Entendíamo-nos com Silas, acerca de variados problemas, quando expressivo chamamento de Druso nos reuniu ao diretor da casa, em seu gabinete particular de serviço.
O chefe da Mansão foi breve e claro.
Apelo urgente da Terra pedia auxílio para as vítimas de um desastre aviatório.
Sem alongar-se em minúcias, informou que a solicitação se repetiria, dentro de alguns instantes, e conviria esperar a fim de examinarmos o assunto com a eficiência precisa.
Com efeito, mal terminara o apontamento e sinais algo semelhantes aos do telégrafo de Morse se fizeram notados em curioso aparelho. Druso ligou tomada próxima e vimos um pequeno televisor em ação, sob vigorosa lente, projetando imagens movimentadas em tela próxima, cuidadosamente encaixada na parede, a pequena distância.
Qual se acompanhássemos curta notícia em cinema sonoro, contemplamos, surpreendidos, a paisagem terrestre.
Sob a crista de serra alcantilada e selvagem, destroços de grande aeronave guardavam consigo as vítimas do acidente. Adivinhava-se que o piloto, certamente enganado pelo traiçoeiro oceano de espessa bruma, não pudera evitar o choque com os picos graníticos que se salientavam na montanha, silenciosos e implacáveis, à maneira de medonhos torreões de fortaleza agressiva.
Em pleno quadro inquietante, um ancião desencarnado, de semblante nobre e digno, formulava requerimento comovedor, rogando à Mansão a remessa de equipe adestrada para a remoção de seis das catorze entidades desencarnadas no doloroso sinistro.
Enquanto Druso e Silas combinavam medidas para a tarefa assistencial, Hilário e eu olhávamos, espantados, o espetáculo inédito para nós ambos.
A cena aflitiva parecia desenrolar-se ali mesmo.
Oito dos desencarnados no acidente jaziam em posição de choque, algemados aos corpos, mutilados ou não; quatro gemiam, jungidos aos próprios restos, e dois deles, não obstante ainda enfaixados às formas rígidas, gritavam desesperados, em crises de inconsciência.
Contudo, amigos espirituais, abnegados e valorosos, velavam ali, calmos e atentos.
Figurando-se cascata de luz vertendo do Céu, o auxílio do Alto vinha, solícito, em abençoada torrente de amor.
O quadro patético era tão real à nossa observação, que podíamos ouvir os gemidos daqueles que despertavam desfalecentes, as preces dos socorristas e as conversações dos enfermeiros que concertavam providências à pressa...
De alma confrangida, vimos desaparecer a notícia televisada, enquanto Silas cumpria as ordens do comandante da instituição com admirável eficiência.
Em poucos instantes, diversos operários da casa puseram-se em marcha, na direção do local minuciosamente descrito.
Voltando ao gabinete em que lhe aguardávamos o retorno, Silas ainda se entendeu com o orientador, por alguns minutos, com respeito ao serviço em foco.
Foi então que Hilário e eu indagamos se não nos seria possível a participação na obra assistencial que se processava, no que Druso, paternalmente, não concordou, explicando que o trabalho era de natureza especialíssima, requisitando colaboradores rigorosamente treinados.
Cientes de que o generoso mentor poderia dispensar-nos mais tempo, aproveitamos o ensejo para versar a questão das provas coletivas.
Hilário abriu campo livre ao debate, perguntando, respeitoso, por que motivo era rogado o auxílio para a remoção de seis dos desencarnados, quando as vítimas eram catorze.
Druso, no entanto, replicou em tom sereno e firme:
- O socorro no avião sinistrado é distribuído indistintamente, contudo, não podemos esquecer que se o desastre é o mesmo para todos os que tombaram, a morte é diferente para cada um. No momento serão retirados da carne tão-somente aqueles cuja vida interior lhes outorga a imediata liberação. Quanto aos outros, cuja situação presente não lhes favorece o afastamento rápido da armadura física, permanecerão ligados, por mais tempo, aos despojos que lhes dizem respeito.
- Quantos dias? – exclamou meu colega, incapaz de conter a emoção de que se via possuído.
- Depende do grau de animalização dos fluidos que lhes retêm o Espírito à atividade corpórea – respondeu-nos o mentor. – Alguns serão detidos por algumas horas, outros, talvez, por longos dias... Quem sabe? Corpo inerte nem sempre significa libertação da alma. O gênero da vida que alimentamos no estágio físico dita as verdadeiras condições de nossa morte.
Quanto mais chafurdamos o ser nas correntes de baixas ilusões, mais tempo gastamos para esgotar as energias vitais que nos aprisionam à matéria pesada e primitiva de que se nos constitui a instrumentação fisiológica, demorando-nos nas criações mentais inferiores a que nos ajustamos, nelas encontrando combustível para dilatados enganos na sombras do campo carnal, propriamente considerado.
E quanto mais nos submetamos às disciplinas do espírito, que nos aconselham equilíbrio e sublimação, mais amplas facilidades conquistaremos para a exoneração da carne em quaisquer emergências de que não possamos fugir por força dos débitos contraídos perante a Lei. Assim é que
- Isso, no entanto – considerei -, não quer dizer que os demais companheiros acidentados estarão sem assistência, embora coagidos a temporária detenção nos próprios restos.
- De modo algum – ajuntou o amigo generoso -, ninguém vive desamparado. O amor infinito de Deus abrange o Universo. Os irmãos que se demoram enredados em mais baixo teor de experiência física compreenderão, gradativamente, o socorro que se mostram capazes de receber.
- Todavia – reparou Hilário -, não serão atraídos por criaturas desencarnadas, de inteligência perversa, já que não podem ser resguardados de imediato?
Druso estampou significativa expressão facial e ponderou:
- Sim, na hipótese de serem surdos ao bem, é possível se rendam às sugestões do mal, a fim de que, pelos tormentos do mal, se voltem para o bem. No assunto, entretanto, é preciso considerar que a tentação é sempre uma sombra a atormentar-nos a vida, de dentro para fora. A junção de nossas almas com os poderes infernais verifica-se em relação com o inferno que já trazemos dentro de nós.
A explicação não poderia ser mais clara.
Talvez por isso, algo desconcertado pelo esclarecimento direto, meu companheiro que, tanto quanto eu, não desejava perder a oportunidade de mais ampla conversação, acentuou, humilde:
- Nobre instrutor, decerto não temos o direito de questionar qualquer determinação que lhe dimane da autoridade; ainda assim, estimaria conhecer mais profundamente as razões pelas quais nos é defeso o trabalho de colaboração nos serviços pertinentes ao socorro nos resgates de conjunto. Não poderíamos, acaso, cooperar com os obreiros desta casa, nas expedições de auxílio às vítimas de acidentes diversos, de modo a pesquisar as causas que os determinaram? Indiscutivelmente a Mansão, com as responsabilidades de que se encontra investida, desincumbir-se-á de trabalhos dessa espécie todos os dias...
- Quase todos os dias – corrigiu Druso, sem pestanejar.
E, fitando Hilário de estranha maneira, aduziu:
- É imperioso observar, porém, que vocês coletam material didático para despertamento de nossos irmãos encarnados, quase todos eles em fase importante de luta, no acerto de contas com a Justiça Divina. Analisando os resgates dessa ordem, vocês fatalmente seriam compelidos à autópsia de situações e problemas suscetíveis de plasmar imagens destrutivas no ânimo de muitos daqueles que ambos se propõem auxiliar.
Esboçando leve sorriso em que deixava transparecer a humildade que lhe adornava o espírito de escol, aditou:
- Parece-me que não seriamos capazes de comentar um desastre de grandes proporções, no campo dos homens, sem lhes insuflar o vírus do medo, tanta vez portador do desânimo e da morte.
A palavra do orientador, serena e evangélica, reajusta-nos os impulsos menos edificantes.
Inegavelmente, a Terra jaz repleta de criaturas, tanto quanto nós, algemadas a escabrosos compromissos, carentes de ação contínua para o necessário reequilíbrio. Não seria justo atormentá-las com pensamentos de temor e flagelação, quando através do bem, sentido e praticado, podemos cada hora arredar de nossos horizontes as nuvens de sofrimentos prováveis.
Assinalando-nos a atitude inequívoca de compreensão e de obediência, como não podia deixar de ser, o chefe da instituição continuou em tom afável, depois de ligeira pausa:
- Imaginemos que fossem analisar as origens da provação a que se acolheram os acidentados de hoje... Surpreenderiam, decerto, delinqüentes que, em outras épocas, atiraram irmãos indefesos do cimo de torres altíssimas, para que seus corpos se espatifassem no chão; companheiros que, em outro tempo, cometeram hediondos crimes sobre o dorso do mar, pondo a pique existências preciosas, ou suicidas que se despenharam de arrojados edifícios ou de picos agrestes, em supremo atestado de rebeldia, perante a Lei, os quais, por enquanto, somente encontraram a própria situação.
Quantos milhares de irmãos encarnados possuímos nós, em cujas contas com os Tribunais Divinos figuram débitos desse jaez?
Entretanto, não desconhecemos que nós, consciências endividadas, podemos melhorar nosso créditos, todos os dias. Quantos romeiros terrenos, em cujos mapas de viagem constam surpresas terríveis, são amparados devidamente para que a morte forçada não lhes assalte o corpo, em razão dos atos louváveis a que se afeiçoam!... Quantas intercessões da prece ardente conquistam moratórias oportunas para pessoas cujo passo já resvala no cairel do sepulcro?!... quantos deveres sacrificiais granjeiam, para a alma que os aceita de boamente, preciosas vantagens na Vida Superior, onde providências se improvisam para que se lhes amenizem os rigores da provação necessária?! Bem sabemos que, se uma onda sonora encontra outra, de tal modo que as “cristas” de uma ocorram nos mesmos pontos dos “vales” da outra, esse meio, em conseqüência aí não vibra, tendo-se como resultado o silêncio.
Assim é que, gerando novas causas com o bem, praticado hoje, podemos interferir nas causa do mal, praticado ontem, neutralizando-as e reconquistando, com isso, o nosso equilíbrio. Desse modo, creio mais justo incentivarmos o serviço do bem, através de todo os recursos ao nosso alcance. A caridade e o estudo nobre, a fé e o bom ânimo, o otimismo e o trabalho, a arte e a meditação construtiva constituem temas renovadores, cujo mérito não será lícito esquecer, na reabilitação de nossas idéias e, conseqüentemente, de nossos destinos.
Entregara-se o chefe a mais longa pausa e, movido pelo propósito de aprender, indaguei de Druso se ele mesmo não teria acompanhado algum processo de resgate coletivo, em que os Espíritos interessados não teriam outro recurso senão a morte violenta, como remate aos dias do corpo denso, ao que o instrutor respondeu, presto:
- Guardo em minha experiência alguns casos expressivos que seria justo relacionar, no entanto, reportar-nos-emos simplesmente a um deles, pois nossas obrigações são inadiáveis.
Depois de momentos rápidos em que naturalmente apelava para a memória, comentou, benevolente:
- Há trinta anos desfrutei o convívio de dois benfeitores, a cuja abnegação muito devo neste pouso de luz. Ascânio e Lucas, assistentes respeitados na Esfera Superior, integravam-nos a equipe de mentores valorosos e amigos...
Quando os conheci em pessoa, já haviam despendido vários lustros no amparo aos irmãos transviados e sofredores.
Cultos e enobrecidos, eram companheiros infatigáveis em nossas melhores realizações. Acontece, porem, que depois de largos decênios de luta, nos prélios da fraternidade santificante, suspirando pelo ingresso nas esferas mais elevadas, para que se lhes expandissem os ideais de santidade e beleza, não demonstravam a necessária condição específica para o vôo anelado. Totalmente absortos no entusiasmo de ensinar o caminho do bem aos semelhantes, não cogitavam de qualquer mergulho no pretérito, por isso que, muitas vezes, quando nos fascinamos pelo esplendor dos cimos, nem sempre nos sobra disposição para qualquer vistoria aos nevoeiros do vale...
Dessa forma, passaram a desejar ardentemente a ascensão, sentido-se algo desencantados pela ausência de apoio das autoridades que lhes não reconheciam o mérito imprescindível. Dilatava-se o impasse, quando um deles solicitou o pronunciamento da Direção Geral a que nos achamos submissos. O requerimento encontrou curso normal até que, em determinada fase, ambos foram chamados a exame devido.
A posição imprópria que lhes era característica foi carinhosamente analisada por técnico do Plano Superior, que lhes reconduziram a memória a períodos mais recuados no tempo. Diversas fichas de observação foram extraídas do campo mnemônico, à maneira das radioscopias dos atuais serviços médicos no mundo e, através delas, importantes conclusões surgiram à tona...
Em verdade, Ascânio e Lucas possuíam créditos extensos, adquiridos em quase cinco séculos sucessivos de aprendizado digno, somando as cinco existências últimas nos círculos da carne e as estações de serviço espiritual, nas vizinhanças da arena física; no entanto, quando a gradativa auscultação lhes alcançou as atividades do século XV, algo surgiu que lhes impôs dolorosa meditação...
Arrebatadas ao arquivo da memória e a doer-lhes profundamente no espírito, depois da operação magnética a que nos referimos, reapareceram na ficha mencionadas as cenas de ominoso delito por ambos cometido, em 1429, logo após a libertação de Orleães, quando formavam no exército de Joana d’Arc...
Famintos de influência junto aos irmãos de armas, não hesitaram em assassinar dois companheiros, precipitando-os do alto de uma fortaleza no território de Gâtinais, sobre fossos imundos, embriagando-se nas honrarias que lhes valeram mais tarde, torturantes remorsos além do sepulcro.
Chegados a esse ponto da inquietante investigação, pela respeitabilidade de que se revestiam foram inquiridos pelos poderes competentes se desejavam ou não prosseguir na sondagem singular, ao que responderam negativamente, preferindo liquidar a dívida, antes de novas imersões nos depósitos da subconsciência.
Desse modo, em vez de continuarem insistindo na elevação a níveis altos, suplicaram, ao revés, o retorno ao campo dos homens, no qual acabam de pagar o débito a que aludimos.
- Como? – indagou Hilário, intrigado.
- Já que podiam escolher o gênero de provação, em vista dos recursos morais amealhados no mundo íntimo – informou o orientador -, optaram por tarefas no campo da aeronáutica, a cuja evolução ofereceram as suas vidas. Há dois meses regressaram às nossas linhas de ação, depois de haverem sofrido a mesma queda mortal que infligiram aos companheiros de luta no século XV.
- E o nosso caro instrutor visitou-os nos preparativos da reencarnação agora terminada? – inquiri com respeito.
- Sim, por várias vezes os avistei, antes da partida. Associavam-se a grande comunidade de Espíritos amigos, em departamento especifico de reencarnação, no qual centenas de entidades, com dívidas mais ou menos semelhantes às deles, também se preparavam para o retorno à carne, abraçando, assim, trabalho redentor em resgates coletivos.
- E todos podiam selecionar o gênero de luta em que saldariam as suas contas? – perguntei, ainda, com natural interesse.
- Nem todos – disse Druso, convicto. – Aqueles que possuíam grandes créditos morais, qual acontecia aos benfeitores a que me reporto, dispunham desse direito. Assim é que a muitos vi, habilitando-se para sofrer a morte violenta, em favor do progresso da aeronáutica e da engenharia, da navegação marítima e dos transportes terrestres, da ciência médica e da indústria em geral, verificando, no entanto, que a maioria, por força dos débitos contraídos e consoante os ditames da própria consciência, não alcançava semelhante prerrogativa, cabendo-lhe aceitar sem discutir amargas provas, na infância, na mocidade ou na velhice, através de acidentes diversos, desde a mutilação primária até a morte, de modo a redimir-se de faltas graves.
- E os pais? – inquiriu meu colega, alarmado. – Em que situação surpreenderemos os pais dos que devem ser imolados ao progresso ou à justiça, na regeneração de si mesmos? A dor deles não será devidamente considerada pelos poderes que nos controlam a vida?
- Como não? – respondeu o orientador – as entidades que necessitam de tais lutas expiatórias são encaminhadas aos corações que se acumpliciaram com elas em delitos lamentáveis, no pretérito distante ou recente ou, ainda, aos pais que faliram junto dos filhos, em outras épocas, a fim de que aprendam na saudade cruel e na angústia inominável o respeito e o devotamento, a honorabilidade e o carinho que todos devemos na Terra ao instituto da família. A dor coletiva é o remédio que nos corrige as falhas mútuas.
Estabelecera-se longa pausa.
A lição como que nos impelia a rápidos mergulhos no mundo de nós mesmos.
Hilário, contudo, insatisfeito como sempre, perguntou, irrequieto:
- Instrutor amigo, imaginemos que Ascânio e Lucas, após a vitória de que nos dá noticia, continuem anelando a subida aos planos mais altos... Precisarão, para isso, de nova consulta ao passado?
- Caso não demonstrem a condição específica indispensável, serão novamente submetidos à justa auscultação para o exame e seleção de novos resgates que se façam precisos.
- Isso que dizer que ninguém se eleva ao Céu sem quitação com a Terra?
O interlocutor sorriu e completou:
- Será mais lícito afirmar que ninguém se eleva a pleno Céu, sem plena quitação com a Terra, porquanto a ascensão gradativa pode verificar-se, não obstante invariavelmente condicionada aos nossos merecimentos nas conquistas já feitas. Os princípios de relatividade são perfeitamente cabíveis no assunto.
Quanto mais céu interior na alma, através da sublimação da vida, mais ampla incursão da alma nos céus exteriores, até que se realize a suprema comunhão dela com Deus, Nosso Pai. Para isso, como reconhecemos, é indispensável atender à justiça, e a Justiça Divina está inelutavelmente ligada a nós, de vez que nenhuma felicidade ambiente será verdadeira felicidade em nós, sem a implícita aprovação de nossa consciência.
O ensinamento era profundo.
Cessamos a inquirição e, como serviço urgente requeria a presença de Druso, em outra parte, retiramo-nos em demanda do Templo da Mansão, com o objetivo de orar e pensar. André Luiz, em: Ação e Reação de Chico Xavier
Motivos da explosão do DC-10 em Paris
Francisco Cândido Xavier
Regressávamos de ligeira viagem e reunimo-nos em oração, apenas três companheiros, após comentar o acidente aéreo ocorrido em Paris, no dia 3 deste mês.* Os sofrimentos de perto nos fazem meditar nos sofrimentos que se verificam longe de nós.
Ainda não refeitos das atribulações pelas quais todos passemos, com o incêndio de fevereiro, em São Paulo, reunimo-nos em prece para buscar, acima de tudo, compreensão para nós mesmos, de maneira a entendermos que a dor, em qualquer parte, vem das leis de Deus em beneficio de nós próprios.
Abrimos O Livro dos Espíritos, antes de iniciar o nosso culto de oração e a questão 266 veio em nossa ajuda. Pensamos no assunto e, numa confortadora surpresa, recebemos a visita do poeta Silva Ramos que nos tomou a mão e escreveu o soneto que ele mesmo intitulou Culpas.
Ainda profundamente sensibilizados com o lamentável desastre, enviamos ao prezado amigo o soneto do poeta desencarnado, na idéia de que as suas anotações auxiliem-nos a desenvolver o nosso pensamento a respeito das desencarnações coletivas.
*3 de março de 1974. (Nota da Editora)
CULPAS
Silva Ramos
A Natureza aponta a culpa que começa:
Em cidade praiana, a legião pirata
Desembarca, saqueia, humilha, fere, mata...
Por nada se detém, por mais que se lhe peça..
Quantas vidas ao mar sob golpes à pressa!...
Incêndios e orações no horror que se desata...
Depois, vinho e prazer, os butins de ouro e prata
E as horas avançando ao tempo que não cessa...
Os séculos se vão marchando em luz e treva...
Um dia, em mar aéreo, enorme nave leva
Os piratas de outrora e a Justiça Divina...
Surge a morte no ar... A aflição se renova...
Preces, gemidos e ais de corações em prova...
E a Natureza apaga a culpa que termina.
A ESCOLHA DO ESPÍRITO
Irmão Saulo
A revelação do poeta Silva Ramos pode parecer absurda e até mesmo ofensiva para muitas pessoas. Pereceram na explosão do avião turco, sobre Paris, 345 pessoas. Três brasileiros estavam nesse número espantoso de vítimas. Como considerar todas elas criminosas, envolvidas em atos de pirataria? Convém lembrar que se trata de culpas remotas, de vidas anteriores. Quem pode, na Terra, examinando suas próprias tendências atuais, considerar que há cinco séculos tenha sido uma criatura virtuosa, incapaz de ações criminosas?
O Espiritismo ensina que os espíritos escolhem e pedem as provas por que vêm passar na terra. Outra dúvida se levanta, mas já a vemos registrada na questão 266 de O Livro dos Espíritos. Kardec perguntou: “Não parece natural que os espíritos escolham as provas menos penosas?” E os Espíritos Superiores responderam: “Para vós, sim, para o espírito, não”. Nossas provas decorrem de nossa consciência. As leis de Deus, inscritas na consciência, levam o culpado a pedir o seu próprio castigo. Note-se a perfeição absoluta dessa justiça que não vem de fora, mas se processa de dentro para fora. O culpado é o seu próprio juiz, o mais severo dos juízes.
Por isso mesmo as provas mais graves não são imediatas. O Espírito do culpado precisa amadurecer moralmente para sentir o aguilhão da consciência e obedecê-lo. As provas coletivas reúnem criaturas que nos parecem incapazes de haver cometido atrocidades. Elas tiveram de atingir esse grau atual de evolução para terem a coragem heróica de submeter-se às expiações necessárias. Nessa perspectiva, como vemos, tudo se torna compreensível. As vítimas de hoje são almas purificadas que se redimem por vontade própria. Não são mais criminosas, são heroínas da evolução.
Silva Ramos usa o soneto para mostrar, numa síntese poética, o que podemos chamar de mecânica da prova. As ações do passado dão começo à culpa; os séculos de luz e treva desenvolvem os espíritos nas experiências dolorosas; e, por fim, a culpa se apaga na prova coletiva em que todos se reúnem. As lentas depurações individuais se conjugam, no final, para o resgate coletivo em que a culpa é liquidada.
Do livro Diálogo dos Vivos. Espíritos Diversos.
Psicografia de Francisco Cândido Xavier e J. Herculano Pires.
RESGATE COLETIVO
Marcus V. Monteiro
(transcrito de “Presença Espírita” – DIÁRIO DO NORDESTE – 14.jun.1982)
“Félix! Estamos no local. Tudo destruído. Não há sobreviventes”, foi o comunicado oficial emitido da área, por um oficial da FAB e que o jornal DIÁRIO DO NORDESTE estampou em sua primeira página, na edição de quarta-feira, 9 de junho.
A área, no cume da serra de Aratanha, no município de Pacatuba, distante 30km de Fortaleza, registra o local do maior acidente aéreo ocorrido no Brasil. A aeronave, um Boeing 727 Super 200, da Viação Aérea São Paulo (VASP), prefixo PP SRK, quando preparava o seu pouso terminal, no vôo 168, na rota São Paulo – Rio – Fortaleza, chocou-se na madrugada do dia 8 com o pico da serra, explodindo em seguida. No acidente pereceram passageiros e tripulantes, somando um total de 137 pessoas, sendo 128 passageiros e 9 tripulantes, os quais em sua totalidade tiveram os corpos dilacerados e espalhados por extensa aérea, dificultando o resgate e impossibilitando a identificação de cada um deles.
Fortaleza parou! Colégios e Universidades não funcionaram, setores da indústria (principalmente a de confecções) não acionaram suas máquinas e o comércio abriu, simbolicamente fechado, mantendo suas portas semi-abertas para os pouquíssimos clientes que ocorreram às compras! Personalidades de destaque da vida sócio-econômica da cidade, líderes empresariais e homens comuns do povo, encontravam-se no vôo sinistrado e, baldados foram todos os esforços no sentido de identificação dos corpos... Parentes foram convocados, reunidos com representantes do Governo e diretores da empresa aérea, decidindo-se, após dias de grande tensão emocional: - o sepultamento dos fragmentos dos corpos será coletivo, o que ocorreu na tarde do dia 10. Um enterro simbólico. Caracterizando, ainda mais, o tipo de desencarne daqueles 137 Espíritos: resgate coletivo.
O assunto vem sendo estudado em suas particularidades nas Obras Básicas da Doutrina dos Espíritos. Allan Kardec reporta-se aos casos de morte coletiva em “O Livro dos Espíritos” (item 165); em “A Gênese” (cap. XVIII); em “O Céu e o Inferno” (segunda parte – cap. VIII – Expiações Terrenas); em “Obras Póstumas” dedica todo um capítulo a que intitulou: Questões e Problemas – As expiações coletivas, apresentando uma comunicação de Clélia Duplantier e reunindo em magistral síntese, a explicação fornecida pelos Espíritos à questão em foco; e no livreto “O que é o Espiritismo”, esclarece: “Estas respostas e todas relativas à situação da alma depois da morte ou durante a vida, não são o resultado de uma teoria ou de um sistema, mas de estudos diretos feitos sobre milhares de indivíduos, observados em todas as fases e períodos de sua existência espiritual, desde o mais baixo ao mais alto grau da escala, segundo seus hábitos durante a vida terrena, gênero de morte, etc.”.
“Muitas vezes, diz-se, falando da vida futura, que não se sabe o que nela se passa, porque ninguém no-lo veio contar; é um erro, pois são precisamente os que nela já se acham, que, a respeito, nos vêm instruir, e Deus o permite hoje, mais que em nenhuma época, como último aviso à incredulidade e ao materialismo.”
Os casos estudados e comprovadamente tidos como resgates coletivos são inumeráveis. Segundo André Luiz (Espírito): “- A Misericórdia Divina quer a transformação moral do pecador e não o seu sacrifício sem motivo consistente”. E, em sua classificação dos débitos, apresenta seis tipos – Estacionário, Resgate interrompido, Aliviado, Dívida expirante, Dívida agravada, e, Resgate Coletivo (em grupos, todos com a mesma dívida).
A desencarnação coletiva é igual à súbita, com a peculiaridade de processar-se em conjunto, por meio de desastres variados. Espíritos com débitos semelhantes reúnem-se para uma expiação coletiva, aproveitando uma oportunidade planejada para o desencarne súbito de vários ou muitos indivíduos.
Francisco Cândido Xavier, o médium de Uberaba, tem servido de intermediário na recepção de mensagens de Espíritos que passaram pelo tipo de desencarne em foco, destacando-se os dos incêndios: de um Circo em Niterói (1961), repleto de crianças numa tarde de domingo, quando centenas de pessoas morreram carbonizadas e dezenas de outras sofreram queimaduras irreparáveis, enquanto alguns eram pisoteados em meio ao pânico que se estabeleceu; os dos edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974), ambos localizados no centro da capital paulista, atingidos pelos sinistros em horários de expediente, provocando dezenas de mortes, presenciadas por bombeiros e milhares de pessoas que pouco puderam fazer para evitá-las. O último, serviu até para a produção de uma película cinematográfica cujo título é “Joelma 23o andar”, baseado, exatamente, em uma das comunicações recebidas por Chico Xavier.
Pelas observações deles decorrentes, verifica-se também que nos casos de morte coletiva, quando todos perecem ao mesmo tempo, nem sempre, se revêem imediatamente. Na natural perturbação que se segue à morte do corpo físico, cada um vai para o seu lado ou se preocupa apenas com aqueles que lhes interessam.
As grandes partidas coletivas, ensinam os Espíritos, não têm por único fim ativar as saídas; têm igualmente o de transformar mais rapidamente uma parcela da comunidade, livrando-as de más influências e dando maior ascendente às novas idéias.
Também são elas solicitadas pelos próprios Espíritos (antes de sua encarnação, na escolha dos tipos de provas), com o fim de abreviar o seu período de erraticidade e atingir mais rapidamente as esferas superiores.
Não nos devemos surpreender com o número considerável de pessoas que morrem vítimas de acidentes isolados ou em catástrofes coletivas, mesmo uma atual vida honrada, dedicada ao bem e ao progresso geral da humanidade, não exclui provações, que são pedidas ou aceitas como complemento de expiação, antes de receber a recompensa pelo progresso realizado.
Muitas desgraças só nos parecem imerecidas porque encaramos apenas o momento atual.
Num simples artigo seria impossível analisar todos os detalhes do caso em apreciação, entretanto, chamamos a atenção dos estudiosos do assunto para uma particularidade toda especial no desastre do vôo 168: os corpos foral totalmente dilacerados, impossibilitando um reconhecimento individual e tiveram um enterro simbólico, coletando-se em urnas, despojos os mais diversos, sepultando-os em uma vala comum a todos.
Allan Kardec, “o bom senso encarnado” afirma: “O Espiritismo toca em todas as questões que interessam à humanidade; seu campo é imenso e é sobretudo em suas conseqüências que convém considerá-lo. A crença nos Espíritos lhe forma, sem dúvida a base, mas somente a crença não é suficiente para fazer um espírita esclarecido, como a crença em Deus não basta para fazer um teólogo. O Espiritismo contém princípios que, sendo firmados sobre leis naturais e não sobre abstrações metafísicas, tendem a ser, e um dia o serão, abraçados pela universalidade dos homens”.
E, não será mera abstração metafísica fazer-se uma incursão em pensamento ao cenário espiritual onde se desenrolava a cena que descrevemos no início de nosso artigo e lá, vislumbrarmos a equipe espiritual encarregada de amparar todos aqueles Espíritos em fase de desencarnação coletiva.
O responsável pela operação no campo da Espiritualidade, haverá de também ter enviado a sua mensagem aos Planos Superiores do Espírito e ela (a mensagem), bem poderá ter sido: “Félix! Estamos no local. Tudo concluído. Só há sobreviventes”.
UM EXEMPLO DE RESGATE COLETIVO
Tragédia no Circo (pelo espírito de Irmão X)
*** Durante a noite inteira, mais de mil pessoas, ávidas de crueldade, vasculharam residências humildes e, no dia subsequente, ao Sol vivo da tarde, largas filas de mulheres e criancinhas, em gritos e lágrimas, no fim de soberbo espetáculo, encontraram a morte, queimadas nas chamas alteadas ao sopro do vento, ou despedaçadas pelos cavalos em correria. *** Quase dezoito séculos passaram sobre o tenebroso acontecimento... Entretanto, a justiça da Lei, através da reencarnação, reaproximou todos os responsáveis, que, em diversas posições de idade física, se reuniram de novo para dolorosa expiação, a 17 de dezembro de 1961, na cidade brasileira de Niterói, em comovedora tragédia num circo.
extraído do livro "Cartas e Crônicas", psicografia Francisco C. Xavier, pelo espírito Irmão X, texto de número "6", 9a. Edição pela FEP |
Resgates coletivos
Sinal dos tempos ou de futuro promissor?
Kátia Penteado
Quando olhamos para o mundo à nossa volta, parece-nos que se multiplicam as catástrofes, os desastres, os cataclismos. Em um momento como este, em que todas as atenções estão voltadas para o acidente com o Airbus da TAM, que vinha de Porto Alegre (RS), vôo JJ 3054, e se chocou contra o prédio da própria empresa aérea, em frente ao aeroporto, quando tentava aterrissar, provocando a morte de mais de 200 pessoas, entre passageiros, tripulantes e funcionários da companhia aérea que trabalhavam no prédio atingido, a atenção fica mais desperta, e os questionamentos são vários, e envolvem até a Justiça (ou para alguns, a injustiça) Divina.
O Espiritismo, enquanto doutrina libertadora, progressista e evolutiva, e por isso mesmo considerada consoladora, objetiva auxiliar-nos a entender o porquê dos acontecimentos de nosso dia-a-dia, inclusive dos mais trágicos. Assim, via entendimento da Lei Natural e da Justiça Divina, obtêm-se a conseqüente aplicação desses princípios no cotidiano, favorecendo sua vivência, promovendo a coerência entre o crer e o agir.
Frente a situações como essa vivenciada no dia 17 de julho de 2007, alguns questionamentos são usuais, como, por exemplo: Por que acontece esse tipo de coisa? Qual a finalidade desses acidentes que causam a morte conjunta de várias pessoas? Como a Justiça Divina pode ser percebida nessas situações? Por que algumas pessoas escapam?
Naturalmente, as respostas exigem reflexão aprofundada com base em princípios fundamentais do Espiritismo, como a multiplicidade das encarnações e a anterioridade do Espírito. Esses pontos somam-se ao fato de que nós, enquanto Espíritos em processo evolutivo, temos um passado de descumprimento da lei divina que precisa ter seu rumo corrigido não apenas para equacionar nossos problemas de consciência, mas também para nos harmonizar com nossos semelhantes, afetados pelas nossas ações de desvirtuamento da Lei.
Ao entendermos o que a Doutrina Espírita tem a dizer sobre o assunto, começamos a perceber a profundidade da reflexão que deve ser adotada por cada um de nós em nosso dia-a-dia e o papel a ser assumido de observadores da Sociedade, em substituição à postura usual de críticos e questionadores.
Começamos, assim, a conhecer o caminho para aplicação dinâmica e prática em nosso dia-a-dia da Doutrina que abraçamos, pela análise do mundo e sua transformação, percebendo a profundidade de conceitos como fatalidade, resgate coletivo, regeneração do planeta, além de favorecer o entendimento de ensinamentos de Jesus relacionados àquilo que alguns chamam de sinais dos tempos.
Fatalidade como causa?
Fatalidade, destino, azar são palavras sempre lembradas em situações como essa. Mas que conceitos estão por trás dessas palavras? Em “O Livro dos Espíritos”, as questões de 851 a 867 tratam de fatalidade, e, entre outras informações, destaca-se o fato de que “a fatalidade só existe no tocante à escolha feita pelo Espírito, ao se encarnar, de sofrer esta ou aquela prova; ao escolhê-la ele traça para si mesmo uma espécie de destino, que é a própria conseqüência da posição em que se encontra” (”O Livro dos Espíritos”, questão 851).
Mais à frente (”O Livro dos Espíritos”, questão 853), está dito que “fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte. Chegado esse momento, de uma forma ou de outra, a ele não podeis furtar-vos”. A questão seguinte (”O Livro dos Espíritos”, questão 853a) melhor explica esse ponto, frisando que quando é chegado o momento de retorno para o Plano Espiritual, nada “te livrará” e frequentemente o Espírito também sabe o gênero de morte por que partirás daqui, “pois isso lhe foi revelado quando fez a escolha desta ou daquela existência”. Não esquecer, jamais, que “somente os acontecimentos importantes e capazes de influir na tua evolução moral são previstos por Deus, porque são úteis à tua purificação e à tua instrução” (”O Livro dos Espíritos”, questão 859a).
Como vemos, a fatalidade só existe como algo temporário frente à nossa condição de imortais com a finalidade de realinhamento de rumo. No entanto, essa situação não é engessada.
Graças à Lei de Ação e Reação e ao livre-arbítrio, o homem pode evitar acontecimentos que deveriam realizar-se, como também permitir outros que não estavam previstos (”O Livro dos Espíritos”, questão 860).
Fatalidade, destino, azar são palavras que não combinam com a Doutrina Espírita, da mesma forma que a sorte daqueles que escapam desse tipo de situação – e em acidentes como esse do dia 17 de julho de 2007, sempre há os relatos daqueles que desejavam pegar o avião e não conseguiram; daqueles que estavam à porta do prédio atingido pela aeronave e não sofreram nada além do susto; e tantos outros.
Então, para a Doutrina Espírita, como se explicam casos como esse? A resposta está no resgate coletivo, conceito que envolve a correção de rumo de um grupo de Espíritos que em alguma outra encarnação cometeu atos semelhantes – e muitas vezes em conjunto – de descumprimento da lei divina e que, portanto, para individualmente terem a consciência tranqüilizada, precisam sanar o débito. Toda a problemática, nesse caso, está no trabalho dos mentores na reunião desses Espíritos de modo a que juntos possam se reajustar frente à Lei Divina.
Impulsionar o progresso: a meta.
O resgate de nossas ações contrárias à Lei Divina, ao bem e ao amor pode ocorrer de várias formas, inclusive coletivamente. O objetivo, segundo “O Livro dos Espíritos”, questão 737, é “fazê-lo avançar mais depressa” e as calamidades “são freqüentemente necessárias para fazerem com que as coisas cheguem mais prontamente a uma ordem melhor, realizando-se em alguns anos o que necessitaria de muitos séculos”. Além disso (”O Livro dos Espíritos”, questão 740), “são provas que proporcionam ao homem a ocasião de exercitar a inteligência, de mostrar sua paciência e sua resignação ante a vontade de Deus, ao mesmo tempo em que lhe permitem desenvolver os sentimentos de abnegação, de desinteresse próprio e de amor ao próximo”.
E assim, entendemos o sentimento de solidariedade que essas calamidades despertam, auxiliando todos a desenvolver o amor. O importante para os mais diretamente envolvidos, para que tenham o progresso devido, como está dito em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo 14, item 9, é “não falir pela murmuração”, pois “as grandes provas são quase sempre um indício de um fim de sofrimento e de aperfeiçoamento do Espírito, desde que sejam aceitas por amor a Deus”.
Nesta frase selecionada no “O Evangelho Segundo o Espiritismo” está uma informação de cabal importância: indício de aperfeiçoamento do espírito. E qual seria o objetivo prático de tudo isso e como esses fatos atuam em nosso progresso, com que finalidade?
A resposta está na Lei do Progresso, que determina ao homem o progresso incessante, sem retrocesso, no campo intelectual e moral; cada um há seu tempo, seguindo seu ritmo próprio, sendo que “se um povo não avança bastante rápido, Deus lhe provoca, de tempo em tempos, um abalo físico ou moral que o transforma” (”O Livro dos Espíritos”, questão 783).
Como vemos, o progresso se faz, sempre, e quando estamos atravancando-o, Deus, em sua infinita bondade e justiça, lança mão de instrumentos que nos impulsionem à frente. O objetivo é nos levar a cumprir a escala evolutiva, saindo de nossa condição de Espíritos imperfeitos moralmente para a de espíritos regenerados, até atingirmos a condição de Espíritos puros.
Essa transposição de imperfeito moralmente para regenerado marca a atual fase de transição que vivenciamos, plena de flagelos destruidores, de calamidades, de acidentes com grande número de mortos.
Nos evangelhos segundo Mateus, Marcos e João, há várias referências aos sinais precursores de uma transformação no estado moral do Planeta, caracterizada pelo anúncio de calamidades diversas que atingirão a humanidade e dizimarão grande número de pessoas, para que, na seqüência, ocorra o reinado do bem, sejam instituídas a paz e a fraternidade universal, confirmando a predição de que após os dias de aflição virão os dias de alegria.
O que é anunciado nessas passagens evangélicas não é o fim do mundo de forma absoluta e real, mas o fim deste mundo que conhecemos, em que o mal aparentemente se sobrepõem ao bem, e, como afirma Allan Kardec em “A Gênese”, capítulo 17, item 58, “o fim do velho mundo, do mundo governado pela incredulidade, pela cupidez e por todas as más paixões a que o Cristo alude”.
Para que esse novo mundo se instale (”A Gênese”, capítulo 18), é fundamental que a população seja preparada para habitá-lo. Para tanto, teremos, todos nós, de equacionar alguns problemas de nosso passado, construindo nosso progresso moral. Não há transformação sem crise, e catástrofes e cataclismos são crises que agitam a humanidade, despertando-a para a solidariedade, a fraternidade, o bem.
Temos, então, de ver a humanidade como “um ser coletivo no qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual” (”A Gênese”, capítulo 18 item 12).
Nesse contexto, a fraternidade será a pedra angular da nova ordem social, com o progresso moral, secundado pelo progresso da inteligência assegurando a felicidade dos homens sobre a Terra.
Para que possamos habitar esse novo mundo, não temos de nos renovar integralmente.
Segundo Kardec (”A Gênese”, capítulo 18 item 33), “basta uma modificação nas disposições morais”, e, para isso, temos de equacionar débitos do passado e nos conscientizarmos de nossa condição de espíritos imortais perfectíveis, em fase de desenvolvimento de nossas potencialidades.
Como forma de acelerar esse processo de modificação da disposição moral, a presente fase é marcada pela multiplicidade das causas de destruição, até como forma de estimular em nós o desenvolvimento de nossas potencialidades no bem, pois “o mal de hoje há de ser o bem de amanhã. Somente a educação do Espírito poderá libertá-lo do mal, dando-lhe condições de alçar os mais altos vôos no plano infinito da vida. O importante em tudo isso é mantermos a serenidade, olharmos para a frente, divisarmos o futuro, pois “a marcha do Espírito é sempre crescente e ascendente. É preciso descobrir quanto bem se é capaz de fazer agora para que o próprio crescimento não se detenha” (Manoel Portásio).
Em todo ser humano, como ressalta o Espírito Clelie Duplantier, em “Obras Póstumas”, “há três caracteres: o do indivíduo ou do ente em si mesmo, o do membro da família e o do cidadão.
Sob cada uma dessas três fases, pode ele ser criminoso ou virtuoso; isto é, pode ser virtuoso como pai de família e criminoso como cidadão, e vice-versa”.
Além disso, pode-se admitir como regra geral que todos os que se ligam numa existência por empenhos comuns, já viveram juntos, trabalhando para o mesmo fim e se encontrarão no futuro, até expiarem o passado ou cumprirem a missão que aceitaram.
O PAPEL DE CADA UM - Essas calamidades – se olharmos para elas sob o ponto de vista espiritual, fundamentando nossa reflexão nos princípios da Doutrina Espírita – têm, portanto, objetivos saneadores que, conforme Joanna de Ângelis, removem as pesadas cargas psíquicas existentes na atmosfera e significam a realização da justiça integral, pois a Justiça Divina, para nosso re-equilíbrio, recorre a métodos purificadores e liberativos, de que não nos podemos furtar.
Assim, tocados pelas dores gerais, ajudemo-nos e oremos, formando a corrente da fraternidade e estaremos construindo a coletividade harmônica, sempre lembrando a advertência de Hammed: “a função da dor é ampliar horizontes para realmente vislumbrarmos os concretos caminhos amorosos do equilíbrio. Como o golpe ao objeto pode ser modificado, repensa e muda também tuas ações, diminuindo intensidades e freqüências e recriando novos roteiros em sua existência”. Desse modo, estaremos utilizando nossos problemas como ferramenta evolutiva, não nos perdendo em murmurações, mas utilizando nosso livre-arbítrio como patrimônio.
O progresso de todos os seres da criação é o objetivo de tudo que acontece. Tenhamos a consciência desperta e procuremos entender o mundo à nossa volta, cientes de que a solidariedade é o verdadeiro laço social, não só para o presente, mas, como está em “Obras Póstumas”, “estende-se ao passado e ao futuro, pois que os mesmos indivíduos se encontram e se encontrarão para juntos seguirem as vias do progresso, prestando mútuo concurso. Eis o que faz compreender o Espiritismo pela eqüitativa lei da reencarnação e da continuidade das relações entre os mesmos seres”.
E mais: graças ao Espiritismo, compreende-se hoje a justiça das provações desde que as consideremos uma amortização de débitos do passado. As faltas coletivas devem ser expiadas coletivamente pelos que juntos as praticaram, e os mentores estão sempre trabalhando, ajudando a todos nós, reunindo-nos em grupos de forma a favorecer a correção de rumo, amparando-nos e nos fortalecendo para darmos conta daquilo a que nos propomos, além de nos equilibrarem para podermos auxiliar o outro com nossos pensamentos positivos, nossos melhores sentimentos e vibrações.
Fontes de Consulta
ÂNGELIS, Joanna de.
Após a tempestade, texto Calamidades, psicografia de Divaldo Pereira Franco.
HAMMED.
Renovando Atitudes, texto Crenças e carmas, psicografia de Francisco do Espírito Santo Neto.
KARDEC, Allan.
A Gênese, capítulos 17 e 18.
O Evangelho Segundo do Espiritismo, capítulo 14, item 9.
Obras Póstumas, Primeira Parte, Questões e Problemas - Expiações coletivas.
O Livro dos Espíritos – questões 100 a 113; 737 a 741; 776 a 802; 851 a 867.
PORTÁSIO, Manuel.
Fora da Educação não há salvação, capítulos: Educação pela dor; Educação para o bem e Educação e renovação.
Na provação coletiva verifica-se a convocação dos Espíritos encarnados, participantes do mesmo débito, com referência ao passado delituoso e obscuro.
O mecanismo da justiça, na lei das compensações, funciona então espontaneamente, através dos prepostos do Cristo, que convocam os comparsas na dívida do pretérito para os resgates em comum, razão por que, muitas vezes, intitulais “doloroso acaso" às circunstâncias que reúnem as criaturas mais díspares no mesmo acidente, que lhes ocasiona a morte do corpo físico ou as mais variadas mutilações, no quadro dos seus compromissos individuais.
[41a pág. 148] - Emmanuel - 1940
Provação coletiva dos Judeus e Romanos
A desencarnação por acidentes, os casos fulminantes de desprendimento proporcionam sensações muito dolorosas à alma desencarnada, em vista da situação de surpresa ante os acontecimentos supremos e irremediáveis. Quase sempre, em tais circunstâncias, a criatura não se encontra devidamente preparada e o imprevisto da situação lhe traz emoções amargas e terríveis.
Entretanto, essas surpresas tristes não se verificam para as almas, no caso das enfermidades dolorosas e prolongadas, em que o coração e o raciocínio se tocam das luzes das meditações sadias, observando as ilusões e os prejuízos do excessivo apego à Terra, sendo justo considerarmos a utilidade e a necessidade das dores físicas, nesse particular, porquanto somente com o seu concurso precioso pode o homem alijar o fardo de suas impressões nocivas do mundo, para penetrar tranqüilamente os umbrais da vida do Infinito.
[41a pág. 95] - Emmanuel - 1940
As provas de resgate legítimo inclinam a alma encarnada a situações periclitantes e difíceis na recapitulação das experiências; todavia, não obrigam a novas quedas espirituais, quando dispomos de verdadeira boa vontade no trabalho de elevação. O aprendiz aplicado pode ganhar muito tempo e conquistar imensos valores se, de fato, procura conhecer as lições e pô-las em prática. A justiça divina nunca foi exercida sem amor. E quando a fidelidade sincera ao Senhor permanece viva no coração dos homens, há sempre lugar para o “acréscimo de misericórdia” a que se referia Jesus em seu apostolado.
[16a - Página 181 ] - André Luiz
Definindo, assim, a posição que nos é peculiar, somos almas entre...
a luz das aspirações sublimes
e o nevoeiro dos débitos escabrosos, para quem a reencarnação, como recomeço de aprendizado, é concessão da Bondade Excelsa que nos cabe aproveitar, no resgate imprescindível.
... Cada um de nós, os Espíritos endividados, em renascendo na carne, transporta consigo para o ambiente dos homens...
uma réstia do céu que sonha conquistar
e um vasto manto do inferno que plasmou para si mesmo.
Quando não temos força suficiente para seguir ao encontro do céu que nos confere oportunidades de ascensão até ele, retornamos ao inferno que nos fascina à retaguarda.
Vocês não ignoram, porém, que a reencarnação no resgate é também recapitulação perfeita. Se não trabalhamos por nossa intensa e radical renovação para o bem, através do estudo edificante que nos educa o cérebro e do amor ao próximo que nos aperfeiçoa o sentimento, somos tentados hoje pelas nossas fraquezas, como éramos tentados ainda ontem, porquanto nada fizemos pelas suprimir, passando habitualmente a reincidir nas mesmas faltas.
[83 - página 197] - André Luiz
Os flagelos destruidores tem como fim fazer progredir a humanidade mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento?
Preciso é que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam. Essas subversões, porém, são freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em alguns anos o que teria exigido muitos séculos.
Deus emprega outros meios todos os dias, pois que deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. O homem, porém, não se aproveita desses meios. Necessário, portanto, se torna que seja castigado no seu orgulho e que se lhe faça sentir a sua fraqueza.
Nos flagelos tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora, conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real. Esses os filhos de Deus e o objeto de toda a Sua solicitude. Os corpos são meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra, ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.
Se considerásseis a vida qual ela é e quão pouca coisa representa com relação ao infinito, menos importância lhe daríeis. Em outra vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus sofrimentos, se souberem suportá-los sem murmurar.
Venha por um flagelo a morte, ou por uma causa comum, ninguém deixa por isso de morrer, desde que haja soado a hora da partida. A única diferença, em caso de flagelo, é que maior número parte ao mesmo tempo.
Se, pelo pensamento, pudéssemos elevar-nos de maneira a dominar a Humanidade e abrangê-la em seu conjunto, esses tão terríveis flagelos não nos pareceriam mais do que passageiras tempestades no destino do mundo.
Os flagelos destruidores têm utilidade, do ponto de vista físico, não obstante os males que ocasionam. Muitas vezes mudam as condições de uma região. Mas, o bem que deles resulta só as gerações vindouras o experimentam.
Os flagelos são provas que dão ao homem ocasião de exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo.
Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem. À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é, prevenir, se lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males que afligem a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo recebe, mais ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a não ser sua submissão à vontade de Deus. Esses mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.
Na primeira linha dos flagelos destruidores, naturais e independentes do homem, devem ser colocados a peste, a fome, as inundações, as intempéries fatais às produções da terra. Não tem, porém, o homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento da agricultura, nos afolhamentos e nas irrigações, no estudo das condições higiênicas, meios de impedir, ou, quando menos, de atenuar muitos desastres? Certas regiões, outrora assoladas por terríveis flagelos, não estão hoje preservadas deles? Que não fará, portanto, o homem pelo seu bem-estar material, quando souber aproveitar-se de todos os recursos da sua inteligência e quando aos cuidados da sua conservação pessoal, souber aliar o sentimento de verdadeira caridade para com os seus semelhantes?
PESQUISA E COMPILAÇÃO: CARLOS EDUARDO CENNERELLI
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