A umbanda no Japão e a busca pela ressignificação da vida dos nipo-brasileiros
A umbanda no Japão e a busca pela ressignificação da vida dos nipo-brasileiros Márcia Junges Para Ushi Arakaki, o fenômeno da transnacionalização das religiões brasileiras no Japão está ligado a um contexto histórico e social peculiar em relação aos processos migratórios internacionais. A busca por novas religiões representa a procura por apoio emocional para lidar com situações adversas Tratados no Brasil como japoneses, e no Japão como brasileiros, os imigrantes nipo-brasileiros “experienciam uma renegociação de identidade etnocultural e passam a buscar elementos que reforcem sua noção de pertencimento ao Brasil. A rejeição étnica sofrida pelos imigrantes faz com que eles se isolem dentro da comunidade transnacional”. A explicação é da antropóloga Ushi Arakaki, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. “O processo de renegociação de identidade vivida pelos nipo-brasileiros gera uma demanda por símbolos religiosos que possam satisfazê-la”, completa. É nesse contexto que deve ser compreendida a transnacionalização da umbanda no Japão. Os primeiros terreiros de umbanda no Japão surgiram no final dos anos 1990, criados por “imigrantes nipo-brasileiros que fizeram o caminho inverso de seus ancestrais”, observa Arakaki. “Desde então a umbanda vem sendo praticada no país, mas quase que exclusivamente por brasileiros. Os poucos japoneses que frequentam os terreiros vão acompanhados por amigos brasileiros e raramente tornam-se praticantes ou frequentadores assíduos. Eles buscam soluções mágicas para seus problemas”. Ushi Arakaki é graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Cursou mestrado em Cooperação Internacional e Gestão de Projetos no Instituto Universitario Ortega y Gasset, na Espanha e em Antropologia Cultural pela Universidade de Osaka, no Japão, com a tese Deterritorialized Etho-cultural Notion of Belonging – The case of Brazilian Nikkeijin adolescents in Hamamatsu, Japan. É PhD em Antropologia Cultural também pela Universidade de Osaka com a tese Umbanda and Ethno-Cultural Identity in Japan: an ambivalent religion for an ambivalent people. Entre 2010 e final de 2012 coordenou a negociação de Acordos de Cooperação Triangular para projetos de desenvolvimento através da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), no âmbito do Programa de Parceria Brasil Japão (JBPP) com países membros da CARICOM como Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Granada, Dominica, Belize e Haiti e com países africanos como Moçambique e Angola. Atualmente, trabalha no Rio de Janeiro como assessora para implantação do Parque Olímpico, na Casa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro e presta consultoria para programas de desenvolvimento das comunidades que vivem na área do Porto Maravilha. É autora do artigo Japanese Brazilians among Pretos-Velhos, Caboclos, Buddhist Monks and Samurais: An Ethnographic Study of Umbanda in Japan, publicado na coletânea The Diaspora of Brazilian Religions (Netherlands: Brill, 2013). Confira a entrevista. IHU On-Line – Qual é o contexto histórico e social no qual se dá a transnacionalização das religiões brasileiras no Japão? Ushi Arakaki – O imaginário de todos os trabalhadores imigrantes em qualquer parte do mundo é sempre fazer fortuna em pouco tempo e retornar para o seu país de origem. E isso não foi diferente para os nipo-brasileiros no Japão. O tempo estimado de dois a três anos de permanência necessária para acumular dinheiro não correspondia com a realidade e o caráter temporário do início do fluxo na década de 1980. Nos anos 1990 passou a ser cada vez mais permanente. O Ministério da Justiça do Japão, no final da década de 1990, registrava mais de 250 mil brasileiros vivendo lá. Este número chegou a mais de 300 mil em meados dos anos 2000 e só começou a cair em 2008 com a crise financeira global. O fenômeno da transnacionalização das religiões brasileiras no Japão está intimamente ligado a um contexto histórico e social bastante peculiar em relação aos processos migratórios internacionais. O crescimento econômico no Japão, demandando grande quantidade de mão de obra estrangeira – ao mesmo tempo em que no Brasil se vivia o empobrecimento da população, principalmente da classe média devido às altas taxas de inflação e desemprego –, propiciou esse movimento de migração transnacional, com características diferentes do que ocorria em relação aos outros países, pois eles iam de forma legal e em geral já empregados. Os nipo-brasileiros que deram início ao movimento nos anos 1980, em geral, eram homens descendentes da primeira geração e tinham passaporte japonês. Eles permaneciam no Japão por um tempo determinado. Comunidade transnacional de nipo-brasileiros Este movimento ganhou força, no entanto, depois do governo japonês alterar sua Lei de Controle Imigratório em 1990, garantindo aos seus descendentes, até a terceira geração, e seus cônjuges, status formal de residente, sem limitação do tipo de atividade exercida. Além do caráter étnico e da busca pessoal de alguns descendentes que naquela época desejavam conhecer o país de seus ancestrais, a crise econômica no Brasil persistia, impulsionando agora a migração de famílias inteiras com seus filhos. Com a mudança na legislação japonesa, há uma massificação do movimento nos anos 1990 e o perfil do imigrante muda: existe um grande número de descendentes da segunda e terceira geração, aumento da proporção de mulheres, faixa etária mais jovem, mais solteiros e recém-casados, famílias com filhos e não descendentes casados com descendentes. A maioria destas pessoas não dominava o código cultural japonês. Isso faz com que comece a se formar uma comunidade transnacional de nipo-brasileiros. Na primeira metade da década de 1990 surgiram os primeiros restaurantes brasileiros, as primeiras lojas de produtos brasileiros, os primeiros jornais em português. Na segunda metade já tínhamos o primeiro shopping center brasileiro em Oizumi, um canal de televisão com transmissão da Rede Globo e a inauguração da primeira escola brasileira. A migração transnacional traz consigo a ruptura de redes sociais preestabelecidas, o que muitas vezes gera um aumento da demanda religiosa. De acordo com o IBGE (2000), 63,9% dos nipo-brasileiros no Brasil são católicos. A adoção do catolicismo representou o abandono de religiões étnicas (budismo e xintoísmo) em nome de uma maior integração na sociedade brasileira. A segunda religião mais praticada é o budismo (10,68%) seguido do protestantismo (8,5%) e de religiões orientais tais como a Igreja Messiânica, Perfect Liberty e Seicho-no-ie (2,85%), do espiritismo (0,5%) e da umbanda (0,1%). Infelizmente, não há ainda dados estatísticos precisos sobre a afiliação religiosa dos brasileiros no Japão. No entanto, pesquisas qualitativas mostram claramente mudanças no comportamento religioso dos nipo-brasileiros após a migração transnacional. Frequentemente os imigrantes que mudam sua afiliação religiosa no Japão passaram por crises envolvendo problemas de adaptação, relacionamento, saúde ou de renegociação de identidade. A busca por novas religiões representa a procura por apoio emocional para lidar com situações adversas. Muitos imigrantes precisam reinterpretar sua realidade para ressignificar suas vidas. Terreiros no Japão No início da década de 90 houve uma busca maior pelo catolicismo. Entretanto, não existem igrejas brasileiras e o número de padres brasileiros não é suficiente para atender à demanda de toda a comunidade. Missas são realizadas esporadicamente em português. Outro fator importante é que o católico brasileiro no Japão encontra um ambiente religioso muito diferente do que está acostumado no Brasil. Não existem traços do catolicismo popular tradicional, como a devoção à Nossa Senhora Aparecida, por exemplo. A falta dos elementos étnicos dificulta a identificação dos imigrantes com esta religião justamente em um momento em que eles necessitam reforçar sua noção de pertencimento com o Brasil. O primeiro centro espírita do Japão foi fundado em 1994 e hoje continua sendo frequentado quase que exclusivamente por brasileiros. Ainda na década de 1990 houve um considerável aumento de igrejas evangélicas, especialmente pentecostais, na comunidade brasileira. Estas são frequentadas exclusivamente por brasileiros e atendem às demandas étnicas dos imigrantes. Algumas delas foram fundadas no Japão pelos próprios imigrantes, como a Missão Apoio e a Avivamento da Fé, e depois foram trazidas para o Brasil por seus adeptos. As igrejas evangélicas são visivelmente as mais numerosas na comunidade transnacional brasileira. Os primeiros grupos umbandistas sugiram no Japão no final dos anos 1990 e os primeiros terreiros pouco tempo depois. Apenas um pequeno grupo dos praticantes tinha tido contato com religiões afro-brasileiras no Brasil. Atualmente existem cerca de 10 terreiros no Japão localizados nas províncias de maior concentração de brasileiros: Aichi, Mie, Gifu, Shiga, Shizuoka e Gunma. IHU On-Line – Quais são as peculiaridades da umbanda radicada nesse país? Em que se diferencia em relação àquela praticada no Brasil? Ushi Arakaki – Primeiro é preciso ressaltar que no Brasil a umbanda tem praticantes de todos os grupos étnicos e classes socioeconômicas. No Japão, entretanto, temos um grupo relativamente uniforme, considerando que a grande maioria dos brasileiros que lá residem são descendentes de japoneses que exercem trabalhos não qualificados conhecidos como 5K (kitsui, kiken, kitanai, kibishii, kirai – pesado, perigoso, sujo, exigente e detestável). Tanto a posição socioeconômica quanto a descendência étnica deste grupo de imigrantes são fatores que moldam a maneira como eles se apropriam e praticam a umbanda no Japão. No Brasil, a umbanda tem um forte caráter universal. Ela é uma religião multiétnica praticada por todas as classes sociais, seu panteão é composto por entidades que representam a diversidade étnica e cultural que constitui a essência da brasilidade, respeitando peculiaridades e, ao mesmo tempo, reforçando o sentido de unidade. A prática da caridade, um de seus princípios básicos, a torna ainda mais universal. No entanto, a umbanda também tem traços locais evidentes no uso da magia para a manipulação de seres espirituais em benefício dos seus praticantes. Nesse sentido, defendo que no Brasil a umbanda é uma religião localmente universal. No Japão, esta religião tem um forte caráter local, uma vez que é praticada por um único grupo étnico pertencente à mesma classe social e funciona como um importante instrumento de renegociação de identidade que proporciona a seus adeptos a oportunidade de se conectar religiosa, cultural e emocionalmente com sua terra natal. O uso da magia como instrumento de intervenção na realidade social dos imigrantes também reforça seu caráter local. Entretanto, a umbanda também tem seus traços universais representados principalmente pela prática da caridade. Assim sendo, no Japão, a umbanda passa a ser uma religião universalmente local. Budismo e umbanda Pode-se ainda fazer um paralelo entre o budismo e a umbanda. Sendo uma religião universal no Japão, o budismo, ao ser trazido para o Brasil no início do século XX pelos imigrantes japoneses, se tornou local, um símbolo de identidade japonesa. Depois de pouco mais de um século podemos constatar o caminho inverso: o budismo conseguiu recrutar adeptos brasileiros de diferentes origens étnicas tornando-se novamente uma religião universal. A umbanda é extremamente dinâmica e possui a capacidade de moldar-se de acordo com a demanda e realidade socioeconômica e cultural de seus praticantes. É visível a influência, em diferentes graus, da sociedade e cultura japonesa nos terreiros de umbanda no Japão. Em alguns deles vemos no congá (altar) elementos como katana (espada japonesa), esculturas de deuses xintoístas e rosários budistas. Na cosmologia, a influência é ainda mais forte: há a adoção de ícones culturais japoneses como monges e samurais ao grupo de entidades espirituais que guiam os praticantes. Em alguns centros estas entidades trabalham possuindo os médiuns durante os rituais, em outros, atuam apenas no plano espiritual. A origem étnica japonesa dos imigrantes nipo-brasileiros e o fato de estarem no país de seus ancestrais fazem com que a grande maioria dos espíritos obsessores que os acompanham sejam espíritos japoneses, que em alguns casos passam de geração para geração. IHU On-Line – Como a sociedade japonesa compreende a prática dessa religião? Qual é a repercussão desse credo entre a população local? Ushi Arakaki – Como mencionado acima, os primeiros terreiros de umbanda surgiram no Japão no final da década de 1990 levados por imigrantes nipo-brasileiros que fizeram o caminho inverso de seus ancestrais. Desde então a umbanda vem sendo praticada no país, mas quase que exclusivamente por brasileiros. Os poucos japoneses que frequentam os terreiros vão acompanhados por amigos brasileiros e raramente tornam-se praticantes ou frequentadores assíduos. Eles buscam soluções mágicas para seus problemas. Alguns japoneses comparam a umbanda com um culto de possessão praticado em Okinawa. Uma das maiores barreiras para a expansão da umbanda é a falta de fluência por parte dos imigrantes do idioma japonês. Ainda que a umbanda não seja conhecida pelos japoneses, um de seus princípios religiosos, a caridade, leva seus praticantes a realizarem atividades – como a distribuição de alimentos e roupas para moradores de rua – que ultrapassam as fronteiras da comunidade transnacional brasileira. A opinião pública se divide entre a comoção por estes imigrantes estarem preocupados com um problema social da sociedade anfitriã e o criticismo por achar que este tipo de atitude incentiva os sem-teto a permanecerem na rua. Os imigrantes se defendem dizendo que a distribuição de comida e roupa que é feita apenas duas vezes por mês não estimula a permanência na rua, e que o mais importante na atividade é a integração entre os grupos, o apoio emocional e o fato de os moradores de rua se sentirem visíveis. IHU On-Line – Tomando em consideração alguns exemplos no Brasil, essa religiosidade é alvo de alguma espécie de preconceito no Japão? Ushi Arakaki – A umbanda continua sendo alvo de preconceito no Japão, uma vez que sua prática se limita à comunidade transnacional brasileira. Assim como no Brasil, existem pessoas que, por falta de conhecimento, conectam as religiões afro-brasileiras à baixa classe social e à magia negra. Mesmo entre os praticantes nota-se certo receio de explicitar para outros membros da comunidade sua crença religiosa por medo de serem discriminados. IHU On-Line – De que forma se pode entender a coexistência de um credo de matriz africana como a umbanda num país de tradições religiosas milenares como o Japão? Há japoneses que professam a umbanda? Ushi Arakaki – Diferentemente do que algumas pessoas pensam, existem certas similaridades entre a umbanda e as religiões tradicionais japonesas, principalmente no que concerne à importância dada ao karma e à influência dos ancestrais em nossas vidas. O Preto Velho, por exemplo, é tido como um ancestral do povo brasileiro. Nesse sentido, a coexistência entre a umbanda e as religiões locais é perfeitamente viável. Entretanto, não há por parte dos líderes religiosos brasileiros no Japão a tentativa de se construir uma ponte entre o sistema de crenças da umbanda e os valores e costumes da sociedade local. Dessa maneira, a expansão da umbanda fica extremamente limitada. O número de japoneses que frequentam os terreiros assiduamente é quase nulo, e só os japoneses que convivem com brasileiros praticantes da umbanda têm conhecimento da existência dessa religião. IHU On-Line – Que aproximações poderiam ser feitas entre os pretos velhos e os caboclos com os monges budistas e os samurais? Ushi Arakaki – Pretos velhos e caboclos são entidades espirituais tradicionais que fazem parte da cosmologia da umbanda desde seu início e representam duas matrizes étnicas do povo brasileiro: africanos e indígenas, respectivamente. A umbanda é uma religião dinâmica que atualiza constantemente seu panteão de acordo com mudanças socioculturais. Este dinamismo e a capacidade de se reinventar para atender às demandas locais levaram à inclusão de entidades japonesas em sua cosmologia. Ainda que no Brasil exista a Linha do Oriente, composta por espíritos orientais, incluindo algumas vezes monges de diferentes etnias, os monges budistas e os samurais são entidades espirituais adotadas por líderes religiosos da umbanda no Japão. Ambos trabalham juntamente com entidades brasileiras. Os monges tendem a lidar com cirurgias espirituais junto com pretos velhos e caboclos, e os samurais fazem a proteção dos terreiros no plano espiritual juntamente com um grupo de espíritos brasileiros denominado exús. Os imigrantes nipo-brasileiros, apesar de sua descendência, não dominam nem os códigos culturais e nem o idioma local. Consequentemente, necessitam de pessoas capazes de fazer a intermediação cultural entre eles e a sociedade anfitriã. Estas pessoas são conhecidas dentro da comunidade transnacional como tsuyaku (intérprete em japonês) e são chamadas para resolverem problemas do dia a dia com os quais os imigrantes não conseguem lidar devido à falta de proficiência do japonês. No plano espiritual as entidades japonesas também atuam como intermediários entre espíritos japoneses e brasileiros. Nesse sentido, em nível local, elas são representações simbólicas dos membros da comunidade transnacional brasileira que dominam os códigos culturais japoneses, o tsuyaku. Como no Brasil, no Japão a umbanda também é capaz de trazer situações socioculturais do mundo profano para a esfera sagrada. As entidades japonesas aparecem para resolver um problema vivenciado diariamente pelos imigrantes nipo-brasileiros, seu isolamento da sociedade japonesa. Intermediação cultural A inclusão destas entidades no panteão da umbanda é importante para o desenvolvimento desta religião no Japão porque ela oferece aos praticantes a possibilidade de atuar em um contexto espiritual-cultural com o qual eles não têm familiaridade. Por poder confiar na proteção espiritual dos samurais, as entidades brasileiras e os umbandistas se sentem protegidos dos espíritos maus japoneses que poderiam atrapalhar não só os rituais religiosos como também as suas vidas. Além disso, por contar com a intermediação cultural oferecida por espíritos japoneses evoluídos eles se sentem aptos a praticar caridade ajudando espíritos japoneses menos evoluídos que necessitam de apoio espiritual. Esta construção religiosa é uma solução simbólica dada pelos umbandistas aos problemas de adaptação vividos pelos imigrantes nipo-brasileiros na sociedade anfitriã. Cosmologia da umbanda Vale ainda ressaltar um segundo papel sociossimbólico da inclusão das entidades japonesas no panteão da umbanda. No Brasil os nipo-brasileiros são chamados de japoneses por suas características fenotípicas. No Japão, eles não são reconhecidos como tal e passam a reforçar sua noção de pertencimento ao Brasil. A cosmologia da umbanda simboliza a diversidade etnocultural brasileira com entidades que representam não apenas a matriz étnica como também a miscigenação de nosso povo. A inclusão de entidades japonesas é fruto da renegociação de identidade e do reconhecimento de sua brasilidade. Em nível transnacional, ela se torna um instrumento simbólico da autoinclusão dos nipo-brasileiros na sociedade brasileira. Em um primeiro momento, pode parecer contraditório que ícones da cultura japonesa, como o samurai, possam simbolizar a autoinclusão dos nipo-brasileiros na sociedade brasileira, especialmente em um momento em que eles se sentem brasileiros, e não japoneses. Entretanto, esta contradição é explicada pelo fato de que esta inclusão só pode ser legitimada pela sociedade brasileira se a representação dos nipo-brasileiros corresponder à imagem que esta sociedade tem deles. Nesse sentido, símbolos culturais japoneses são, sem dúvida, a melhor opção. Juntando personagens típicos das culturas brasileira (pretos velhos, caboclos, baianos, boiadeiro, etc.) e japonesa (samurais e monges), os líderes religiosos estão aumentando os grupos étnicos representados pela umbanda e tornando-a ainda mais brasileira. IHU On-Line – Em que aspectos se pode falar de uma identidade etnocultural a partir da experiência religiosa da umbanda no Japão? Ushi Arakaki – A aparência física dos nipo-brasileiros sempre os diferenciou dos demais brasileiros, e por isso são comumente chamados de japoneses. O fato de eles serem considerados no Brasil uma minoria positiva, frequentemente associada com honestidade, inteligência e trabalho duro, contribuiu para reforçar uma identidade japonesa desterritorializada, mesmo que a maioria não domine o idioma japonês. Ao chegar ao Japão, no entanto, devido às diferenças culturais os nipo-brasileiros não são tratados como tal pela sociedade anfitriã, que os chamam de brasileiros. Sendo tratados no Brasil como japoneses e no Japão como brasileiros, estes imigrantes experienciam uma renegociação de identidade etnocultural e passam a buscar elementos que reforcem sua noção de pertencimento ao Brasil. A rejeição étnica sofrida pelos imigrantes faz com que eles se isolem dentro da comunidade transnacional. O processo de renegociação de identidade vivida pelos nipo-brasileiros gera uma demanda por símbolos religiosos que possam satisfazê-la. Como mencionado acima, as entidades espirituais da umbanda são personagens tipicamente brasileiros, o que dá a esta religião um sabor local. Eles representam não apenas a matriz étnica do povo brasileiro, mas também simbolizam sua miscigenação: a mistura de vários grupos etnoculturais que influenciam uns aos outros, criando uma cultura única, mas sem apagar sua inclinação etnocultural original. Nesse sentido, a brasilidade da umbanda e sua capacidade de refletir o contexto sociocultural brasileiro atraem os imigrantes nipo-brasileiros e funcionam como um forte instrumento de preservação etnocultural que reforça a noção de pertencimento destes imigrantes com o Brasil.
Fonte: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5097&secao=424