgânicos, como os seres inteligentes.
O Espiritismo não pode escapar a essa lei, à lei da criação. Implantado sobre um solo ingrato, é preciso que haja suas más ervas, seus maus frutos. Mas também, cada dia se roçam, se arrancam, se cortam os maus ramos; o terreno se surriba insensivelmente, e quando o viajor, fatigado das lutas da vida, encontrar a abundância e a paz à sombra de um fresco oásis, virá estancar a sua sede, enxugar seus suores, nesse reino lenta e sabiamente preparado; ali o rei é Deus, esse dispensador generoso, esse igualitário judicioso, que sabe bem que o trajeto a seguir é doloroso, mas fecundo; penoso, mas necessário; o Espírito formado na escola do trabalho, dela sai mais forte e mais apto para as grandes coisas. Aos desfalecidos ele diz: coragem; e como esperança suprema, deixa entrever, mesmo aos mais ingratos, um ponto de atraso, ponto salutar, caminho demarcado pelas reencarnações.
Ride das vãs declamações: deixai falar os dissidentes, berrar aqueles que não podem se consolar por não serem os primeiros; todo esse pequeno ruído não impedirá o Espiritismo de fazer invariavelmente o seu caminho; é uma verdade, e, como um rio, toda verdade deve seguir o seu curso.
  

Precursores da tempestade

30 DE JANEIRO DE 1866
(Paris. Grupo do sr. Golovine, méd. sr. L...)

Permiti, a um antigo dignatário de Táurida, bendizer os vossos dois filhos; possam eles, sob a égide de suas duas mães, tornarem-se inteligentes em tudo e serem, para vós, a fonte de satisfações reais! Desejo-lhes serem espíritas convencidos, quer dizer, de tal modo saturados de idéias de outras vidas, de princípios de fraternidade, de caridade e de solidariedade, que os acontecimentos que se precipitarão, em sua idade de consciência e de razão, não possam espantá-los, nem enfraquecer a sua confiança na justiça divina, no meio das provas que a Humanidade deve suportar.

Às vezes, espantais-vos com o azedume com o qual os vossos adversários vos atacam; segundo eles, sois loucos, visionários; tomais a ficção pela verdade; ressuscitais o diabo e todos os erros da Idade Média.
A todos esses ataques, sabeis que responder seria começar uma polêmica sem resultado. O vosso silêncio prova a vossa força, e, não lhes dando ocasião de resposta, acabarão por se calar.
O que há mais a temer é o imprevisto. Que uma mudança de governo ocorra no sentido ultramontano mais intolerante, e, certamente, seríeis acossados, conspurcados, combatidos, condenados, expatriados. Mas os acontecimentos, mais fortes dos que as mais surdas manobras, preparam, no horizonte político, uma tempestade bem negra, e, quando a tempestade explodir, tratai de estar bem abrigados, bem fortes, bem desinteressados. Haverá ruínas, invasões, delimitações de fronteiras, e, desse naufrágio imenso que nos virá da Europa, da Ásia, da América, o que sobreviverá, sabei-o, serão as almas bem temperadas, os espíritos esclarecidos, tudo o que for justiça, lealdade, honra, solidariedade.
As vossas sociedades, tais como estão organizadas, são perfeitas? Mas tendes párias aos milhões; a miséria enche, sem cessar, as vossas prisões, os vossos lupanares e abastece o patíbulo. A Alemanha vê, como em todos os tempos, emigrar os seus habitantes por centenas de milhares, o que não é a honra dos governantes; o Papa, príncipe temporal, derrama o erro no mundo, em lugar do Espírito de Verdade, do qual é artificial emblema. Por toda a parte, a inveja; vejo interesses que se combatem, e não esforços para levantar o ignorante. Os governos, minados por príncipes egoístas, pensam em se escorar contra a onda que sobe, e essa onda é a consciência humana que se insurge, enfim, depois de séculos de espera, contra a minoria que explora as forças vivas das nacionalidades.




Nacionalidades! Possa a Rússia não ter encontrado um escolho terrível, nessa palavra, um Cabo das Tormentas! Bem-amado país, possam os teus homens de Estado não esquecer que a grandeza de um país não consiste em ter fronteiras indefinidas, muitas províncias, e não aldeias, algumas grandes cidades num oceano de ignorância, de planícies imensas, desertas e estéreis, inclementes como a inveja, como tudo o que é falso e bate falso. O Sol achará bom não se deitar sobre as vossas conquistas, não haverá menos deserdados, rangeres de dentes, todo um inferno ameaçador e escancarado como a imensidade.
E, no entanto, as nações, como os governos, têm o seu livre arbítrio; como as simples individualidades, sabem se dirigir para o amor, a união, a concórdia; fornecerão à tempestade anunciada, elementos elétricos próprios para melhor destruí-las e desagregá-las.

  

A tiara espiritual

6 DE MAIO DE 1857
(Em casa da senhora de Cardone.)

Tive ocasião de ver, nas sessões do Sr. Roustan, a Senhora de Cardone. Alguém me disse, creio que foi o Sr. Carlotti, que ela possuía um talento notável para ler na mão. Jamais acreditei no significado das linhas da mão, mas sempre pensei que isso poderia ser, para certas pessoas dotadas de uma espécie de segunda vista, um meio de estabelecer uma relação que lhe permitisse, como aos sonâmbulos, às vezes, dizer coisas verdadeiras. Os sinais da mão não são senão um pretexto, um meio de fixar a atenção, desenvolver a lucidez, como o são as cartas, a marca de café, os espelhos ditos mágicos, para os indivíduos que gozam dessa faculdade. A experiência, mais de uma vez, me confirmou a verdade dessa opinião. Seja como for, essa senhora, tendo me convidado para ir vê-la, cedi ao seu convite, e eis um resumo do que ela me disse:
"Sois nascido com uma grande abundância de recursos e de meios intelectuais... força extraordinária de julgamento... Vosso gosto está formado; governado pela cabeça, moderais a inspiração pelo julgamento; sujeitais o instinto, a paixão, a intuição ao método, à teoria. Tivestes sempre o gosto das ciências morais... Amor ao verdadeiro absoluto... Amor da arte definida.
"Vosso estilo tem do número, da medida, da cadência; mas, às vezes, trocais um pouco da vossa precisão pela da poesia.
"Como filósofo idealista, vos sujeitastes às opiniões alheias; como filósofo crente, sentis agora a necessidade de fazer seita.
"Benevolência judiciosa; necessidade imperiosa de aliviar, de socorrer, de consolar; necessidade de independência.
"Corrigi-vos muito lentamente da prontidão de vosso temperamento.
"Sois singularmente apropriado para a missão que vos está confiada, porque estais mais feito para vos tornar o centro de desenvolvimentos imensos, do que capaz de trabalhos isolados... os vossos olhos têm o olhar do pensamento.
"Vejo aqui o sinal da tiara espiritual... está muito pronunciado, olhai..." (Olhei e nada vi de particular.)
Que entendeis, disse eu, por tiara espiritual? Quereis dizer que serei papa? Se isso devesse ser, certamente não seria nesta existência.
Resposta. – "Notai que disse tiara espiritual, o que quer dizer autoridade moral e religiosa, e não poder supremo efetivo".
Relatei pura e simplesmente as palavras dessa senhora, que ela mesma me transcreveu; não me cabe julgar se são, em todos os pontos, exatas; deles reconheço alguns por verdadeiros, porque estão em relação com o meu caráter e as disposições do meu espírito; mas há uma passagem evidentemente errada, aquela onde disse, a propósito do estilo, que eu trocaria, às vezes, um pouco da minha precisão pela poesia. Não tenho nenhum instinto poético; o que procuro, acima de tudo, o que me agrada, o que estimo, nos outros, é a clareza, a limpidez, a precisão, e longe de sacrificar esta à poesia, poder-se-ia antes me censurar por sacrificar o sentimento poético à secura da forma positiva. Tenho preferido o que fala à inteligência, ao que não fala senão à imaginação.
Quanto à tiara espiritual, O Livro dos Espíritos acabava de aparecer: a Doutrina estava em seu início, e não se poderia, ainda, julgar os seus resultados ulteriores; não ligava senão pouca importância a essa revelação, e limitei-me a tomar-lhe nota a título de informação.
Essa senhora deixou Paris no ano seguinte, e não a revi senão oito anos mais tarde, em 1866; as coisas tinham caminhado muito nesse intervalo. Ela me disse: Lembrai-vos de minha predição da tiara espiritual? Ei-la realizada. – Como realizada? Não estou, que o saiba, sobre o trono de São Pedro. – Não, também não foi isso o que vos anunciei. Mas, não sois, de fato, o chefe da Doutrina, reconhecido pelos espíritas do mundo inteiro? Não são os vossos escritos que fazem lei? Vossos adeptos não se contam aos milhões? Há um homem cujo nome tenha mais autoridade do que o vosso pelo que respeita ao Espiritismo? Os títulos de sumo-sacerdote, de pontífice, de papa mesmo não vos são espontaneamente dados? Sobretudo pelos vossos adversários e por ironia, eu o sei, mas não deixam de ser o indício do gênero de influência que vos reconhecem: pressentem o vosso papel e esses títulos vos ficarão.
Em suma, conquistastes, sem procurá-la, uma posição moral que ninguém pode vos retirar, porque, quaisquer trabalhos que se possam fazer depois de vós, ou concorrentemente convosco, não sereis menos o fundador reconhecido da Doutrina. Desde esse momento, possuis, pois, em realidade, a tiara espiritual, quer dizer, a supremacia moral. Vede, pois, que eu disse a verdade.
Credes agora um pouco mais nos sinais da mão? – Menos do que nunca, e estou convencido de que, se vistes alguma coisa, não foi na mão, mas em vosso próprio espírito, e vou prová-lo.
Admito na mão, como no pé, nos braços e nas outras partes do corpo, certos sinais fisiognomônicos; mas cada órgão apresenta sinais especiais segundo o uso que lhe está destinado e sobre as suas relações com o pensamento; os sinais da mão não podem ser os mesmos que os dos pés, dos braços, da boca, dos olhos, etc.
Quanto às dobras interiores da mão, sua maior ou menor acentuação prende-se à natureza da pele e a mais ou menos abundância do tecido celular, e como essas partes não têm nenhuma correlação fisiológica com os órgãos das faculdades intelectuais e morais, não lhes podem ser a expressão. Admitindo mesmo essa correlação, poderiam fornecer indícios sobre o estado presente do indivíduo, mas não poderiam ser sinais de presságios de coisas futuras, nem de acontecimentos passados, independentes de sua vontade. Na primeira hipótese, compreendia rigorosamente que, com a ajuda desses traços, podia-se dizer que uma pessoa possui tal ou tal aptidão, tal ou tal tendência, mas o mais vulgar bom senso repele a idéia de que se possa ali ver se ela é casada ou não, quantas vezes, e quantos filhos teve, se é viúva ou não, e outras coisas semelhantes, como o pretende a maioria dos quiromantes.
Entre as pregas da mão, há uma bem conhecida de todo o mundo, e que parece, bastante bem, um M; se está fortemente marcado, é, diz-se, o presságio de uma vida infeliz; mas a palavra malheur é francesa, e se esquece que o termo equivalente não começa, em todas as línguas, pela mesma letra: de onde se segue que essa prega deveria tomar uma forma diferente segundo a língua dos povos.
Quanto à tiara espiritual, evidentemente é uma coisa especial, excepcional, e de alguma sorte individual, e estou convencido de que não encontrastes essa palavra num tratado de quiromancia. Como vos veio, pois, ao pensamento? Por intuição, por inspiração, ou por essa espécie de presciência inerente à dupla vista que muitas pessoas possuem sem disso desconfiar. A vossa intuição estava concentrada sobre os lineamentos da mão, aplicastes a idéia a um sinal no qual uma outra pessoa teria visto coisa diferente, ou ao qual teríeis atribuído um significado diferente num outro indivíduo.

Obras Póstumas

DE

ALLAN KARDEC


Índice Geral

Primeira Parte

·       Biografia de Allan Kardec
·       Aos assinantes da Revista


             I.          Deus
            II.          A Alma
           III.          Criação
2.       Manifestações visuais
4.       Emancipação da alma
6.       Dos médiuns

             I.          Fonte das provas da natureza do Cristo
            II.          A divindade do Cristo está provada pelos milagres?
           III.          Divindade de Jesus está provada pelas suas palavras?
          IV.          Palavras de Jesus depois de sua morte
           V.          Dupla natureza de Jesus
          VI.          Opinião dos Apóstolos
         VII.          Predições dos profetas concernentes a Jesus
        VIII.          O Verbo se fez carne
          IX.          Filho de Deus e filho do homem
·       Teoria da beleza
·       A música celeste
·       A música espírita
·       A estrada da vida
             I.          Doutrina Materialista
            II.          Doutrina Panteísta
           III.          Doutrina Deísta
          IV.          Doutrina Dogmática
           V.          Doutrina Espírita
·       A morte espiritual
·       A Vida Futura
·       As Aristocracias
·       Os desertores

Segunda Parte

·       Projeto - 1868
·       Estabelecimento central
·       Ensinamento espírita
·       Publicidade
·       Viagens
             I.          Considerações preliminares
            II.          Dos cismas
           III.          O chefe do Espiritismo
          IV.          Comissão Central
           V.          Instituições acessórias e complementares da comissão central
          VI.          Extensão da ação da comissão central
         VII.          Os estatutos constitutivos
        VIII.          Do programa de crenças
          IX.          Caminhos e meios
           X.          Allan Kardec e a nova constituição




A GÉNESE EXPLICADA A LUZ DOS PRINCÍPIOS ESPÍRITAS 


O Espiritismo rejeita a concepção bíblica da génese ou procura explicá-la?

Como temos dito, repetindo afirmações de Kardec e Denis, o Espiritismo é a grande síntese do conhecimento. Originada pelo desenvolvimento histórico do Cristianismo, essa síntese obedece à orientação do Cristo: não vem destruir ou negar, mas confirmar e explicar. No caso da criação do mundo e do homem, segundo a Bíblia, ele confirma a realidade na alegoria e dá a explicação desta. Impossível tomar-se hoje a Bíblia ao pé da letra. É necessário penetrar o sentido dos seus símbolos, dos seus mitos, das suas alegorias.

No capítulo quatro de A Génese, Kardec estuda o problema à luz das conquistas científicas do seu tempo. Mostra que o poema bíblico da Criação é uma explicação figurada, à semelhança da génese de todas as religiões antigas, e conclui: "De todas as antigas géneses, a que mais se aproxima dos dados científicos modernos, apesar dos seus erros, hoje evidentemente demonstrados, é incontestavelmente a de Moisés". Alguns dos seus erros, acrescenta, são mais aparentes do que reais, decorrendo de falsas interpretações de palavras nas traduções, de modificações semânticas ao longo dos milénios e de se tomar ao pé da letra as suas expressões e formas alegóricas.

 O Livro dos Espíritos, no capítulo primeiro de sua terceira parte, traz um estudo intitulado "Considerações e concordâncias bíblicas referentes à Criação", que esclarece bem este assunto. No capítulo décimo segundo de A Génese, reproduzindo o texto bíblico, Kardec o estuda em relação aos dados científicos, oferecendo um quadro comparativo da alegoria dos seis dias da criação com os espíritos da formação geológica determinados pela Ciência. Acentua, porém, que a concordância não é rigorosa e não pode ser tomada como tal, mas basta para provar a intuição da realidade na alegoria bíblica.

Kardec conclui o capítulo afirmando: "Não rejeitemos, pois, a génese bíblica, mas estudemo-la, como estudamos a história da origem dos povos".

 Hoje, os próprios teólogos católicos e protestantes estão endossando as explicações espíritas. Há uma revolução teológica em marcha, que vem apenas confirmar a legitimidade da interpretação espírita das Escrituras.

Só os crentes fanáticos da Bíblia, os literalistas amarrados ao texto, ainda investem contra o Espiritismo de Bíblia em punho.

J. Herculano Pires






CARÁTER DA REVELAÇÃO ESPÍRITA


Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da Natureza, a reagir incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, segue-se que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro.

O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência faltariam apoio e comprovação. O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos.

Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria abortado, como tudo quanto surge antes do tempo.

Todas as ciências se encadeiam e sucedem numa ordem racional; nascem umas das outras, à proporção que acham ponto de apoio nas idéias e conhecimentos anteriores.
A Astronomia, uma das primeiras cultivadas, conservou os erros da infância, até ao momento em que a Física veio revelar a lei das forças dos agentes naturais; a Química, nada podendo sem a Física, teve de acompanhá-la de perto, para depois marcharem ambas de acordo, amparando-se uma à outra.

A Ciência moderna abandonou os quatro elementos primitivos dos antigos e, de observação, chegou à concepção de um só elemento gerador de todas as transformações da matéria; mas, a matéria, por si só, é inerte; carecendo de vida, de pensamento, de sentimento, precisa estar unida ao princípio espiritual. O Espiritismo não descobriu, nem inventou este princípio; mas, foi o primeiro a demonstrar-lhe, por provas inconcussas, a existência; estudou-o, analisou-o e tornou-lhe evidente a ação. Ao elemento material, juntou ele o elemento espiritual, esses os dois princípios, as duas forças vivas da Natureza.

Pela união indissolúvel deles, facilmente se explica uma multidão de fatos até então inexplicáveis.

O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos  constitutivos do Universo, toca forçosamente na maior parte das ciências; só podia, portanto, vir depois da elaboração delas; nasceu pela força mesma das coisas, pela impossibilidade de tudo se explicar com o auxílio apenas das leis da matéria.
A Gênese. cap I, itens 16,17 e 18.
FEB - Tradução Guillon Ribeiro

   Aliança da Ciência e da Religião 
Allan Kardec

A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana: uma revela as leis do mundo material e a outra as do mundo moral. Tendo, no entanto, essas leis o mesmo princípio, que é Deus, não podem contradizer- se. Se fossem a negação uma da outra, uma necessariamente estaria em erro e a outra com a verdade, porquanto Deus não pode pretender a destruição de sua própria obra. A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de idéias provém apenas de uma observação defeituosa e de excesso de exclusivismo, de um lado e de outro. Daí um conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância.

São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo têm de ser completados; em que o véu intencionalmente lançado sobre algumas partes desse ensino tem de ser levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, tem de levar em conta o elemento espiritual e em que a Religião, deixando de ignorar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, como duas forças que são, apoiando-se uma na outra e marchando combinadas, se prestarão mútuo concurso. Então, não mais desmentida pela Ciência, a Religião adquirirá inabalável poder, porque estará de acordo com a razão, já se lhe não podendo mais opor a irresistível lógica dos fatos.

A Ciência e a Religião não puderam, até hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam.

Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no
conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres.
Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo.
 Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem. E toda uma revolução que neste momento se opera e trabalha os espíritos. Após uma elaboração que durou mais de dezoito séculos, chega ela à sua plena realização e vai marcar uma nova era na vida da Humanidade. Fáceis são de prever as conseqüências: acarretará para as relações sociais inevitáveis modificações, às quais ninguém terá força para se opor, porque elas estão nos desígnios de Deus e derivam da lei do progresso, que é lei de Deus.

O porvir e o nada


1. - Vivemos, pensamos e operamos - eis o que é positivo. E que morremos, não é menos certo.
Mas, deixando a Terra, para onde vamos? Que seremos após a morte? Estaremos melhor ou pior? Existiremos ou não? Ser ou não ser, tal a alternativa. Para sempre ou para nunca mais; ou tudo ou nada: Viveremos eternamente, ou tudo se aniquilara de vez? É uma tese, essa, que se impõe.
Todo homem experimenta a necessidade de viver, de gozar, de amar e ser feliz. Dizei ao moribundo que ele viverá ainda; que a sua hora é retardada; dizei-lhe sobretudo que será mais feliz do que porventura o tenha sido, e o seu coração rejubilará.
Mas, de que serviriam essas aspirações de felicidade, se um leve sopro pudesse dissipá-las?
Haverá algo de mais desesperador do que esse pensamento da destruição absoluta? Afeições caras, inteligência, progresso, saber laboriosamente adquiridos, tudo despedaçado, tudo perdido! De nada nos serviria, portanto, qualquer esforço no sofreamento das paixões, de fadiga para nos ilustrarmos, de devotamento à causa do progresso, desde que de tudo isso nada aproveitássemos, predominando o pensamento de que amanhã mesmo, talvez, de nada nos serviria tudo isso. Se assim fora, a sorte do homem seria cem vezes pior que a do bruto, porque este vive inteiramente do presente na satisfação dos seus apetites materiais, sem aspiração para o futuro. Diz-nos uma secreta intuição, porém, que isso não é possível.
2. - Pela crença em o nada, o homem concentra todos os seus pensamentos, forçosamente, na vida presente.
Logicamente não se explicaria a preocupação de um futuro que se não espera.
Esta preocupação exclusiva do presente conduz o homem a pensar em si, de preferência a tudo: é, pois, o mais poderoso estimulo ao egoísmo, e o incrédulo é conseqüente quando chega à seguinte conclusão: Gozemos enquanto aqui estamos; gozemos o mais possível, pois que conosco tudo se acaba; gozemos depressa, porque não sabemos quanto tempo existiremos
Ainda conseqüente é esta outra conclusão, aliás mais grave para a sociedade: Gozemos apesar de tudo, gozemos de qualquer modo, cada qual por si: a felicidade neste mundo é do mais astuto.
E se o respeito humano contém a alguns seres, que freio haverá para os que nada temem?
Acreditam estes últimos que as leis humanas não atingem senão os ineptos e assim empregam todo o seu engenho no melhor meio de a elas se esquivarem.
Se há doutrina insensata e anti-social, é, seguramente, o niilismo que rompe os verdadeiros laços de solidariedade e fraternidade, em que se fundam as relações sociais.
3. - Suponhamos que, por uma circunstância qualquer, todo um povo adquire a certeza de que em oito dias, num mês, ou num ano será aniquilado; que nem um só indivíduo lhe sobreviverá, como de sua existência não sobreviverá nem um só traço: Que fará esse povo condenado, aguardando o extermínio?
Trabalhará pela causa do seu progresso, da sua instrução? Entregar-se-á ao trabalho para viver? Respeitará os direitos, os bens, a vida do seu semelhante? Submeter-se-á a qualquer lei ou autoridade por mais legitima que seja, mesmo a paterna?
Haverá para ele, nessa emergência, qualquer dever?
Certo que não. Pois bem! O que se não dá coletivamente, a doutrina do niilismo realiza todos os dias isoladamente, individualmente.
E se as conseqüências não são desastrosas tanto quanto poderiam ser, é, em primeiro lugar, porque na maioria dos incrédulos há mais jactância que verdadeira incredulidade, mais dúvida que convicção - possuindo eles mais medo do nada do que pretendem aparentar - o qualificativo de espíritos fortes lisonjeia-lhes a vaidade e o amor-próprio; em segundo lugar, porque os incrédulos absolutos se contam por ínfima minoria, e sentem a seu pesar os ascendentes da opinião contrária, mantidos por uma força material.
Torne-se, não obstante, absoluta a incredulidade da maioria, e a sociedade entrará em dissolução.
Eis ao que tende a propagação da doutrina niilista. (1)
Fossem, porém, quais fossem as suas conseqüências, uma vez que se impusesse como verdadeira, seria preciso aceitá-la, e nem sistemas contrários, nem a idéia dos males resultantes poderiam obstar-lhe a existência. Forçoso é dizer que, a despeito dos melhores esforços da religião, o cepticismo, a dúvida, a indiferença ganham terreno dia a dia.
Mas, se a religião se mostra impotente para sustar a incredulidade, é que lhe falta alguma coisa na luta. Se por outro lado a religião se condenasse à imobilidade, estaria, em dado tempo, dissolvida.
O que lhe falta neste século de positivismo, em que se procura compreender antes de crer, é, sem dúvida, a sanção de suas doutrinas por fatos positivos, assim como a concordância das mesmas com os dados positivos da Ciência. Dizendo ela ser branco o que os fatos dizem ser negro, é preciso optar entre a evidência e a fé cega.
(1) Um moço de dezoito anos, afetado de uma enfermidade do coração, foi declarado incurável. A Ciência havia dito: Pode morrer dentro de oito dias ou de dois anos, mas não irá além. Sabendo-o, o moço para logo abandonou os estudos e entregou-se a excessos de todo o gênero.
Quando se lhe ponderava o perigo de uma vida desregrada, respondia: Que me importa, se não tenho mais de dois anos de vida? De que me serviria fatigar o espírito? Gozo o pouco que me resta e quero divertir-me até ao fim. Eis a conseqüência lógica do niilismo.
Se este moço fora espírita, teria dito: A morte só destruirá o corpo, que deixarei como fato usado, mas o meu Espírito viverá. Serei na vida futura aquilo que eu próprio houver feito de mim nesta vida; do que nela puder adquirir em qualidades morais e intelectuais nada perderei, porque será outro tanto de ganho para o meu adiantamento; toda a imperfeição de que me livrar será um passo a mais para a felicidade. A minha felicidade ou infelicidade depende da utilidade ou inutilidade da presente existência. É portanto de meu interesse aproveitar o pouco tempo que me resta, e evitar tudo que possa diminuir-me as forças. Qual destas doutrinas é preferível?
4. - É nestas circunstâncias que o Espiritismo vem opor um dique à difusão da incredulidade, não somente pelo raciocínio, não somente pela perspectiva dos perigos que ela acarreta, mas pelos fatos materiais, tornando visíveis e tangíveis a alma e a vida futura.
Todos somos livres na escolha das nossas crenças; podemos crer em alguma coisa ou em nada crer, mas aqueles que procuram fazer prevalecer no espírito das massas, da juventude principalmente, a negação do futuro, apoiando-se na autoridade do seu saber e no ascendente da sua posição, semeiam na sociedade germens de perturbação e dissolução, incorrendo em grande responsabilidade.
5. - Há uma doutrina que se defende da pecha de materialista porque admite a existência de um princípio inteligente fora da matéria: é a da absorção no Todo Universal.
Segundo esta doutrina, cada indivíduo assimila ao nascer uma parcela desse princípio, que constitui sua alma, e dá-lhe vida, inteligência e sentimento.
Pela morte, esta alma volta ao foco comum e perde-se no infinito, qual gota dágua no oceano.
Incontestavelmente esta doutrina é um passo adiantado sobre o puro materialismo, visto como admite alguma coisa, quando este nada admite. As conseqüências, porém, são exatamente as mesmas.
Ser o homem imerso em o nada ou no reservatório comum, é para ele a mesma coisa; aniquilado ou perdendo a sua individualidade, é como se não existisse; as relações sociais nem por isso deixam de romper-se, e para sempre.
O que lhe é essencial é a conservação do seu eu; sem este, que lhe importa ou não subsistir?
O futuro afigura-se-lhe sempre nulo, e a vida presente é a única coisa que o interessa e preocupa.
Sob o ponto de vista das conseqüências morais, esta doutrina é, pois, tão insensata, tão desesperadora, tão subversiva como o materialismo propriamente dito.
6. - Pode-se, além disso, fazer esta objeção: todas as gotas d'água tomadas ao oceano se assemelham e possuem idênticas propriedades como partes de um mesmo todo; por que, pois, as almas tomadas ao grande oceano da inteligência universal tão pouco se assemelham? Por que o gênio e a estupidez, as mais sublimes virtudes e os vícios mais ignóbeis? Por que a bondade, a doçura, a mansuetude ao lado da maldade, da crueldade, da barbaria? Como podem ser tão diferentes entre si as partes de um mesmo todo homogêneo? Dir-se-á que é a educação que a modifica? Neste caso donde vêm as qualidades inatas, as inteligências precoces, os bons e maus instintos independentes de toda a educação e tantas vezes em desarmonia com o meio no qual se desenvolvem?
Não resta dúvida de que a educação modifica as qualidades intelectuais e morais da alma; mas aqui ocorre uma outra dificuldade: Quem dá a esta a educação para fazê-la progredir? Outras almas que por sua origem comum não devem ser mais adiantadas. Além disso, reentrando a alma no Todo Universal donde saiu, e havendo progredido durante a vida, leva-lhe um elemento mais perfeito. Dai se infere que esse Todo se encontraria, pela continuação, profundamente modificado e melhorado. Assim, como se explica saírem incessantemente desse Todo almas ignorantes e perversas?
7. - Nesta doutrina, a fonte universal de inteligência que abastece as almas humanas é independente da Divindade; não é precisamente o panteísmo.
O panteísmo propriamente dito considera o principio universal de vida e de inteligência como constituindo a Divindade. Deus é concomitantemente Espírito e matéria; todos os seres, todos os corpos da Natureza compõem a Divindade, da qual são as moléculas e os elementos constitutivos; Deus é o conjunto de todas as inteligências reunidas; cada indivíduo, sendo uma parte do todo, é Deus ele próprio; nenhum ser superior e independente rege o conjunto; o Universo é uma imensa república sem chefe, ou antes, onde cada qual é chefe com poder absoluto.
8. - A este sistema podem opor-se inumeráveis objeções, das quais são estas as principais: não se podendo conceber divindade sem infinita perfeição, pergunta-se como um todo perfeito pode ser formado de partes tão imperfeitas, tendo necessidade de progredir? Devendo cada parte ser submetida à lei do progresso, força é convir que o próprio Deus deve progredir; e se Ele progride constantemente, deveria ter sido, na origem dos tempos, muito imperfeito.
E como pôde um ser imperfeito, formado de idéias tão divergentes, conceber leis tão harmônicas, tão admiráveis de unidade, de sabedoria e previdência quais as que regem o Universo? Se todas as almas são porções da Divindade, todos concorreram para as leis da Natureza; como sucede, pois, que elas murmurem sem cessar contra essas leis que são obra sua? Uma teoria não pode ser aceita como verdadeira senão com a cláusula de satisfazer a razão e dar conta de todos os fatos que abrange; se um só fato lhe trouxer um desmentido, é que não contém a verdade absoluta.
9. - Sob o ponto de vista moral, as conseqüências são igualmente ilógicas. Em primeiro lugar é para as almas, tal como no sistema precedente, a absorção num todo e a perda da individualidade. Dado que se admita, consoante a opinião de alguns panteístas, que as almas conservem essa individualidade, Deus deixaria de ter vontade única para ser um composto de miríades de vontades divergentes.
Além disso, sendo cada alma parte integrante da Divindade, deixa de ser dominada por um poder superior; não incorre em responsabilidade por seus atos bons ou maus; soberana, não tendo interesse algum na prática do bem, ela pode praticar o mal impunemente.
10. - Demais, estes sistemas não satisfazem nem a razão nem a aspiração humanas; deles decorrem dificuldades insuperáveis, pois são impotentes para resolver todas as questões de fato que suscitam. O homem tem, pois, três alternativas: o nada, a absorção ou a individualidade da alma antes e depois da morte
É para esta última crença que a lógica nos impele irresistivelmente, crença que tem formado a base de todas as religiões desde que o mundo existe.
E se a lógica nos conduz à individualidade da alma, também nos aponta esta outra conseqüência: a sorte de cada alma deve depender das suas qualidades pessoais, pois seria irracional admitir que a alma atrasada do selvagem, como a do homem perverso, estivesse no nível da do sábio, do homem de bem. Segundo os princípios de justiça, as almas devem ter a responsabilidade dos seus atos, mas para haver essa responsabilidade, preciso é que elas sejam livres na escolha do bem e do mal; sem o livre-arbítrio há fatalidade, e com a fatalidade não coexistiria a responsabilidade.
11. - Todas as religiões admitiram igualmente o principio da felicidade ou infelicidade da alma após a morte, ou, por outra, as penas e gozos futuros, que se resumem na doutrina do céu e do inferno encontrada em toda parte.
No que elas diferem essencialmente, é quanto à natureza dessas penas e gozos, principalmente sobre as condições determinantes de umas e de outras.
Daí os pontos de fé contraditórios dando origem a cultos diferentes, e os deveres impostos por estes, consecutivamente, para honrar a Deus e alcançar por esse meio o céu, evitando o inferno.
12. - Todas as religiões houveram de ser em sua origem relativas ao grau de adiantamento moral e intelectual dos homens: estes, assaz materializados para compreenderem o mérito das coisas puramente espirituais, fizeram consistir a maior parte dos deveres religiosos no cumprimento de fórmulas exteriores.
Por muito tempo essas fórmulas lhes satisfizeram a razão; porém, mais tarde, porque se fizesse a luz em seu espírito, sentindo o vácuo dessas fórmulas, uma vez que a religião não o preenchia, abandonaram-na e tornaram-se filósofos.
13. - Se a religião, apropriada em começo aos conhecimentos limitados do homem, tivesse acompanhado sempre o movimento progressivo do espírito humano, não haveria incrédulos, porque está na própria natureza do homem a necessidade de crer, e ele crerá desde que se lhe dê o pábulo espiritual de harmonia com as suas necessidades intelectuais.
O homem quer saber donde velo e para onde vai. Mostrando-se-lhe um fim que não corresponde às suas aspirações nem à idéia que ele faz de Deus, tampouco aos dados positivos que lhe fornece a Ciência; impondo-se-lhe, ademais, para atingir o seu desiderato, condições cuja utilidade sua razão contesta, ele tudo rejeita; o materialismo e o panteísmo parecem-lhe mais racionais, porque com eles ao menos se raciocina e se discute, falsamente embora. E há razão, porque antes raciocinar em falso do que não raciocinar absolutamente.
Apresente-se-lhe, porém, um futuro condicionalmente lógico, digno em tudo da grandeza, da justiça e da infinita bondade de Deus, e ele repudiará o materialismo e o panteísmo, cujo vácuo sente em seu foro intimo, e que aceitará à falta de melhor crença.
O Espiritismo dá coisa melhor; eis por que é acolhido pressurosamente por todos os atormentados da dúvida, os que não encontram nem nas crenças nem nas filosofias vulgares o que procuram. O Espiritismo tem por si a lógica do raciocínio e a sanção dos fatos, e é por isso que inutilmente o têm combatido.
14. - Instintivamente tem o homem a crença no futuro, mas não possuindo até agora nenhuma base certa para defini-lo, a sua imaginação fantasiou os sistemas que originaram a diversidade de crenças. A Doutrina Espírita sobre o futuro - não sendo uma obra de imaginação mais ou menos arquitetada engenhosamente, porém o resultado da observação de fatos materiais que se desdobram hoje à nossa vista -congraçará, como já está acontecendo, as opiniões divergentes ou flutuantes e trará gradualmente, pela força das coisas, a unidade de crenças sobre esse ponto, não já baseada em simples hipótese, mas na certeza. A unificação feita relativamente à sorte futura das almas será o primeiro ponto de contacto dos diversos cultos, um passo imenso para a tolerância religiosa em primeiro lugar e, mais tarde, para a completa fusão.

OBRAS PÓSTUMAS - AS EXPIAÇÕES COLETIVAS - Allan Kardec


 

Pergunta. – O Espiritismo nos explica perfeitamente a causa dos sofrimentos individuais, como conseqüência imediata de faltas cometidas na existência presente, ou expiação do passado; mas, uma vez que cada um não deve ser responsável senão pelas suas próprias faltas, explicam-se menos as infelicidades coletivas que atingem as aglomerações de indivíduos, como, por vezes, toda uma família, toda uma cidade, toda uma nação ou toda uma raça, e que atingem os bons como os maus, os inocentes como os culpados.




Resposta. – Todas as leis que regem o Universo, quer sejam físicas ou morais, materiais ou intelectuais, foram descobertas, estudadas, compreendidas, procedendo do estudo e da individualidade, e do da família à de todo o conjunto, generalizando-as gradualmente, e constatando-lhe a universalidade dos resultados.

Ocorre o mesmo hoje para as leis que o estudo do Espiritismo vos faz conhecer; podeis aplicar, sem medo de errar, as leis que regem a família, a nação, as raças, o conjunto de habitantes dos mundos, que são individualidades coletivas. As faltas dos indivíduos, as da família, as da nação, e cada uma, qualquer que seja o seu caráter, se expiam em virtude da mesma lei. O carrasco expia para com a sua vítima, seja achando-se em sua presença no espaço, seja vivendo em contato com ela numa ou várias existências sucessivas, até à reparação de todo o mal cometido, Ocorre o mesmo quando se trata de crimes cometidos solidariamente, por um certo número; as expiações são solidárias, o que não aniquila a expiação simultânea das faltas individuais.

Em todo homem há três caracteres: o do indivíduo, do ser em si mesmo: o de membro de família, e, enfim, o de cidadão; sob cada uma dessas três faces pode ser criminoso ou virtuoso, quer dizer, pode ser virtuoso como pai de família, ao mesmo tempo que criminoso como cidadão, e reciprocamente; daí as situações especiais que lhe são dadas em suas existências sucessivas.
Salvo exceção, pode-se admitir como regra geral que todos aqueles que têm uma tarefa comum reunidos numa existência, já viveram juntos para trabalharem pelo mesmo resultado, e se acharão reunidos ainda no futuro, até que tenham alcançado o objetivo, quer dizer, expiado o passado, ou cumprido a missão aceita.
Graças ao Espiritismo, compreendeis agora a justiça das provas que não resultam de atos da vida presente, porque já vos foi dito que é a quitação de dívidas do passado; por que não ocorreria o mesmo com as provas coletivas? Dissestes que as infelicidades gerais atingem o inocente como o culpado; mas sabeis que o inocente de hoje pode ter sido o culpado de ontem? Que tenha sido atingido individualmente ou coletivamente, é que o mereceu. E, depois, como dissemos, há faltas do indivíduo e do cidadão; a expiação de umas não livra da expiação das outras, porque é necessário que toda dívida seja paga até o último centavo. As virtudes da vida privada não são as da vida pública; um, que é excelente cidadão, pode ser muito mau pai de família, e outro, que é bom pai de família, probo e honesto em seus negócios, pode ser um mau cidadão, ter soprado o fogo da discórdia, oprimido o fraco, manchado as mãos em crimes de lesa-sociedade. São essas faltas coletivas que são expiadas coletivamente pelos indivíduos que para elas concorreram, os quais se reencontram para sofrerem juntos a pena de talião, ou ter a ocasião de repararem o mal que fizeram, provando o seu devotamento à coisa pública, socorrendo e assistindo aqueles que outrora maltrataram. O que é incompreensível, inconciliável com a justiça de Deus, sem a preexistência da alma, se torna claro e lógico pelo conhecimento dessa lei.


A solidariedade, que é o verdadeiro laço social, não está, pois, só para o presente; ela se estende no passado e no futuro, uma vez que as mesmas individualidades se encontraram, se reencontram e se encontrarão para subirem juntas a escala do progresso, prestando-se concurso mútuo. Eis o que o Espiritismo faz compreender pela equitativa lei da reencarnação e a continuidade das relações entre os mesmos seres.

Clélie DUPLANTIER.

Nota. – Se bem que esta comunicação entre nos princípios conhecidos da responsabilidade do passado, e da continuidade das relações entre os Espíritos, ela encerra uma idéia de alguma sorte nova e de grande importância. A distinção que estabelece entre a responsabilidade das faltas individuais ou coletivas, as da vida privada e da vida pública, dá a razão de certos fatos ainda pouco compreendidos, e mostra, de maneira mais precisa, a solidariedade que liga os seres uns aos outros, e as gerações entre si.

Assim, freqüentemente, renascem na mesma família, ou pelo menos os membros de uma mesma família renascem juntos para nela constituírem uma nova, numa outra posição social, a fim de estreitarem os seus laços de afeição, ou repararem os seus erros recíprocos. Pelas considerações de uma ordem mais geral, freqüentemente, se renasce no mesmo meio, na mesma nação, na mesma raça, seja por simpatia, seja para continuar, com os elementos já elaborados, os estudos que se fizeram, se aperfeiçoar, prosseguir os trabalhos começados, que a brevidade da vida, ou as circunstâncias, não permitiram terminar. Essa reencarnação no mesmo meio é a causa do caráter distintivo de povos e de raças; tudo melhorando, os indivíduos conservam a nuança primitiva, até que o progresso os haja transformado completamente.

Os Franceses de hoje são, pois, os do último século, os da Idade Média, os dos tempos druídicos; são os cobradores de impostos ou as vítimas do feudalismo; aqueles que serviram os povos e aqueles que trabalharam pela sua emancipação, que se reencontram na França transformada, onde uns expiam no rebaixamento de seu orgulho de raça, e onde os outros gozam o fruto dos seus trabalhos.

 Quando se pensa em todos os crimes desses tempos em que a vida dos homens e a honra das famílias eram contadas por nada, em que o fanatismo erguia fogueiras em honra da divindade, em todos os abusos de poder, em todas as injustiças que se cometiam com desprezo dos mais sagrados direitos, quem pode estar certo de nisso não ter, mais ou menos, manchado as mãos, e deve-se admirar de ver as grandes e terríveis expiações coletivas?
Mas dessas convulsões sociais sai sempre uma melhora; os Espíritos se esclarecem pela experiência; a infelicidade é o estímulo que os impele a procurar um remédio para o mal; eles refletem na erraticidade, tomam novas resoluções, e quando retornam, fazem melhor. É assim que se realiza o progresso, de geração em geração.

Não se pode duvidar de que haja famílias, cidades, nações, raças culpadas porque, dominadas pelos instintos do orgulho, do egoísmo, da ambição, da cupidez, caminham em má senda e fazem coletivamente o que um indivíduo faz isoladamente; uma família se enriquece às expensas de uma outra família; um povo subjuga um outro povo, e leva-lhe a desolação e a ruína; uma raça quer aniquilar uma outra raça. Eis por que há famílias, povos e raças sobre os quais cai a pena de talião.
“Quem matou pela espada perecerá pela espada,” disse o Cristo; estas palavras podem ser traduzidas assim: Aquele que derramou sangue verá o seu derramado; aquele que passeou a tocha do incêndio em casa de outrem, verá a tocha do incêndio passear em sua casa; aquele que despojou, será despojado; aquele que subjugou e maltratou o fraco, será fraco, subjugado e maltratado, por sua vez, quer seja um indivíduo, uma nação ou uma raça, porque os membros de uma individualidade coletiva são solidários do bem como do mal que se faz em comum.
Ao passo que o Espiritismo alarga o campo da solidariedade, o materialismo o reduz às mesquinhas proporções da existência efêmera do homem; faz dela um dever social sem raízes, sem outra sanção senão a boa vontade e o interesse pessoal do momento; é uma teoria, uma máxima filosófica, da qual nada impõe a prática; para o Espiritismo, a solidariedade é um fato que se assenta sobre uma lei universal e natural, que liga todos os seres do passado, do presente e do futuro, e às conseqüências da qual ninguém pode se subtrair. Eis o que todo homem pode compreender, por pouco letrado que seja.

Quando todos os homens compreenderem o Espiritismo, compreenderão a verdadeira solidariedade e, em conseqüência, a verdadeira fraternidade. A solidariedade e a fraternidade não serão mais deveres circunstanciais que cada um prega, muito freqüentemente, mais em seu próprio interesse do que no de outrem. O reino da solidariedade e da fraternidade será, forçosamente, o da justiça para todos, e o reino da justiça será o da paz e da harmonia entre os indivíduos, as famílias, os povos e as raças. Ali se chegará? Duvidar disso seria negar o progresso. Comparando-se a sociedade atual, entre as nações civilizadas, ao que era na Idade Média, certamente, a diferença é grande; se, pois, os homens caminharam até aqui, por que se deteriam? Ao ver o caminho que fizeram num século somente, pode-se julgar daquele que farão daqui a um outro século.

As convulsões sociais são as revoltas dos Espíritos encarnados contra o mal que os oprime, o indício de suas aspirações com relação a esse mesmo reino de justiça do qual têm sede, sem, todavia, se darem uma conta bem nítida do que querem e dos meios para a isso chegar; é por que se movimentam, se agitam, destroem a torto e a direito, criam sistemas, propõem remédios mais ou menos utópicos, cometem mesmo mil injustiças, supostamente pelo espírito de justiça, esperando que desse movimento sairá talvez alguma coisa. Mais tarde, definirão melhor as suas aspirações, e o caminho se lhes clareará.

Quem vai ao fundo dos princípios do Espiritismo filosófico, considera os horizontes que descobre, as idéias que faz nascer e os sentimentos que desenvolve, não poderia duvidar da parte preponderante que ele deve ter na regeneração, porque conduz precisamente, e pela força das coisas, ao objetivo aspirado pela Humanidade: o reino de justiça pela extinção dos abusos que lhe detiveram o progresso, e pela moralização das massas. Se aqueles que sonham com a manutenção do passado não o julgam assim, não se obstinariam tanto junto dele; deixá-lo-iam morrer de morte natural, como ocorreu com muitas utopias. Só isso deveria dar a pensar a certos zombadores que devem nele ver alguma coisa de mais séria do que não imaginam. Mas há pessoas que riem de tudo, que ririam de Deus se o vissem sobre a Terra. Depois, há aqueles que têm medo de se erguer, diante deles, a alma que se obstinam em negar.

Qualquer que seja a influência que o Espiritismo deva exercer sobre o futuro das sociedades, isso não quer dizer que substituirá sua autocracia por uma outra autocracia, nem que não imporá leis; primeiro, porque, proclamando o direito absoluto de liberdade de consciência e do livre exame em matéria de fé, como crença ele quer ser livremente aceito, por convicção e não por constrangimento; pela sua natureza, não pode e nem deve exercer nenhuma pressão; proscrevendo a fé cega, quer ser compreendido; para ele, nunca há mistérios, mas uma fé raciocinada, apoiada sobre os fatos, e que quer a luz; não repudia nenhuma das descobertas da ciência, tendo em vista que a ciência é a compilação das leis da Natureza, e que, sendo essas leis de Deus, repudiar a ciência seria repudiar a obra de Deus.
Em segundo lugar, a ação do Espiritismo , estando em seu poder moralizador, não pode assumir nenhuma forma autocrática, porque então faria o que condena. Sua influência será preponderante pelas modificações que trará nas idéias, nas opiniões, no caráter, nos hábitos dos homens e nas relações sociais; essa influência será tanto maior quanto ela não for imposta. O Espiritismo, poderoso como filosofia, não poderia senão perder, neste século de raciocínio, transformando-se em poder temporal. Não será, pois, ele que fará as instituições do mundo regenerado; serão os homens que as farão sob o império das idéias de justiça, de caridade, de fraternidade e de solidariedade melhor compreendidas, por efeito do Espiritismo.
O Espiritismo, essencialmente positivo em suas crenças, repele todo misticismo, a menos que se não estenda esse nome, como o fazem aqueles que não crêem em nada, a toda idéia espiritualista, à crença em Deus, na alma e na vida futura. Leva, certamente, os homens a se ocuparem seriamente da vida espiritual, porque é a vida normal, e que é lá que devem cumprir sua destinação, uma vez que a vida terrestre não é senão transitória e passageira; pelas provas que dá da vida espiritual, lhes ensina a não darem, às coisas deste mundo, senão uma importância relativa, e por aí lhes dá a força e a coragem para suportarem, pacientemente, as vicissitudes da vida terrestre; mas ensinando-lhes que, morrendo, não deixam este mundo sem retorno; que podem aqui voltar a aperfeiçoar a sua educação intelectual e moral, a menos que não estejam bastante avançados para merecerem ir para um mundo melhor; que os trabalhos e os progressos que aqui realizam, ou aqui fazem realizar, lhes aproveitarão a si mesmos, melhorando a sua posição futura, e mostrar-lhes que têm todo o interesse em não o negligenciarem; se lhes repugna aqui voltar, como têm o seu livre arbítrio, depende deles fazer o que é necessário para ir alhures; mas que não se iludam sobre as condições que podem lhes merecer uma mudança de residência! Não será com a ajuda de algumas fórmulas, em palavras ou em ações, que a obterão, mas por uma reforma séria e radical de suas imperfeições; é se modificando, se despojando de suas más paixões, adquirindo cada dia novas qualidades; ensinando a todos, pelo exemplo, a linha de conduta que deve conduzir solidariamente todos os homens para a felicidade, pela fraternidade, pela tolerância e pelo amor.
A Humanidade se compõe de personalidades que constituem as existências individuais, e de gerações que constituem as existências coletivas. Ambas caminham para o progresso, por fases variadas de provas que são, assim, individuais para as pessoas e coletivas para as gerações. Do mesmo modo que, para o encarnado, cada existência é um passo à frente, cada geração marca uma etapa de progresso para o conjunto; é esse progresso do conjunto que é irresistivel, e arrasta as massas ao mesmo tempo que modifica e transforma em instrumento de regeneração os erros e os preconceitos de um passado chamado a desaparecer. Ora, como as gerações são compostas de indivíduos que já viveram nas gerações precedentes, o progresso das gerações é, assim, a resultante do progresso dos indivíduos.

Mas quem me demonstrará, dir-se-á talvez, a solidariedade que existe entre a geração atual e as gerações que a precederam, ou que a seguirão? Como se poderia me provar que já vivi na Idade Média, por exemplo, e que retornarei a tomar parte nos acontecimentos que se cumprirão na continuação dos tempos?
O princípio da pluralidade das existências, freqüentemente, foi bastante demonstrado na Revista, e nas
obras fundamentais da Doutrina, para que não nos detenhamos aqui sobre ele; a experiência e a observação dos fatos da vida diária fornecem provas físicas e de uma demonstração quase matemática. Convidamos somente os pensadores a se prenderem às provas morais resultantes do raciocínio e da indução.


É absolutamente necessário ver uma coisa para nela crer? Vendo os efeitos, não se pode ter a certeza material da causa?


Fora da experimentação, o único caminho legítimo que se abre, a essa procura, consiste em remontar do efeito à causa. A justiça nos oferece um exemplo muito notável desse princípio, quando se aplica em descobrir os indícios dos meios que serviram para a perpretação de um crime, as intenções que contribuem para a culpabilidade do malfeitor. Não se tomou esta última sobre o fato e, entretanto, ele é condenado sobre esses indícios.
A ciência, que não pretende caminhar senão pela experiência, afirma, todos os dias, princípios que não são senão induções das causas das quais ela não viu senão os efeitos.

Em geologia determina-se a idade das montanhas; os geólogos assistiram ao seu erguimento, viram se formar as camadas de sedimentos que determinaram essa idade?

Os conhecimentos astronômicos, físicos e químicos permitem apreciar o peso dos planetas, sua densidade, seu volume, a velocidade que os anima, a natureza dos elementos que os compõem; entretanto, os sábios não puderam fazer experiência direta, e é à analogia e à indução que nós devemos tantas descobertas belas e preciosas.

Os primeiros homens, sobre o testemunho de seus sentidos, afirmaram que é o Sol que gira ao redor da Terra. Todavia, esse testemunho os enganava e o raciocínio prevaleceu.


Ocorrerá o mesmo com os princípios preconizados pelo Espiritismo, desde que se queira bem estudá-los, sem idéia preconcebida, e será então que a Humanidade entrará, verdadeira e rapidamente, na era de progresso e de regeneração, porque os indivíduos, não se sentindo mais isolados entre dois abismos, o desconhecido do passado e a incerteza do futuro, trabalharão com ardor para aperfeiçoar e para multiplicar os elementos de felicidade, que são a sua obra; porque reconhecerão que não devem ao acaso a posição que ocupam no mundo, e que eles mesmos gozarão, no futuro, e em melhores condições, dos frutos de seus labores e de suas vigílias. É que, enfim, o Espiritismo lhes ensinará que, se as faltas cometidas coletivamente são expiadas solidariamente, os progressos realizados em comum são igualmente solidários, e é em virtude desse princípio que desaparecerão as dissenções de raças, de famílias e dos indivíduos, e que a Humanidade, despojada das faixas da infância, caminhará, rápida e virilmente, para a conquista de seus verdadeiros destinos.







O PORQUÊ DA VIDA
Léon Denis

DEUS
A existência em nós de um princípio inteligente e racional; a fonte de onde decorre para sua origem pelo encadeamento das causas e dos efeitos



Deus é o centro de onde emanam e para onde retornam todas as potências do Universo.

Ele é o foco de onde se irradia toda idéia de justiça, solidariedade e amor; o objetivo comum para o qual todos os seres se encaminham, consciente ou inconscientemente. É de nosso relacionamento com o grande Arquiteto dos mundos que decorrem a harmonia universal, a comunidade e a fraternidade. Para sermos irmãos, com efeito, é preciso haver um pai comum, e esse pai somente pode ser Deus.

Deus, dirá você, tem estado presente sob aspectos tão estranhos, por vezes tão revoltantes para os homens crentes, que o espírito moderno se está afastando d’Ele. Mas que importam essas divagações sectárias? Pretender que Deus possa ser diminuído pelos propósitos dos homens equivale a dizer que o monte Branco e o Himalaia possam ser manchados pelo sopro de um mosquito. A verdade paira radiosa, deslumbrante, bem acima das obscuridades teológicas.

Para entrever esta verdade, o pensamento deve se desligar das regras estreitas, das práticas vulgares, rejeitar as formas pueris com as quais certas religiões têm envolvido o supremo ideal.

Deve estudar Deus na majestade de suas obras.

Na hora em que tudo repousa nas nossas cidades, quando a noite está transparente e o silêncio se faz sobre a terra adormecida, então, ó homens, meus irmãos, elevem seus olhos e contemplem o infinito dos céus!

Observem a marcha ritmada dos astros, evoluindo nas profundezas. Esses fogos inumeráveis são mundos perto dos quais a Terra não é mais que um átomo, sóis prodigiosos contornados por cortejos de esferas e dos quais as distâncias espantosas que nos separam se medem por milhões de anos-luz.

Por isso nos parecem simples pontos luminosos. Mas, dirijam para eles esse olho colossal da ciência, o radiotelescópio, e vocês distinguirão suas superfícies, semelhantes a oceanos em chamas.

Procurem em vão contá-los; eles se multiplicam até nas regiões mais remotas e confundem-se na distância, como uma poeira luminosa.

Observem também, como sobre os mundos vizinhos da Terra se desenham os vales e as montanhas, mares são cavados, nuvens se movem.

Reconheçam que as manifestações da vida se produzem por toda parte, e que uma ordem admirável une, sob leis uniformes e por destinos comuns, a Terra e seus irmãos, os planetas errantes no infinito.

Verifiquem que todos esses mundos, habitados por outras sociedades humanas, se agitam, se afastam e aproximam dotados de velocidades diversas, percorrendo orbes imensos; por todo lado o movimento, a atividade e a vida se mostram em um espetáculo grandioso.

Observem nosso próprio globo, a Terra, que parece nos dizer: « Vossa carne é a minha, vossos entes minhas crianças ».

Observem-na, esta grande ama de leite da humanidade; vejam a harmonia de seus contornos, seus continentes, no seio dos quais as nações germinam e crescem, seus vastos oceanos sempre em movimento; acompanhem a renovação das estações revestindo-a, cada vez, de verdes adornos ou de louras colheitas; contemplem os seres vivos que a povoam: pássaros, insetos, plantas e flores; cada um deles é um cinzelado maravilhoso, uma jóia do estojo divino. Observem a si mesmos; vejam o desempenho admirável de seus órgãos, o mecanismo maravilhoso e complicado de seus sentidos.

Que gênio humano poderia imitar essas delicadas obras-primas?


Considerem todas essas coisas e perguntem à sua razão se tanta beleza, esplendor e harmonia, podem resultar do acaso, ou se não existe, sobretudo, uma causa inteligente presidindo a ordem do mundo e a evolução da vida.

E se vocês me opusessem os flagelos, as catástrofes, tudo o que vem perturbar essa ordem admirável, lhes responderia: Sondem os problemas da natureza, não se fixem na superfície, desçam ao fundo das coisas e descobrirão, com surpresa, que as aparentes contradições mais não fazem que confirmar a harmonia geral, que são úteis ao progresso dos seres, único propósito da existência.

Se Deus fez o mundo, replicam triunfalmente certos materialistas, quem então fez Deus? Esta objeção não tem sentido. Deus não é um ser que se junte à série dos seres.

Ele é o Ser universal, sem limites no tempo e no espaço, por conseqüência infinito, eterno. Não pode haver nenhum ser acima nem ao lado dele. Deus é a fonte e o princípio de toda vida. É por ele que se religam, unem e harmonizam todas as forças individuais, e que sem Ele estariam isoladas e divergentes.

Abandonadas a si mesmas, não estando regidas por uma lei, uma vontade superior, essas forças não teriam produzido senão confusão e caos. O fato de existir um plano geral, um propósito comum, do qual participem todos as potências do universo, prova a existência de uma causa, uma inteligência suprema, que é Deus.



       

Léon Denis discorre de forma clara e simples, porque ele vivia isto; como o ser humano deve buscar a sua elevação.



Júpiter e alguns outros mundos

Revista Espírita, março de 1858
Antes de entrarmos nos detalhes das revelações que os Espíritos nos fizeram, sobre o estado dos diferentes mundos, vejamos a quais conseqüências lógicas poderemos chegar, por nós mesmos e unicamente pelo raciocínio. Reportando-se à escala espírita que demos no precedente número, pedimos às pessoas desejosas de aprofundarem seriamente essa ciência nova, estudarem com cuidado esse quadro e dele se compenetrarem; nele encontrarão a chave de mais de um mistério.
O mundo dos Espíritos se compõe de almas de todos os humanos desta Terra e de outras esferas, desligadas dos laços corporais; do mesmo modo, todos os humanos são animados por Espíritos neles encarnados. Há, pois, solidariedade entre os dois mundos: os homens terão as qualidades e as imperfeições dos Espíritos com os quais estão unidos; os Espíritos serão mais ou menos bons ou maus, segundo os progressos que tiverem feito durante a sua existência corporal. Essas poucas palavras resumem toda a doutrina. Como os atos dos homens são o produto do seu livre arbítrio, levam a marca da perfeição ou da imperfeição do Espírito que os provocam. Ser-nos-á, pois, muito fácil fazermos uma idéia do estado moral de um mundo qualquer, segundo a natureza dos Espíritos que o habitem; poderemos, de algum modo, descrever a sua legislação, traçar o quadro dos seus costumes, dos seus usos, das suas relações sociais. Suponhamos, pois, um globo habitado, exclusivamente, por Espíritos da nona classe, por Espíritos impuros, e a ele nos transportemos pelo pensamento. Nele veremos todas as paixões desencadeadas e sem freio; o estado moral no último grau de embrutecimento; a vida animal em toda a sua brutalidade; nada de laços sociais, porque cada um não vive e não age senão para si e para satisfazer os seus apetites grosseiros; o egoísmo nele reina com soberania absoluta, e arrasta consigo o ódio, a inveja, o ciúme, a cupidez, a morte.
Passemos, agora, para uma outra esfera, onde se encontrem Espíritos de todas as classes da terceira ordem: Espíritos impuros, Espíritos levianos, Espíritos pseudo-sábios, Espíritos neutros. Sabemos que, em todas as classes dessa ordem, o mal domina; mas, sem terem o pensamento do bem, o do mal decresce à medida que se afastam da última classe, O egoísmo é sempre o móvel principal das ações, mas os costumes são mais brandos, a inteligência mais desenvolvida; o mal, aí, estará um pouco disfarçado, enfeitado e dissimulado. Essas próprias qualidades, engendram um outro defeito, que é o orgulho; porque as classes mais elevadas são bastante esclarecidas para terem consciência da sua superioridade, mas não o bastante para compreenderem o que lhes falta; daí a sua tendência à escravização das classes inferiores, e de raças mais fracas, que tenham sob o seu jugo. Não tendo o sentimento do bem, não têm senão o instinto do eu e acionam a sua inteligência para satisfazerem as suas paixões. Numa tal sociedade, se o elemento impuro domina, esmagará o outro; no caso contrário, os menos maus procurarão destruir os seus adversários; em todos os casos, haverá luta, luta sangrenta, luta de extermínio, porque são dois elementos que têm interesses opostos. Para proteger os bens e as pessoas, serão necessárias leis; mas essas leis serão ditadas pelo interesse pessoal e não pela justiça; o forte as fará, em detrimento do fraco.
Suponhamos, agora, um mundo onde, entre os elementos maus que acabamos de ver, se encontrem alguns dos de segunda ordem; então, em meio da perversidade, veremos aparecer algumas virtudes. Se os bons estiverem em minoria, serão vítimas dos maus; mas, à medida que aumente a sua preponderância, a legislação será mais humana, mais eqüitativa, e a caridade cristã não será, para todos, uma letra morta. Desse próprio bem, vai nascer um outro vício. Malgrado a guerra que os maus declarem, sem cessar, aos bons, não poderão impedi-los de os estimar em seu foro íntimo; vendo a ascendência da virtude sobre o vício, e não tendo nem a força e nem a vontade de praticá-la, procurarão parodiá-la; tomam-lhe a máscara; daí os hipócritas, tão numerosos em toda sociedade onde a civilização é imperfeita.
Continuemos nossa rota através dos mundos, e detenhamo-nos neste, que nos vai repousar um pouco do triste espetáculo que acabamos de ver. Não é habitado senão por Espíritos da segunda ordem. Que diferença! O grau de depuração que alcançaram exclui, entre eles, todo pensamento do mal, e só essa palavra nos dá a idéia do estado moral dessa feliz região. A legislação, aí, é bem simples, porque os, homens não têm do que se defenderem, uns contra os outros; ninguém quer o mal para o seu próximo, ninguém se apropria do que não lhe pertence, ninguém procura viver em detrimento do seu vizinho. Tudo respira a benevolência e o amor; os homens não procuram se prejudicar; não há ódio; o egoísmo é desconhecido e a hipocrisia não teria finalidade. Aí, todavia, não reina a igualdade absoluta, porque a igualdade absoluta supõe uma identidade perfeita no desenvolvimento intelectual e moral; ora, veremos, pela escala espiritual, que a segunda ordem compreende vários graus de desenvolvimento; haverá, pois, nesse mundo, desigualdades, porque uns serão mais avançados do que outros; mas, como entre eles não há senão o pensamento do bem, os mais elevados não conceberão nada de orgulho, e os outros nada de ciúme. O inferior compreende a ascendência do superior e se submete, porque essa ascendência é puramente moral e ninguém dela se serve para oprimir.
As conseqüências que tiramos, desses quadros, embora apresentadas de um modo hipotético, não deixam de ser perfeitamente racionais, e, cada um pode deduzir o estado social de um mundo qualquer, segundo a proporção dos elementos morais dos quais se o supõe composto. Vimos que, abstração feita da revelação dos Espíritos, todas as probabilidades são para a pluralidade dos mundos; ora, não é menos racional pensar que todos não estão num mesmo grau de perfeição, e que, por isso mesmo, nossas suposições podem muito bem ser realidades. Não os conhecemos, senão o nosso, de um modo positivo. Que categoria ele ocupa nessa hierarquia? Ah! basta considerar o que aqui se passa para ver que está longe de merecer a primeira categoria, e estamos convencidos de que, lendo estas linhas, já se lhe terá marcado seu lugar. Quando os Espíritos nos dizem que estão, senão na última, pelo menos nas últimas, o simples bom senso nos diz, infelizmente, que não se enganam; temos muito a fazer para elevá-lo à categoria daquele que escrevemos em último lugar, e temos muita necessidade que o Cristo venha nos mostrar o caminho.
Quanto à aplicação, que podemos fazer, do nosso raciocínio, aos diferentes globos do nosso turbilhão planetário, não temos senão os ensinamentos dos Espíritos; ora, para quem não admite senão provas palpáveis, é positivo que sua asserção, a esse respeito, não tenha a certeza da experimentação direta. No entanto, não aceitamos, todos os dias com confiança as descrições, que os viajantes nos fazem, de países que jamais vimos? Se nós não devêssemos crer senão por nossos olhos, não creríamos em grande coisa. O que dá aqui, um certo peso ao dizer dos Espíritos, é a correlação que existe entre eles, pelo menos nos pontos principais. Para nós, que fomos cem vezes testemunhas dessas comunicações, que pudemos apreciá-las em seus menores detalhes, que nelas escrutamos o forte e o fraco, observamos as semelhanças e as contradições, encontramos todos os caracteres da probabilidade; todavia, não lhes damos senão sob benefício de inventário, a título de notícias, aos quais cada um está livre para ligar a importância que julga adequada. Segundo os Espíritos, o planeta Marte seria ainda menos avançado do que a Terra; os Espíritos que nele estão encarnados pareceriam pertencer, quase exclusivamente, à nona classe, a dos Espíritos impuros, de sorte que o primeiro quadro, que demos acima, seria a imagem desse mundo. Vários outros pequenos globos estão, com algumas nuanças, na mesma categoria. A Terra viria em seguida; a maioria de seus habitantes pertence, incontestavelmente, a todas as classes da terceira ordem, e a parte menor às últimas classes da segunda ordem. Os Espíritos superiores, os da segunda e da terceira classe, nela cumprem, algumas vezes, uma missão de civilização e progresso, e são exceções. Mercúrio e Saturno vêm depois da Terra. A superioridade numérica de bons Espíritos lhes dá a preponderância sobre os Espíritos inferiores, do que resulta uma ordem social mais perfeita, relações menos egoístas, e, por conseqüência, uma condição de existência mais feliz. A Lua e Vênus estão quase no mesmo grau e, sob todos os aspectos, mais avançados do que Mercúrio e Saturno. Juno (Juno é o nome de uma divindade itálica. Deve ter ocorrido um lapso do autor, uma vez que não ha, no nosso sistema solar, nenhum planeta com este nome. N. do T.) e Urano seriam ainda superiores a esses últimos. Pode-se supor que os elementos morais, desses dois planetas, são formados das primeiras classes da terceira ordem e, na grande maioria, de Espíritos da segunda ordem. Os homens, neles, são infinitamente mais felizes do que sobre a Terra, pela razão de que não têm nem as mesmas lutas a sustentar, nem as mesmas tribulações a suportar, e não estão expostos às mesmas vicissitudes físicas e morais.
De todos os planetas, o mais avançado, sob todos os aspectos, é Júpiter. Ali, é o reino exclusivo do bem e da justiça, porque não há senão bons Espíritos. Pode-se fazer um idéia do feliz estado dos seus habitantes pelo quadro que demos do mundo habitado sem a participação dos Espíritos da segunda ordem.
A superioridade de Júpiter não está somente no estado moral dos seus habitantes; está, também, na sua constituição física. Eis a descrição que nos foi dada, desse mundo privilegiado, onde encontramos a maioria dos homens de bem que honraram nossa Terra pelas suas virtudes e seus talentos.
A conformação dos corpos é quase a mesma desse mundo, mas é menos material, menos denso e de uma maior leveza específica. Ao passo que rastejamos penosamente na Terra, o habitante de Júpiter se transporta, de um lugar para outro, roçando a superfície do solo, quase sem fadiga, como o pássaro no ar ou o peixe na água. Sendo a matéria, da qual o corpo está formado, mais depurada, ela se dissipa, depois da morte, sem ser submetida à decomposição pútrida. Ali não existe a maioria das enfermidades que nos afligem, sobretudo aquelas que têm sua fonte nos excessos de todos os gêneros e na desordem causada pelas paixões. A alimentação está em relação com essa organização etérea; não seria bastante substanciosa para os nossos estômagos grosseiros, e a nossa seria muito pesada para eles; ela se compõe de frutas e plantas, e, aliás, haurem, de algum modo, a maior parte do meio ambiente do qual aspiram as emanações nutritivas. A duração da vida é, proporcionalmente, muito maior que sobre a Terra; a média equivale a cinco dos nossos séculos. O desenvolvimento também é muito mais rápido, e a infância dura apenas alguns de nossos meses.
Sob esse envoltório leve, os Espíritos se desligam facilmente e entram em comunicação recíproca unicamente pelo pensamento, sem excluir, todavia, a linguagem articulada; também a segunda vista é, para a maioria uma faculdade permanente; seu estado normal pode ser comparado ao dos nossos sonâmbulos lúcidos; é também porque se manifestam, a nós, mais facilmente do que aqueles que estão encarnados em mundos mais grosseiros e mais materiais. A intuição que têm do futuro, a segurança que lhes dá uma consciência isenta de remorsos, fazem com que a morte não lhes cause nenhuma apreensão; vêem-na chegar sem medo e como uma simples transformação.
Os animais não estão excluídos desse estado progressivo, sem se aproximarem, entretanto, do homem, mesmo sob o aspecto físico; seus corpos, mais materiais ligam-se ao solo, como nós à Terra. Sua inteligência ó mais desenvolvida do que nos nossos; a estrutura dos seus membros se dobra a todas exigências do trabalho; são encarregados da execução de obras manuais; são os servidores e os operários: as ocupações dos homens são puramente intelectuais. O homem é, para eles, uma divindade, mas uma divindade tutelar que jamais abusa do seu poder para oprimi-los.
Os Espíritos que habitam Júpiter, geralmente, se comprazem, quando querem se comunicar conosco na descrição do seu planeta, e quando se lhes pergunta a razão, respondem que é a fim de nos inspirar o amor ao bem pela esperança de, para lá, ir um dia. Foi com esse objetivo que um deles, que viveu na Terra com o nome de Bernard Palissy, o célebre oleiro do décimo sexto século, empreendeu, espontaneamente e sem ser solicitado para isso, uma série de desenhos tão notáveis, tanto pela sua singularidade quanto pelo talento da execução, e destinado a nos dar a conhecer, até nos menores detalhes, esse mundo tão estranho e tão novo para nós. Alguns retratam personagens, animais, cenas da vida privada; mas, os mais notáveis, são aqueles que representam habitações, verdadeiras obras-primas das quais nada sobre a Terra poderia nos dar uma idéia, porque essa não parece com nada do que conhecemos; é um gênero de arquitetura indescritível, tão original e, no entanto, tão harmoniosa, de uma ornamentação tão rica e tão graciosa, que desafia a mais fecunda imaginação. O senhor Victorien Sardou, jovem literato e dos nossos amigos, cheio de talento e de futuro mas em nada desenhista, lhes serviu de intermediário. Palissy nos promete uma série que nos dará, de algum modo, a monografia ilustrada desse mundo maravilhoso. Esperamos que essa curiosa e interessante coletânea sobre a qual voltaremos num artigo especial consagrado aos médiuns desenhistas, poderá ser, um dia, entregue ao público.
O planeta Júpiter, apesar do quadro sedutor que dele nos foi dado, não é o mais perfeito entre os mundos. Há outros, desconhecidos para nós, que lhes são bem superiores, no físico e no moral, e cujos habitantes gozam de uma felicidade ainda mais perfeita; lá é a morada dos Espíritos mais elevados, cujo envoltório etéreo nada mais tem das propriedades conhecidas da matéria.
Várias vezes, perguntaram-nos se pensamos que a condição do homem nesse mundo é um obstáculo absoluto a que pudesse passar, sem intermediário, da Terra para Júpiter. A todas as questões que tocam à Doutrina Espírita, jamais respondemos segundo as nossas próprias idéias, contra as quais estamos sempre desconfiando. Limitamo-nos a transmitir o ensinamento que nos foi dado, ensinamento que não aceitamos com leviandade e com um entusiasmo irrefletido. À questão acima, respondemos simplesmente, porque tal é o sentido formal das nossas instruções e o resultado das nossas próprias observações: SIM, o homem, deixando a Terra, pode ir imediatamente para Júpiter, ou para um mundo análogo, porque esse não é único dessa categoria. Pode-se disso ter a certeza? NÃO. Pode-se para lá ir porque há, sobre a Terra, embora em pequeno número, Espíritos bastante bons e bastante desmaterializados para não serem deslocados para um mundo onde o mal não tem acesso. Não há a certeza disso, porque pode-se se iludir sobre o mérito pessoal, e pode-se, aliás, ter uma outra missão a cumprir. Aqueles que podem esperar esse favor, não são, seguramente, nem os egoístas, nem os ambiciosos, nem os avaros, nem os ingratos, nem os ciumentos, nem os orgulhosos, nem os vaidosos, nem os hipócritas, nem os sensuais, nem nenhum daqueles que estão dominados pelo amor aos bens terrestres; a estes, talvez, seja preciso, ainda, longas e rudes provas. Isso depende de sua vontade.

A pluralidade dos mundos

Revista Espírita, março de 1858
Quem não teria perguntado, considerando a Lua e os outros astros, se esses globos são habitados? Antes que a ciência nos tivesse iniciado quanto à natureza desses astros, disso se podia duvidar hoje, no estado atual dos nossos conhecimentos, há, pelo menos, probabilidades; mas fizeram-se a essa idéia, verdadeiramente sedutora, objeções tiradas da própria ciência. A Lua, diz-se, parece não ter mais atmosfera, e, talvez, água. Em Mercúrio, tendo em vista a sua proximidade do Sol, a temperatura média deve ser a do chumbo fundido, de sorte que, se houver chumbo, deverá correr como a água dos nossos rios. Em Saturno, é tudo o oposto; não temos termo de comparação para o frio que nele deve reinar; a luz do Sol, ali, deve ser muito fraca, apesar do reflexo das suas sete luas e do seu anel, porque, a essa distância, o Sol não deve parecer senão como uma estrela de primeira grandeza. Em tais condições, pergunta-se se seria possível viver.
Não se concebe que, uma semelhante objeção possa ser feita por homens sérios. Se a atmosfera da Lua não pôde ser percebida, é racional que disso se infere que não exista? Não pode estar formada de elementos desconhecidos ou muito rarefeitos para não produzir refração sensível? Diremos a mesma coisa da água ou dos líquidos que nela existam. Com relação aos seres vivos, não seria negar o poder divino crendo impossível uma organização diferente da que nós conhecemos, quando, sob os nossos olhos, a previdência da Natureza se estende com uma solicitude tão admirável até o menor dos insetos, e dá, a todos os seres, órgãos apropriados ao meio ao qual devem habitar, seja sob a água, o ar ou a terra, seja mergulhados na obscuridade ou expostos ao clarão do Sol? Se não tivéssemos jamais visto os peixes, não poderíamos conceber seres vivos na água; não faríamos uma idéia da sua estrutura. Quem poderia crer, ainda há pouco tempo, que um animal pudesse viver um tempo indefinido no seio de uma pedra! Mas, sem falar desses extremos, os seres que vivem sob o fogo da zona tórrida poderiam existir nos gelos polares? E, todavia, há, nesses gelos, seres organizados para esse clima rigoroso e que não poderiam suportar o ardor de um sol vertical. Por que, pois, não admitiríamos que seres possam estar constituídos de modo a viverem sobre outros globos e num meio todo diferente do nosso? Seguramente, sem conhecer a funde a constituição física da Lua, dela sabemos o bastante para estarmos certos de que, tais como somos, ali não poderíamos viver, tanto como não o podemos no seio do Oceano, em companhia dos peixes. Pela mesma razão, os habitantes da Lua, se pudessem vir à Terra, constituídos para viverem sem ar, ou num ar muito rarefeito, talvez muito diferente do nosso, seriam asfixiados em nossa espessa atmosfera, como o somos quando calmos na água. Ainda uma vez, se não temos a prova material e visual da presença de seres vivos em outros mundos, nada prova que não possam existir, cujo organismo seja apropriado a um meio ou a um clima qualquer. O simples bom senso nos diz, ao contrário, que assim deve ser, porque repugna à razão crer que esses inumeráveis globos que circulam no espaço não são senão massas inertes e improdutivas. A observação nos mostra, deles, superfícies acidentadas por montanhas, vales, barrancos, vulcões extintos ou em atividade; por que, pois, não haveriam seres orgânicos? Seja, dir-se-á; que haja plantas, mesmo animais, isso pode ser; mas seres humanos, homens civilizados como nós, conhecendo Deus, cultivando as artes, as ciências, isso será possível?
Seguramente, nada prova, matematicamente, que os seres que habitam os outros mundos sejam homens como nós, moralmente falando; mas, quando os selvagens da América viram desembarcar os Espanhóis, não duvidaram mais que, além dos mares, existia um outro mundo cultivando artes que lhes eram desconhecidas. A terra é salpicada de uma inumerável quantidade de ilhas, pequenas ou grandes, e tudo o que é habitável está habitado; não surge um rochedo no mar que o homem não plante, no instante, sua bandeira. Que diríamos se os habitantes de uma das menores dessas ilhas, conhecendo perfeitamente a existência das outras ilhas e continentes, mas, jamais havendo tido relações com aqueles que os habitam, se cressem os únicos seres vivos do globo? Nós lhes diríamos: Como podeis crer que Deus haja feito o mundo só para vós? Por qual estranha bizarria vossa pequena ilha, perdida num canto do Oceano, teria o privilégio de ser a única habitada? Podemos dizer outro tanto de nós com respeito às outras esferas. Por que a Terra, pequeno globo imperceptível na imensidão do Universo, que não se distingue dos outros planetas nem pela sua posição, nem pelo seu volume, nem pela sua estrutura, porque não é nem a menor nem a maior, nem está no centro e nem na extremidade, por que, digo, seria, entre tantas outras, a única residência de seres racionais e pensantes? Que homem sensato poderia crer que esses milhões de astros, que brilham sobre as nossas cabeças, tenham sido feitos para recrear a nossa visão? Qual seria, então, a utilidade desses outros milhões de globos imperceptíveis a olho nu, e que não servem nem mesmo para nos clarear? Não haveria, ao mesmo tempo, orgulho e impiedade em pensar que assim deve ser? Àqueles que a impiedade pouco toca, diremos que é ilógico.
Chegamos, pois, por um simples raciocínio, que muitos outros fizeram antes de nós, a concluir pela pluralidade dos mundos, e esse raciocínio se encontra confirmado pela revelação dos Espíritos. Eles nos ensinam, com efeito, que todos esses mundos são habitados por seres corpóreos apropriados à constituição física de cada globo; que, entre os habitantes desses mundos, uns são mais, outros são menos, avançados do que nós do ponto de vista intelectual, moral e mesmo físico. Ainda mais, hoje, sabemos que podemos entrar em relação com eles, e deles obter notícias sobre o seu estado; sabemos, ainda, que não só todos esses globos são habitados por seres corpóreos, mas, que o espaço está povoado por seres inteligentes, invisíveis para nós por causa do véu material lançado sobre a nossa alma, e que revelam a sua existência por meios ocultos ou patentes. Assim, tudo é povoado no Universo, a vida e a inteligência estão por toda parte: sobre os globos sólidos, no ar, nas entranhas da terra, e até nas profundezas etéreas. Haverá, nessa doutrina, alguma coisa que repugne à razão? Não é, ao mesmo tempo, grandiosa e sublime? Ela nos eleva pela nossa própria pequenez, diferentemente desse pensamento egoísta e mesquinho que nos coloca como os únicos seres dignos de ocupar o pensamento de Deus.


AS HABITAÇÕES DO PLANETA JÚPITER. 
 
Um grande motivo de espanto para certas pessoas, convencidas aliás da
existência dos Espíritos (não vou aqui me ocupar das outras), é que tenham,
como nós, suas habitações e suas cidades. Não me pouparam as críticas:
"Casas de Espíritos em Júpiter!... Que gracejo!..." - Gracejo, se assim se o
deseja; nada tenho com isso. Se o leitor não encontra aqui, na
verossimilhança de explicações, uma prova suficiente de sua verdade; se não
está surpreso, como nós, quanto ao perfeito acordo dessas revelações
espíritas com os dados mais positivos da ciência astronômica; se não vê,
numa palavra, senão uma hábil mistificação nos detalhes que seguem e nos
desenhos que os acompanham, convido-o a se explicar com os Espíritos, dos
quais não sou senão um instrumento e o eco fiel. Que ele evoque Palissy ou
Mozart ou um outro habitante dessa morada bem-aventurada, que o interrogue, que controle minhas afirmações pelas suas, enfim, que discuta com ele:
 
porque, por mim, não faço senão apresentar aqui o que me foi dado, senão
repetir o que me foi dito; e para esse papel absolutamente passivo, creio-me
ao abrigo tanto da censura como também do elogio. 
 
Feita essa reserva, e uma vez admitida a confiança nos Espíritos, aceita
como verdade a única doutrina verdadeiramente bela e sábia que a evocação
dos mortos nos revelou até hoje, quer dizer, a migração das almas de
planetas em planetas, suas encarnações sucessivas e seu progresso incessante pelo trabalho, as habitações de Júpiter não terão mais motivo para nos espantar. Desde o momento em que um Espírito se encarna em um mundo submetido, como o nosso, a uma dupla revolução, quer dizer, à alternativa de dias e de noites e ao retorno periódico das estações, do momento em que ele possui um corpo, esse envoltório material, tão frágil que seja, não pede senão uma alimentação e roupas, mas também um abrigo ou, pelo menos, um lugar de repouso, conseqüente-mente uma moradia. Com efeito, é bem o que nos foi dito. Como nós, e melhor do que nós, os habitantes de Júpiter têm seus lares comuns e suas famílias, grupos harmônicos de Espíritos simpáticos, unidos no triunfo depois de sê-lo na luta: daí as habitações tão espaçosas, as quais se pode aplicar, com justiça, o nome de palácios. Ainda como nós, esses Espíritos têm suas festas, suas cerimônias, suas reuniões públicas:
 
daí certos edifícios especialmente destinados a esses usos. É preciso
prever, enfim, encontrar nessas regiões superiores toda uma Humanidade ativa e laboriosa, como a nossa, submetida como nós às suas leis, às suas
necessidades, aos seus deveres; mas com essa diferença de que o progresso, rebelde aos nossos esforços, torna-se uma conquista fácil para os Espíritos desligados, como eles o são, de nossos vícios terrestres. 
 
Não deveria me ocupar aqui senão da arquitetura das suas habitações, mas
para a própria inteligência dos detalhes que vão seguir, uma palavra de
explicação não será inútil. Se Júpiter não é abordável senão pelos bons
Espíritos, não se segue que seus habitantes sejam todos excelentes no mesmo grau: entre a bondade do simples e a do homem de gênio, é permitido contar muitas nuanças. Ora, toda a organização social desse mundo superior repousa precisamente sobre essas variedades de inteligências e de aptidões; e, em razão de leis harmoniosas, que seria muito longo explicar aqui, aos
Espíritos mais elevados, os mais depurados, é que pertence a alta direção de
seu planeta. Essa supremacia não se detém aí; ela se estende até os mundos
inferiores, onde esses Espíritos, por suas influências, favorecem e ativam
sem cessar o progresso religioso, gerador de todos os outros. E necessário
acrescentar que, para esses Espíritos depurados, não poderia ser questão
senão de trabalho de inteligência, que sua atividade não se exerce mais do
que no domínio de seu pensamento, e que adquiriram bastante império sobre a matéria para não serem, senão fracamente, entravados por ela no livre
exercício de suas vontades? Os corpos de todos esses Espíritos, e, aliás, de
todos os Espíritos que habitam Júpiter, é de uma densidade tão leve que não
se pode lhe encontrar termo de comparação senão nos fluidos imponderáveis;
um pouco maior do que o nosso, do qual reproduz exatamente a forma, porém mais pura e mais bela, se nos oferece sob a aparência de um vapor (emprego com pesar essa palavra que designa uma substância ainda muito grosseira), de um vapor, digo, imperceptível e luminoso, luminoso sobretudo nos contornos do rosto e da cabeça; porque aqui a inteligência e a vida irradiam como um foco ar-dente; e é bem esse clarão magnético entrevisto pelos visionários cristãos e que nossos pintores traduziram pelo nimbo e pela auréola dos santos. 
 
Concebe-se que um tal corpo não dificulte, senão fracamente, as comunicações extra-mundanas desses Espíritos, e que lhes permite mesmo, em seu planeta, um desloca-mento pronto e fácil. Ele escapa tão facilmente à atração planetária e sua densidade difere tão pouco da atmosfera, que pode aí se mover, ir e vir, descer ou subir, ao capricho do Espírito e sem outro
esforço que o da sua vontade. Tanto que algumas personagens que Palissy
consentiu me fazer desenhar, estão representadas ao rasante do solo, ou à
flor da água, ou muito elevadas no ar, com toda liberdade de ação e de
movimentos que emprestamos aos nossos anjos. Essa locomoção é tanto mais fácil para o Espírito quanto mais esteja depurado, e isso se concebe sem
dificuldade; também nada é mais fácil, aos habitantes do planeta, que
estimar, à primeira vista, o valor de um Espírito que passa; dois sinais
falarão por ele: a altura do seu vôo e a luz mais ou menos brilhante de sua
auréola. 
 
Em Júpiter, como por toda parte, aqueles que voam mais alto são os mais
raros; abaixo deles, é preciso contar várias camadas de Espíritos
inferiores, em virtude como em poder, mas naturalmente livres para
igualá-los, um dia, em se aperfeiçoando. Escalonados e classificados segundo seus méritos, estes são votados mais particularmente aos trabalhos que interessam ao próprio planeta, e não exercem, sobre os mundos inferiores, a autoridade todo-poderosa dos primeiros. Eles respondem, é verdade, a uma evocação, com palavras sábias e boas, mas à pressa que tem em nos deixar, ao  laconismo de suas palavras, é fácil de compreender que têm muito a fazer alhures, e que não estão ainda bastante libertos para irradiarem, ao mesmo tempo, sobre dois pontos tão distantes um do outro. Enfim, depois dos menos perfeitos desses Espíritos, mas separados deles por um abismo, vêm os animais que, como os únicos serviçais e os únicos obreiros do planeta, merecem uma menção toda especial. 
 
Se designamos sob esse nome de animais os seres bizarros que ocupam a base da escala, foi porque os próprios Espíritos o puseram em uso e, aliás, nossa própria língua não tem termo melhor para nos oferecer. Essa designação os deprecia um pouco para baixo; mas chamá-los de homens seria fazer-lhes muita honra: com efeito, são Espíritos votados à animalidade, talvez por longo tempo, talvez para sempre; porque nem todos os Espíritos estão de acordo sobre esse ponto, e a solução do problema parece pertencer a mundos mais elevados do que Júpiter, mas, qualquer que seja o seu futuro, não há com que se enganar quanto ao seu passado. Esses Espíritos, antes de irem para lá, emigraram sucessivamente em nossos baixos mundos, do corpo de um animal para o de um outro, em uma escala de aperfeiçoamento perfeitamente graduada. O estudo atento dos nossos animais terrestres, seus costumes, seus caracteres individuais, sua ferocidade longe do homem, e sua domesticação lenta mas sempre possível, tudo isso atesta suficientemente a realidade dessa ascensão animal. 
 
Assim, para qualquer lado que se volte, a harmonia do Universo se resume
sempre numa única lei: o progresso por toda parte e para todos, para o
animal como para a planta, para a planta como para o mineral; progresso
puramente material no início, nas moléculas insensíveis do metal ou do
calhau, e mais e mais inteligente à medida que remontamos à escala dos seres e que a individualidade tende a se libertar da massa, a se afirmar, a se
conhecer. - Pensamento elevado e consolador, se assim não fora jamais;
porque prova que nada é sacrificado, que a recompensa é sempre proporcional ao progresso alcançado; por exemplo, que o devotamento do cão que morre por seu senhor não será estéril para o seu Espírito, porque terá seu justo salário além deste mundo. 
 
É o caso dos Espíritos animais que povoam Júpiter; aperfeiçoaram-se ao mesmo tempo que nós, conosco e com a nossa ajuda. A lei é mais admirável ainda:
 
ela faz tão bem do seu devotamento ao homem a primeira condição para a sua ascensão planetária, que a vontade de um Espírito de Júpiter pode chamar para si todo animal que, em uma das suas vidas anteriores, lhe haja dado provas de afeição. Essas simpatias que formam, no Mais Alto, famílias de Espíritos, agrupam também, ao redor das famílias, todo um cortejo de animais devotados. Por conseqüência, nosso apego neste mundo por um animal, o cuidado que tomamos para abrandá-lo e humanizá-lo, tudo isso tem a sua razão de ser, tudo isso será pago: é um bom servidor que formamos antecipadamente para um mundo melhor.
 
Será também um operário; porque aos seus semelhantes está reservado todo
trabalho material, toda tarefa corporal: fardo ou alvenaria, semeadura ou
colheita. E, para tudo isso, a Suprema Inteligência proveu por um corpo que
participa, ao mesmo tempo, da superioridade da besta e da do homem. Isso
podemos julgar por um esboço de Palissy, que representa alguns desses
animais muito atentos a jogarem bolas. Eu não poderia melhor compará-los
senão aos faunos e aos sátiros da Fábula; o corpo ligeiramente peludo é
todavia aprumado como o nosso; as patas desapareceram em alguns para darem
lugar a certas pernas que lembram ainda a forma primitiva, a dois braços
robustos, singularmente ligados e terminados por verdadeiras mãos, se nelas
considero a oposição dos dedos. Coisa bizarra, a cabeça, ao contrário, não é
tão aperfeiçoada quanto o resto! Assim, a fisionomia reflete bem alguma
coisa de humano, mas o crânio, mas o maxilar e, sobretudo, a orelha, nada
têm que diferem sensivelmente do animal terrestre; fácil é, pois,
distingui-los entre si: este é um cão, aquele um leão. Propriamente vestidos
com blusas e vestes muito semelhantes às nossas, não esperam mais do que a palavra  para lembrarem, de muito perto, certos homens deste mundo; mas, eis precisamente o que lhes falta, assim como o que não poderiam fazer. Hábeis para se compreenderem entre si por uma linguagem que nada tem da nossa, não se enganam mais sobre as intenções dos Espíritos que os comandam; um olhar, um gesto bastam. A certos recursos magnéticos, dos quais nossos domadores de animais já têm o segredo, o animal adivinha e obedece sem murmurar, e o que é mais, de bom grado, porque está sob o encanto. Assim é que se lhe impõe toda grande tarefa, e que com a sua ajuda tudo funciona regularmente de um ex-tremo ao outro da escala social: o Espírito elevado pensa, delibera, o Espírito inferior aplica com a sua própria iniciativa, o animal executa.
Assim a concepção, o emprego e o fato se unem numa mesma harmonia, e
conduzem todas as coisas para seu fim mais próprio, pelos meios mais simples e mais seguros. 
 
Peço desculpas por esta digressão: era indispensável ao meu objetivo, que
agora posso abordar. 
 
À espera das cartas prometidas, que facilitarão singularmente o estudo de
todo o planeta, podemos, pelas descrições feitas pelos Espíritos, fazer-nos
uma idéia de sua grande cidade, da cidade por excelência, desse foco de luz
e de atividade que concordam em designar sob o nome, estranhamente latino,
de Julnius.  
"Sobre o maior dos nossos continentes, disse Palissy, em um vale de
setecentas a oitocentas léguas de largura, para contar como vós, um rio
magnífico descendo das montanhas do norte, e aumentado por uma multidão de torrentes e de ribeirões, forma, em seu percurso, sete a oito lagos, dos
quais o menor mereceria, entre vós, o nome de mar. Foi sobre as margens do
maior desses lagos, batizado por nós com o nome de a Pérola, que nossos
ancestrais lançaram os primeiros fundamentos de Julnius. Essa cidade
primitiva ainda existe, venerada e conservada como uma preciosa relíquia.
Sua arquitetura difere muito da nossa. Explicar-te-ei tudo isso a seu tempo:
saiba apenas que a cidade moderna está a uns cem metros mais abaixo da
antiga. O lago, encaixado nas altas montanhas, se derrama no vale por oito
cataratas enormes, que formam igualmente correntes isoladas e dispersas em
todos os sentidos. Com a ajuda dessas correntes, nós mesmos cavamos, na
planície, uma multidão de riachos, de canais e de tanques, não reservando a
terra firme senão para nossas casas e nossos jardins. Disso resultou uma
espécie de cidade anfíbia, como vossa Veneza, e da qual não se poderia
dizer, à primeira vista, se está edificada sobre a terra ou sobre a água.
Não te digo nada hoje de quatro edifícios sagrados, construídos sobre a
própria vertente das cataratas, de sorte que a água jorra em abundância de
seus pórticos: aí estão obras que vos pareceriam inacreditáveis pela
grandeza e audácia. 
 
"É a cidade terrestre que descrevo aqui, a cidade de alguma sorte material,
a das ocupações planetárias, a que chamamos, enfim, a Cidade baixa. Ela tem suas ruas, ou antes, seus caminhos, traçados para o serviço interior; tem
suas praças públicas, seus pórticos e suas pontes lançadas sobre os canais
para a passagem dos servidores. Mas a cidade inteligente, a cidade
espiritual, a verdadeira Julnius, enfim, não é na terra que é preciso
procurá-la, é no ar. 
 
"Ao corpo material de nossos animais, incapazes de voarem, (1), ((1) É
preciso, todavia, deles excetuar certos animais munidos de asas e reservados
para o serviço aéreo, e para os trabalhos que exigiriam, entre nós, o
emprego de madeiramentos. São uma transformação da ave, como os animais descritos mais acima são uma transformação dos quadrúpedes.) é preciso a terra firme; mas o que nosso corpo fluídico e luminoso exige, é uma
residência aérea como ele, quase impalpável e móvel ao gosto de nosso
capricho. Nossa habilidade resolveu esse problema, com a ajuda do tempo e
das condições privilegiadas que o Grande Arquiteto nos havia dado.
Compreenda bem que essa conquista dos ares era indispensável a Espíritos
como os nossos. Nosso dia é de cinco horas, e nossa noite de cinco horas
igualmente; mas tudo é relativo, e para seres prontos para pensarem e agirem
como nós o somos, para Espíritos que se compreendem pela linguagem dos olhos e que sabem se comunicar, magneticamente, à distância, nosso dia de cinco horas igualaria já em atividade uma de vossas semanas. Era ainda muito pouco, na nossa opinião; e a imobilidade da morada, o ponto fixo da sede era um entrave para todas as nossas grandes obras. Hoje, pelo deslocamento fácil dessas moradas de pássaros, pela possibilidade de transportar, nós e os outros, em tal lugar do planeta e tal hora do dia que nos aprazas-se, nossa existência é pelo menos dobrada, e com ela tudo o que pode criar de útil e de grande. 
 
"Em certas épocas do ano, acrescentou o Espírito, em certas festas, por
exemplo, verias aqui o céu obscurecido pelo enxame de habitações que vêm de todos os pontos do horizonte. É um curioso conjunto de casas esbeltas,
graciosas e leves, de toda forma, de toda cor, balançando em toda altura, e
continuamente a caminho da cidade baixa para a cidade celeste: Alguns dias
depois o vazio se faz pouco a pouco e todos esses pássaros voam. 
 
"Nada falta a essas moradias flutuantes, nem mesmo o encanto da verdura e
das flores. Falo de uma vegetação sem exemplo entre vós, de plantas, de
arbustos mesmo destinados, pela natureza de seus órgãos, a respirar, a se
alimentar, a viver, a se reproduzir no ar. 
 
"Nós temos, disse o mesmo Espírito, dessas moitas de flores enormes, das
quais não poderíeis imaginar nem as formas nem as nuanças, e de uma leveza de tecido que as torna quase transparentes. Balançando no ar, onde longas folhas as sustem, e armadas de gavinhas semelhantes às da videira, se reúnem em nuvens de mil tintas ou se dispersam ao sabor do vento, e preparam encantador espetáculo aos passeadores da cidade baixa... imagine a graça dessas jangadas de verdura, desses jardins flutuantes que nossa vontade pode fazer e desfazer e que duram, às vezes, toda uma estação! Longas fiadas de cipó de ramos floridos se destacam dessas alturas e pendem até a terra, pencas enormes se agitam sacudindo seus perfumes e suas pétalas que se desfolham... Os Espíritos que atravessam o ar aí se detêm na passagem: é um lugar de repouso e de reencontro, e, querendo-se, um meio de transporte para rematar a viagem sem fadiga e em companhia." 
 
Um outro Espírito estava sentado sobre uma dessas flores no momento em que eu o evoquei. 
 
"Nesse momento, disse-me ele, é noite em Julnius, estou sentado à parte
sobre uma dessas flores do ar que não desabrocham aqui senão à claridade de nossas luas. Sob meus pés toda cidade baixa dorme; mas sobre minha cabeça e ao meu redor, a perder de vista, não há senão movimento e alegria no espaço.
Dormimos pouco: nossa alma é muito desligada para que as necessidades do
corpo sejam tirânicas; e a noite é antes feita para nossos servidores do que
para nós. É a hora das visitas e das longas conversas, de passeadores
solitários, de fantasias, da música. Não vejo senão moradas aéreas
resplandecentes de luzes ou jangadas de folhas e de flores carregadas de
bandos alegres... A primeira de nossas ruas clareia toda a cidade baixa: é
uma doce luz comparável a de vosso luar; mas, do lado do lago, a segunda se
eleva, e esta tem reflexos esverdeados que dão a todo o rio o aspecto de um
grande gramado..." 
 
É sobre a margem direita desse rio, "cuja água, disse o Espírito, te
ofereceria a consistência de um leve vapor (1), ((1) A densidade de Júpiter
sendo de 0,23, quer dizer, um pouco menos de um quarto da Terra, o Espírito
nada disse aqui senão de muito verossímil. Concebe-se que tudo é relativo, e
que sobre esse globo etéreo tudo seja etéreo como ele.) " que está
construída a casa de Mozart, que Palissy consentiu fazer-me desenhar sobre
cobre. Não dou aqui senão a fachada sul. A grande entrada está à esquerda,
sobre a planície; à direita está o rio; ao norte e ao sul estão os jardins.
Perguntei a Mozart quem eram os seus vizinhos. - "Mais alto, disse, e mais
baixo, há dois Espíritos que tu não desconheces; mas à esquerda, não estou
separado senão por uma grande campina do jardim de Cervantes." 
 
A casa tem, pois, quatro faces como as nossas, do que seria errado, todavia,
fazer uma regra geral. Ela está construída com uma certa pedra que os
animais tiram das pedreiras do norte, é das quais o Espírito compara a cor a
esses tons esverdeados que to-ma, freqüentemente, o azul do céu no momento em que o sol se deita. Quanto à sua duração pode-se dela fazer uma idéia por esta observação de Palissy, que ela derreteria sob nossos dedos humanos tão rápida quanto um floco de neve: ainda está aí uma das matérias mais resistentes do planeta! Sobre essa parede os Espíritos esculpiram ou incrustaram os estranhos arabescos que nosso desenho procura reproduzir. São ou ornamentos escavados nas pedras e coloridos em seguida, ou incrustações limitadas à solidez da pedra verde, por um procedimento que está muito em voga agora, e que conserva nos vegetais toda a graça de seus contornos, toda a finura de seus tecidos, toda a riqueza de seu colorido. 
 
"Uma descoberta, acrescentou o Espírito, que fareis algum dia e que mudará
entre vós muitas coisas." 
 
A grande janela da direita apresenta um exemplo de gênero de ornamentação, uma de suas bordas não é outra coisa senão um caniço enorme do qual se conservaram as folhas. Ocorre o mesmo com o coroamento da janela principal, que apresenta a forma de claves de sol: são plantas sarmentosas enlaçadas e petrificadas. E por esse procedimento que eles obtêm a maioria dos coroamentos de edifícios, de grades, de balaústres, etc. Freqüentemente
mesmo, a planta é colocada na parede, com suas raízes, em condições de
crescer livremente. Ela cresce, se desenvolve; suas folhas desabrocham ao
acaso, e o artista não a congela no lugar senão quando adquiriu todo o
desenvolvimento desejado para a ornamentação do edifício: a casa de Palissy
é quase inteiramente decorada desse modo. 
 
Destinada primeiro unicamente aos móveis, depois às molduras de portas e de janelas, esse gênero de ornamento se aperfeiçoou pouco a pouco e acabou por invadir toda a arquitetura. Hoje, não são apenas a flor e o arbusto que se petrificam no estado, mas a própria árvore da raiz ao topo; e os palácios, como os edifícios sagrados quase nada mais têm de outras colônias. 
 
Uma petrificação da mesma natureza serve também para a decoração das
janelas. De flores ou de folhas muito amplas, são habilmente despojadas de
sua parte carnuda: não resta mais do que uma rede de fibras, tão fina quanto
a mais fina musselina. E cristalizada, e dessas folhas unidas com arte,
constrói-se toda uma janela, que não deixa filtrar, para o interior, senão
uma luz muito doce: ou bem as reveste com uma espécie de vidro líquido e
colorido com todas as nuanças, que se endurece no ar e que transforma a
folha em uma espécie de vidraça. Do conjunto dessas folhas resultam, para
janelas, encanta-dores bosquezinhos transparentes e luminosos. 
 
Quanto à própria duração dessas aberturas, e a mil outros detalhes que podem surpreender ao primeiro contato, sou forçado a adiar-lhes a explicação: a história da arquitetura em Júpiter exigiria um volume inteiro. Renuncio igualmente a falar do mobiliário, para não me ater aqui senão à disposição geral da casa. 
 
O leitor deve ter compreendido, depois de tudo o que precede, que a casa do
continente não deve ser, para o Espírito senão uma espécie de pequena casa
de passagem. A cidade baixa não é quase freqüentada senão por Espíritos de
segunda ordem, encarregados dos interesses planetários, da agricultura, por
exemplo, ou das trocas, e da boa ordem a manter entre os servidores. Também todas as casas que repousam sobre o solo, geralmente, não têm senão um térreo e um andar: um destinado aos Espíritos que agem sob a direção do senhor, e acessível aos animais; o outro, reservado só ao Espírito, que nele não mora senão por ocasião. É isso que explica por que vemos, nas várias casas de Júpiter, nesta por exemplo, e na de Zoroastro, uma escada e mesmo uma rampa. Aquele que rasa a água como uma andorinha, e que pode correr sobre as hastes de trigo sem curvá-las, dispensa muito bem escada e rampa para entrar em sua casa; mas os Espíritos inferiores não têm o vôo tão fácil: não se elevam senão pela agitação, e a rampa não lhes é sempre inútil. Enfim, a escada é absoluta necessidade para os animais serviçais, que não caminham senão como nós. Estes últimos têm também seus compartimentos, muito elegantes, de resto, que fazem parte de todas as
grandes habitações; mas suas funções os chamam, constantemente, à casa do senhor: é preciso facilitar-lhes a entrada e o percurso interior. Daí essas
construções bizarras, que, pela base, assemelham-se ainda aos nossos
edifícios terrestres, e que deles diferem absolutamente pelo vértice. 
 
Este se distingue, sobretudo, por uma originalidade que seríamos incapazes
de imitar. É uma espécie de flecha aérea que se balança sobre o alto do
edifício, acima da grande janela de seu original coroamento. Esse frágil
escaler, fácil de deslocar, e todavia destinado, no pensamento do artista, a
não deixar o lugar que lhe foi assinalado, porque sem repousar em nada sobre o cume, completa-lhe, no entanto, a decoração, e lamento que a dimensão da prancha não haja permitido que nela encontrasse lugar. Quanto à morada de Mozart não tenho aqui senão que constatar-lhe a existência: os limites desse artigo não me permitem estender-me sobre esse assunto. 
 
Não terminaria, todavia, sem me explicar, de passagem, sobre o gênero de
orna-mentos que o grande artista escolheu para a sua moradia. É fácil neles
reconhecer a lembrança de nossa música terrestre: a clave de sol ai está
freqüentemente repetida, e, coisa bizarra, jamais a clave de fá!. Na decoração do térreo encontramos um arco de violino, uma espécie de grande
alaúde ou de bandolim, uma lira e toda uma pauta musical. Mais alto, é uma
grande janela que lembra, vagamente, a forma de um órgão; os outros têm
aparência de grandes notas, e notas mais pequenas são abundantes por sobre toda a fachada. 
 
Seria erro disso concluir que a música de Júpiter seja comparável à nossa, e
que se conta pelos mesmos sinais: Mozart explicou-se sobre ela de modo a não deixar dúvidas a esse respeito; mas os Espíritos lembram, de bom grado, na decoração de suas casas, a missão terrestre que lhes mereceu a encarnação em Júpiter e que resume melhor o caráter de sua inteligência. Assim, na casa de Zoroastro são os astros e a chama que fazem todos os detalhes da decoração. 
 
Há mais; parece que esse simbolismo tem suas regras e seus segredos. Todos esses ornamentos não estão dispostos ao acaso: têm sua ordem lógica e sua significação precisa; mas é uma arte que os Espíritos de Júpiter renunciamem nos fazer compreender, pelo menos até este dia, e sobre a qual não se explicam de bom grado. Nossos velhos arquitetos empregaram também o simbolismo na decoração de suas catedrais; e a torre de Saint-Jacques não é nada menos que um poema hermético, se se crê na tradição. Nada há, pois, para nos espantar na estranheza e na decoração arquitetônica em Júpiter; se ela contradiz nossas idéias quanto à arte humana, é que há, com efeito, todo um abismo entre uma arquitetura que vive e que fala e uma alvenaria, como a nossa, que nada prova. Nisso, como em toda outra coisa, a prudência nos proíbe esse erro do relativo que quer tudo conduzir às proporções e aos hábitos do homem terrestre. Se os habitantes de Júpiter estivessem alojados como nós, se comessem, vivessem, dormissem e andassem como nós, não haveria grande proveito em subir para lá. É bem porque seu planeta difere absolutamente do nosso que desejamos conhecê-lo, e sonhá-lo como nossa futura morada! 
 
De minha parte, não perderia o meu tempo e estaria bem feliz por terem os
Espíritos me escolhido para seu intérprete, se seus desenhos e suas
descrições inspirarem, a um único crente, o desejo de subir mais rápido para
Julnius, e a coragem de tudo fazer para isso conseguir. 
 
VICTORIEN SARDOU.
 
 
 
O autor dessa interessante descrição é um desses adeptos fervorosos e
esclarecidos que não temem confessar francamente suas crenças, e se coloca acima da critica de pessoas que não crêem em nada daquilo que sai do círculo de suas idéias. Ligar seu nome a uma doutrina nova, desafiando os sarcasmos, é uma coragem que não é dada a todo mundo, e felicitamos o senhor V. Sardou por tê-la. Seu trabalho revela o escritor distinto que, embora jovem ainda, já conquistou um lugar honroso na literatura, e une ao talento de escrever, os profundos conhecimentos de sábio; nova prova que o Espiritismo não recruta entre os tolos e os ignorantes. Fazemos votos para que o senhor
Sardou complete, o mais rápido possível, seu trabalho tão felizmente
começado. Se os astrônomos nos revelam, por suas sábias pesquisas, o
mecanismo do Universo, os Espíritos, por suas revelações, nos fazem conhecer o seu estado moral e isso, como eles dizem, com o objetivo de nos estimular ao bem, a fim de merecermos uma existência melhor. 
 
ALLAN KARDEC. 




UNIVERSO E VIDA  HERNANI T SANT'ANA

Do telescópio de Monte Palomar, de cinco metros, podem ser observadas cerca de um bilhão
de galáxias, algumas situadas tão longe, no espaço, que a luz que delas contemplamos é a
das que a expediram em nossa direção antes que a Terra existisse. Um bilhão de galáxias! Se um raio de luz começasse a percorrer a nossa modesta galáxia, deslocando-se com a incrível velocidade de 300 mil quilômetros por segundo, levaria cem milênios para atravessá-la. E a nossa é das menores já observadas. E se move, toda ela, com o nosso Sol e todo o nosso Sistema, em torno do centro galático, a uma velocidade de 290 mil metros por segundo. Aliás, ela integra um aglomerado com mais de vinte outras galáxias... Existem, porém, aglomerados galáticos conhecidos, com mais de cem galáxias. E dizer-se que só na nossa modesta galáxia existem mais de cem bilhões de sóis! Esses mundos incontáveis são, como disse Jesus, as muitas moradas da Casa do Eterno Pai. É neles que nascem, crescem, vivem e se aperfeiçoam os Filhos do Criador, a Grande Família Universal. . . São eles as grandes Escolas das Almas, as Grandes Oficinas do Espírito, as Grandes Universidades e os Grandes Laboratórios do Infinito. . . E são também — Deus seja louvado!
— os berços da Vida.
Como os Grandes Espíritos são solidários entre si, também o são os mundos e as Humanidades que eles governam em nome do Criador. Quando Sírius, da Constelação do Grande Cão, atingiu a posição de sistema de orbes regenerado, muitos Espíritos orgulhosos e rebeldes que lá habitavam foram transferidos para Capela, da Constelação do Cocheiro, que era, na ocasião, um sistema de mundos de provas e expiações. No transcurso dos milênios, esses degredados, já redimidos, regressaram, em sua maioria, aos seus celestes pagos, ou se incorporaram às coletividades capelinas, das quais se fizeram devotados condutores. Houve, porém, numerosas entidades, de poderosa inteligência, mas de renitente coração, que não apenas perseveraram em sua rebeldia, mas lideraram, além disso, legiões de tresloucados seguidores de suas incontinências. Esses os Espíritos que, indesejáveis em Capela, quando aquele sistema alcançou o estágio de orbes de regeneração, foram banidos para a Terra, onde a magnanimidade do Cristo os recebeu e amparou.
Tais degredados não vieram, porém, sozinhos, como se fossem imenso rebanho abandonado
à violência das procelas. Alguns dos seus grandes líderes, já redimidos, renunciaram, por amor a eles, à glória e à felicidade do regresso a Sírius, e desceram, à sua frente, aos vales de dor da Terra primitiva, na condição de Grandes Guardiães, colocando-se humildemente a serviço do Cristo Planetário. Recebendo-lhes a amorosa cooperação, o Sublime Governador da Terra utilizou-lhes os préstimos e honrou-lhes a dedicação, tanto no Espaço como na Crosta. £ assim que, mesmo antes do Messianato do Senhor Jesus, a História registra a passagem, entre os homens, de luminosos Gênios Espirituais, como os respeitáveis Sacerdotes do Antigo Egito, os veneráveis Mahatmas da velha índia e os vultos sumamente admiráveis de Fo-Hi, Lao-Tsé, Confúcio, Buda, Esquilo, Heródoto e Sócrates.
Foi, porém, entre os hebreus, povo escolhido para acolher no seu seio o Messias Divino,
que esses gloriosos missionários mais freqüentemente se manifestaram, a começar pelo maior de todos, o Grande Condutor dos degredados, que seria, na Terra, o neto de Abraão, aquele Jacó que se transformaria em Israel, pai das doze tribos que se derivaram dos seus doze filhos. Sempre atuante e "sempre fiel, ele voltaria depois, como Moisés e como Elias, para tornar novamente ao mundo na figura sublime do Batista".
Tal como ele, Abraão, que foi mais tarde Salomão e depois Simão Pedro; Isaac, que seria
Daniel e posteriormente João, o Evangelista; José, o Chanceler do Egito, que viria a ser Davi e depois Paulo de Tarso; e muitos outros, dentre os quais quase todos aqueles que, a chamado de Jesus, integrariam o seu Colégio Apostólico.
Mas o amor sublime de excelsos Espíritos de Sírius não abandonou os antigos companheiros, e foi de lá, daquele orbe santificado, que vieram, desde os primórdios da Terra, para auxiliar voluntariamente ao Cristo Jesus, aqueles seres extraordinários que cercaram, no mundo, o Messias, como Ana e Simeão, Isabel e Zacarias, e principalmente o Carpinteiro José e a Santa Mãe Maria.
As crônicas do mundo espiritual acerca de numerosas figuras do luminoso séquito do Cristo
não podem ser aqui mencionadas e muito menos reproduzidas, e nossas modestas anotações visam apenas a dar muito pálida idéia de como os fastos maravilhosos do amor estão na base de todos os movimentos de redenção, em todas as dimensões do Infinito.
A verdade é que, quanto mais elevados na hierarquia da Vida, mais os Espíritos se votam
ao amor e à renúncia, ao trabalho e ao sacrifício, em benefício de seus irmãos menos adiantados na senda evolutiva. Esse soberano sentido de solidariedade é princípio divino que inspira as Grandes Almas e as leva a adiar indefinidamente a realização de sublimes ideais de ventura pessoal, até que esses ideais, ao que imaginamos, acabam por diluir-se naturalmente no infinito do Amor Divino, totalizador e eterno, que nenhum egoísmo pode jamais empanar.
São exemplos dessa maravilhosa realidade a Mãe e o Precursor do Excelso Mestre, cujo intraduzível devotamento os fez trocar seus luminescentes paraísos pelo serviço permanente e sacrificial a uma Humanidade ignorante e sofredora.
Jesus disse à esposa de Zebedeu que só se assentariam à sua direita e à sua esquerda, no
Reino dos Céus, aqueles a quem o Pai havia reservado esses lugares, porque sabia que o Eterno já elegera para esses supremos ministérios o grande Batista e a magnânima Maria de Nazaré; o primeiro para reger, sob a sua crística supervisão, os problemas planetários da Justiça, e Ela para superintender, sob a sua soberana influência, as benevolências do Amor.Por isso, todos os decretos lavrados pelo Sublime Chanceler da Justiça somente são homologados pelo Cristo depois de examinados e instruídos pela Excelsa Advogada da Humanidade, a fim de que nunca falte, em qualquer processo de dor, as bênçãos compassivas da misericórdia e da esperança.

 Universo e Vida                       Hernani T. Sant’Anna


Agradecimentos a Carlos Eduardo Cennerelli pelo trabalho.





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Calendário Assistência 2019

Tenda Espírita Mamãe Oxum

Calendário 2019

FEVEREIRO

MARÇO

ABRIL

Não haverá GIRA.

Estaremos realizando obras de manutenção no imóvel.

De 01/03 à 10/03 – TERREIRO FECHADO

15/03 - sexta-feira – Saúde

20/03 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

22/03 - sexta-feira – Caboclos

29/03 - sexta-feira - Exus

03/04 - quarta-feira – Estudo da Umbanda

05/04 - sexta-feira – Pretos-Velhos

12/04 - sexta-feira – Saúde

17/04 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

23/04 - terça-feira – Saudação à Ogum Às 20h

26/04 - sexta-feira - Malandros

MAIO

JUNHO

JULHO

30/05 - sexta-feira – Pretos-Velhos

10/05 - sexta-feira – Saúde

13/05 - segunda-feira – Festa dos Pretos-Velhos às 20h

17/05 - sexta-feira – Caboclos

22/05 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

24/05 - sexta-feira – Saudação à Santa Sara com Corrente de Ciganos

31/05 - sexta-feira - Exus

05/06 - quarta-feira – Estudo da Umbanda

07/06 - sexta-feira – Pretos-Velhos

13/06 - quinta-feira – Saudação à Santo Antonio com Corrente de Exus às 20h

19/06 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

21/06 - sexta-feira – Caboclos

28/06 – sexta-feira – Malandros

03/07 - quarta-feira – Estudo da Umbanda

05/07 - sexta-feira – Pretos-Velhos

14/07 – domingo – SEMINÁRIO das 10h30min às 18h

17/07 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

19/07 - sexta-feira – Caboclos

26/07 – sexta-feira – Exus e Saudação à Nanã

AGOSTO

SETEMBRO

OUTUBRO

02/08 - sexta-feira – Pretos-Velhos

07/08 - quarta-feira – Estudo da Umbanda

09/08 - sexta-feira – Saúde

16/08 - sexta-feira – Saudação à Obaluaê / Omolu

18/08 – Domingo – Calunga às 09h

21/08 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

23/08 – sexta-feira – Caboclos

30/08 - sexta-feira - Malandros

04/09 - quarta-feira – Estudo da Umbanda

06/09 - sexta-feira – Pretos-Velhos

13/09 - sexta-feira – Saúde

18/08 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

20/09 - sexta-feira – Caboclos

27/09 – sexta-feira –Distribuição de doces às 15h

Não tem Gira

29/09 – Festa de São Cosme e São Damião às 16h

02/10 - quarta-feira – Estudo da Umbanda

04/10 - sexta-feira – Pretos-Velhos

11/10 – sexta-feira – Saúde

12/10 – Sábado – Cachoeira/Mata

16/10 - quarta-feira – Café com Vovó Catarina

18/10 - sexta-feira – Caboclos

25/10 - sexta-feira – Exus

NOVEMBRO

DEZEMBRO

01/11 - sexta-feira – Esteira Das Almas

06/11 - quarta-feira – Estudo da Umbanda

08/11 - sexta-feira – Saúde

15/11 - sexta-feira – Dia Nacional da Umbanda – Orixás – 20h

20/11 – quarta-feira – Café com Vovó Catarina

22/11 - sexta-feira – Festa aos Malandros

25/11 - segunda-feira /Calunga 17h

30/11 – Sábado - Praia

-

08/12 – Domingo – Saudação aos Orixás –

Encerramento das Atividades/ 2019

Atenção:

As Giras têm início às 20h e as fichas são distribuídas a partir das 19:45 até às 21h.

As consultas não são cobradas. “Dai de graça o que de graça recebestes de Deus”.

A Tenda Espírita Mamãe Oxum é um Templo Sagrado, respeite-o como tal.

Evite roupas ousadas como shorts, mini blusas, vestidos muito decotados ou curtos. Respeitem as Entidades.

Mãe Márcia “Anêrê de Oxum”

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