Allan
Kardec. Minha
Missão
(Em
casa do Sr. C...; médium: Srta. Aline C...)
12 de junho de 1856 [1]
Pergunta (ao Espírito de Verdade) — Bom Espírito, eu desejara saber o que pensas da missão que alguns Espíritos me assinaram. Dize-me, peço-te, se é uma prova para o meu amor-próprio. Tenho, como sabes, o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não disponho [2].
P.
— Nenhum
desejo tenho certamente de me vangloriar de uma missão na qual dificilmente
creio. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da Providência,
que ela disponha de mim. Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons
Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa.
R.
— A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não
fizeres o que for necessário. Tens o teu livre-arbítrio, do qual podes usar como
o entenderes. Nenhum homem é constrangido a fazer coisa alguma.
P.
—
Que causas poderiam determinar o meu malogro? Seria a insuficiência das minhas
capacidades?
R.
— Não;
mas, a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos.
Previno-te
de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo
inteiro.
Não
suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em
seguida ficares tranqüilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás
contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda;
ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos
que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão
desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga;
numa palavra: terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu
repouso, da tua tranqüilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso,
viverias muito mais tempo
[3].
Ora bem! não poucos recuam quando, em vez de uma estrada florida, só vêem sob os
passos urzes, pedras agudas e serpentes. Para tais missões, não basta a
inteligência. Faz-se mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade,
modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os
ambiciosos. Para lutar contra os homens, são indispensáveis coragem,
perseverança e inabalável firmeza. Também são de necessidade prudência e tato, a
fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito com
palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim, devotamento, abnegação e
disposição a todos os sacrifícios.
Vês,
assim, que a tua missão está subordinada a condições que dependem de
ti.
Espírito
Verdade
Eu
— Espírito Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo, sem
restrição e sem idéia preconcebida.Senhor!
pois que te dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus
desígnios, faça-se a tua vontade! Está nas tuas mãos a minha vida; dispõe do teu
servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande tarefa; a minha boa
vontade não desfalecerá, as forças, porém, talvez me traiam. Supre à minha
deficiência; dá-me as forças físicas e morais que me forem necessárias.
Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxílio e dos teus celestes
mensageiros, tudo envidarei para corresponder aos teus
desígnios.
NOTA
— Escrevo esta nota a 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que me foi
dada a comunicação acima e atesto que ela se realizou em todos os pontos, pois
experimentei todas as vicissitudes que me foram preditas.
Andei
em luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja
e o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores
instruções foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança
depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços. A
Sociedade de Paris se constituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim
por aqueles mesmos que se declaravam a meu favor e que, de boa fisionomia na
minha presença, pelas costas me golpeavam. Disseram que os que se me conservavam
fiéis estavam à minha soldada e que eu lhes pagava com o dinheiro que ganhava do
Espiritismo. Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez
sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a
existência.
Graças, porém, à proteção e assistência dos bons Espíritos que incessantemente me deram manifestas provas de solicitude, tenho a ventura de reconhecer que nunca senti o menor desfalecimento ou desânimo e que prossegui, sempre com o mesmo ardor, no desempenho da minha tarefa, sem me preocupar com a maldade de que era objeto. Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, eu tinha de contar com tudo isso e tudo se verificou. Mas, também, a par dessas vicissitudes, que de satisfações experimentei, vendo a obra crescer de maneira tão prodigiosa! Com que compensações deliciosas foram pagas as minhas tribulações! Que de bênçãos e de provas de real simpatia recebi da parte de muitos aflitos a quem a Doutrina consolou! Este resultado não mo anunciou o Espírito de Verdade que, sem dúvida intencionalmente, apenas me mostrara as dificuldades do caminho.
Qual
não seria, pois, a minha ingratidão, se me queixasse! Se dissesse que há uma
compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o bem,
refiro-me às satisfações morais, sobrelevaram de muito o mal. Quando me
sobrevinha uma decepção, uma contrariedade qualquer, eu me elevava pelo
pensamento acima da Humanidade e me colocava antecipadamente na região dos
Espíritos e desse ponto culminante, donde divisava o da minha chegada, as
misérias da vida deslizavam por sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me
tornara esse modo de proceder, que os gritos dos maus jamais me
perturbaram.
Bibliografia:
OBRAS PÓSTUMAS
UNIVERSO E VIDA HERNANI T SANT'ANA
EM PLENA ERA NOVA
“Que espetáculos, que maravilhas representam para nossa vida esses mundos longínquos, que variedade de sensações que se podem recolher desses universos! E essas almas prosseguem sua viagem na imensidade, até que, submetidas à lei eterna, retomam órgãos novos, se fixam sobre um desses mundos para cooperar, pelo trabalho, para o seu adiantamento, para o seu progresso. Ante esses horizontes imensos, como nossa Terra fica pequena! E, diante de tais perspectivas, pode-se temer a morte?”
LEON
DENIS
As missões, a vida superior
Os desertos do espaço
Eterna
sucessão dos mundos
A
vida universal
Diversidade
dos mundos
A
Gênese
OS
MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO
POR
ALLAN
KARDEC
Regeneração
da Humanidade
25 DE
ABRIL DE 1866.
(Paris,
resumo das comunicações dadas pelos srs. M... e T...
em
sonambulismo.)
Os
acontecimentos se precipitam com rapidez, também não dizemos mais, como outrora:
"Os tempos estão próximos"; dizemo-vos agora: "Os tempos são
chegados."
Por
estas palavras não entendeis um novo dilúvio, nem um cataclismo, nem um
transtorno geral. Convulsões parciais do globo ocorrem em todas as épocas, e se
produzem ainda, porque se ligam à sua constituição, mas esses não são os sinais
dos tempos.
No
entanto, tudo o que está predito no Evangelho deve se cumprir e se cumpre neste
momento, assim como o conhecereis mais tarde; mas não tomeis os sinais
anunciados senão como figuras, das quais é preciso apreender o espírito e não a
letra. Todas as Escrituras encerram grandes verdades sob o véu da
alegoria, e é porque os comentaristas se ligam à letra que se extraviaram.
Falta-lhes
a chave para delas compreenderem o verdadeiro sentido. Essa chave está nas
descobertas da ciência e nas leis do mundo invisível, que o Espiritismo vem nos
revelar. Doravante, com a ajuda desses novos conhecimentos, o que era obscuro se
tornará claro e inteligível.
Tudo
segue a ordem natural das coisas, e as leis imutáveis de Deus não serão nunca
invertidas. Não vereis, pois, nem milagres, nem prodígios, nem nada de
sobrenatural no sentido vulgar ligado a essas palavras.
Não
olheis para o céu para nele procurar os sinais precursores, porque nele nada
vereis, e aqueles que vo-los anunciaram vos enganaram; mas olhai ao redor de
vós, entre os homens, será aí que os encontrareis.
Não
sentis como um vento que sopra sobre a Terra e agita todos os Espíritos? O mundo
está numa espera e como tomado de um vago pressentimento da aproximação da
tempestade.
Não
credes, no entanto, no fim do mundo material; a Terra progrediu desde a sua
transformação; deve progredir ainda, e não ser destruída. Mas a Humanidade
chegou a um de seus períodos de transformação, e a Terra vai se elevar na
hierarquia dos mundos.
Não é,
pois, o fim do mundo material que se prepara, mas o fim do mundo moral: é o
velho mundo, o mundo dos preconceitos, do egoísmo, do orgulho e do fanatismo que
desaba; cada dia leva-lhe alguns resíduos. Tudo acabará para ele com a geração
que dele se vai, e a geração nova elevará o novo edifício que as gerações
seguintes consolidarão e completarão.
De
mundo de expiação, a Terra está chamada a se tornar, um dia, um mundo feliz, e
sua habitação será uma recompensa, em lugar de ser uma punição. O reino do bem
deve nela suceder ao reino do mal.
Para
que os homens sejam felizes sobre a Terra, é necessário que ela não seja povoada
senão por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o
bem. Tendo chegado esse tempo, uma grande emigração se cumprirá, nesse momento,
entre aqueles que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal, que o sentimento
do bem não toca, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão
excluídos, porque nela levariam, de novo, a perturbação e seriam um obstáculo ao
progresso. Irão expiar o seu endurecimento em mundos inferiores, onde levarão os
seus conhecimentos adquiridos, e que terão por missão fazê-los avançar. Serão
substituídos na Terra por Espíritos melhores, que farão reinar, entre eles, a
justiça, a paz e a fraternidade.
A
Terra, dissemos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria
subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá, gradualmente, e a nova
lhe sucederá igualmente sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas.
Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito, com esta única diferença,
mas essa diferença é capital, de que uma parte dos Espíritos que aí se encarnam
nela não se encarnarão mais. Numa criança que nasça, em lugar de um Espírito
atrasado e levado ao mal, que nela estaria encarnado, será um Espírito mais
avançado e levado ao bem. Trata-se, pois, bem menos de uma nova geração
corporal do que de uma nova geração de Espíritos. Assim, aqueles que esperam ver
as transformações se operarem por efeitos sobrenaturais e maravilhosos, estarão
decepcionados.
A
época atual é de transição; os elementos das duas gerações se confundem.
Colocados no ponto intermediário, assistis à partida de uma e à chegada da
outra, e cada uma se assinala já no mundo pelos caracteres que lhe são
próprios.
As
duas gerações, que sucedem uma à outra, têm idéias e objetivos muito opostos.
Pela natureza das disposições morais, mas sobretudo pelas disposições
intuitivas e inatas, e fácil distinguir a qual das duas pertence cada
indivíduo.
A nova
geração, devendo fundar a era de progresso moral, se distingue por uma
inteligência e uma razão geralmente precoces, unidas ao sentimento inato
do bem e das crenças espiritualistas, o que é o sinal indubitável de um certo
grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de Espíritos
eminentemente superiores, mas daqueles que, tendo já progredido, estão
predispostos a assimilar todas as idéias progressistas e aptos a secundar o
movimento regenerador.
O
que distingue, ao contrário, os Espíritos atrasados, é primeiro a revolta contra
Deus, pela negação da Providência e de todo poder superior à Humanidade; depois
a propensão instintiva para as paixões degradantes, para os sentimentos
antifraternais do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim, a predominância
do apego para tudo o que é material.
São
esses vícios dos quais a Terra deve ser purgada, pelo afastamento daqueles que
recusam se emendar, porque são incompatíveis com o reino da fraternidade e que
os homens de bem sofrerão sempre pelo seu contato. A Terra deles será libertada,
e os homens caminharão sem entraves para um futuro melhor, que lhes está
reservado nesse mundo, como prêmio de seus esforços e de sua perseverança,
esperando que uma depuração ainda mais completa lhes abra a entrada dos mundos
superiores.
Por
essa migração de Espíritos, não é preciso entender que todos os Espíritos
retardatários serão expulsos da Terra, e relegados para mundos inferiores.
Muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; a casca neles
era pior do que o fundo. Uma vez subtraídos à influência da matéria, e dos
preconceitos do mundo corporal, a maioria verá a coisa de maneira toda diferente
do que quando vivos, assim como tendes disso numerosos exemplos. Nisso são
ajudados pelos Espíritos benevolentes que se interessam por eles, e que se
apressam em esclarecê-los e mostrar-lhes o falso caminho que seguiram. Pelas
vossas preces e as vossas exortações, vós mesmos podeis contribuir para o seu
adiantamento, porque há solidariedade perpétua entre os mortos e os
viventes.
Aqueles
poderão, pois, retornar, e nela serão felizes, porque isso será uma recompensa.
Que importa o que foram e o que fizeram, se estão animados de melhores
sentimentos! Longe de serem hostis à sociedade e ao progresso, serão auxiliares
úteis, porque pertencerão à nova geração.
Não
haverá, pois, exclusão definitiva senão para os Espíritos essencialmente
rebeldes, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais do que a ignorância, tornaram
surdos à voz do bem e da razão. Mas aqueles mesmos não estão votados a uma
inferioridade perpétua, e um dia virá em que repudiarão o seu passado e abrirão
os olhos à luz.
Pedi,
pois, por esses endurecidos, a fim de que se emendem enquanto ainda têm tempo,
porque o dia da expiação se aproxima.
Infelizmente,
a maioria, desconhecendo a voz de Deus, persistirá em sua cegueira, e sua
resistência marcará o fim de seu reino por lutas terríveis. Em seu desvio, eles
mesmos correrão para a sua perda; levarão à destruição que engendrará uma
multidão de flagelos e de calamidades, de sorte que, sem o querer, apressarão o
advento da era da renovação.
E,
como se a destruição não caminhasse bastante rápida, ver-se-ão os suicídios se
multiplicarem, numa proporção inaudita, até entre as crianças. A loucura jamais
terá ferido um maior número de homens que serão, antes da morte, riscados do
número dos vivos. Estão aí os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isso se
cumprirá pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que
sejam em nada derrogadas as leis da Natureza.
No
entanto, através da nuvem sombria que vos envolve, e no seio da qual ronca a
tempestade, já vedes despontar os primeiros raios da era nova! A fraternidade
põe os seus fundamentos sobre todos os pontos do globo e os povos se estendem as
mãos; a barbárie se familiariza ao contato da civilização; os preconceitos de
raça e de seitas, que fizeram verter ondas de sangue, se extinguem; o fanatismo,
a intolerância, perdem terreno, ao passo que a liberdade de consciência se
introduz nos costumes e se torna um direito. Por toda a parte as idéias
fermentam; vê-se o mal e se tentam remédios, mas muitos caminham sem bússola e
se desviam nas utopias. O mundo está num imenso trabalho de criação, que irá
durar um século; nesse trabalho, ainda confuso, vê-se, entretanto, dominar uma
tendência para um objetivo: o da unidade e da uniformidade que predispõem à
fraternidade.
Ainda
aí estão os sinais dos tempos; mas, ao passo que os outros são os da agonia do
passado, estes últimos são os primeiros vagidos da criança que nasce, os
precursores da aurora que o século próximo verá erguer-se, porque então a nova
geração estará em toda a sua força. Tanto a fisionomia do século XIX difere da
do XVIII em certos pontos de vista, tanto a do vigésimo século será diferente do
décimo-nono em outros pontos de vista.
Um dos
caracteres distintivos da nova geração será a fé inata; não a fé
exclusiva e cega que divide os homens, mas a fé raciocinada que esclarece e
fortalece, que os une e os confunde num comum sentimento de amor a Deus e ao
próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os últimos vestígios da
incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao progresso moral e
social.
O
Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque arruína os dois maiores
obstáculos que a ele se opõe: a incredulidade e o fanatismo; desenvolve todos os
sentimentos e todas as idéias que correspondem aos objetivos da nova geração;
por isso é como inato e no estado de intuição no coração de seus representantes.
A nova era vê-lo-á, pois, aumentar e prosperar pela própria força das coisas.
Tornar-se-á a base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as
instituições.
Mas
daqui até lá, quantas lutas terá ainda que sustentar contra os seus dois maiores
inimigos: a incredulidade e o fanatismo, coisa bizarra, se dão as mãos para
abatê-lo! Pressentem seu futuro e sua ruína: é por isso que o temem porque o
vêem já plantar, sobre as ruínas do velho mundo egoísta, a bandeira que deve
reunir todos os povos. Na divina máxima: Fora da caridade não há salvação
lêem a sua própria condenação, porque é o símbolo da nova aliança fraternal
proclamada pelo Cristo. Mostra-se a eles como as palavras fatais do festim de
Baltazar. E, todavia, essa máxima, deveriam bendizê-la, porque ela lhes garante
de todas as represálias da parte daqueles que perseguem. Mas não, uma força cega
os impele a rejeitar o que somente poderia salvá-los!
Que
poderão contra o ascendente da opinião que os repudia? O Espiritismo sairá
triunfante da luta, disso não duvideis, porque está nas leis da Natureza, e por
isso mesmo é imperecível. Vede por qual multidão de meios a idéia se difunde e
penetra por toda parte; crede bem que esses meios não são fortuitos, mas
providenciais; o que, à primeira vista, pareceria dever lhe prejudicar, é
precisamente o que ajuda a sua propagação.
Logo
ver-se-á surgirem os lutadores altamente devotados entre os mais consideráveis e
os mais reputados, que o apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo,
e imporão silêncio aos seus detratores, porque não se ousará mais tratá-los de
loucos. Esses homens estudam no silêncio e se mostrarão quando o momento
propício chegar. Até lá, é útil que se mantenham à parte.
Logo
também vereis as artes nele haurir como numa mina fecunda, e traduzir seus
pensamentos e os horizontes que descobrem pela pintura, pela música, pela poesia
e pela literatura. Foi-vos dito que haveria um dia uma arte espírita, como houve
a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande verdade, porque os maiores gênios
nele se inspirarão. Logo vereis os seus primeiros esboços, e mais tarde tomará o
lugar que deve ter.
Espíritas,
o futuro é vosso e de todos os homens de coração e de devotamento. Não temais os
obstáculos, porque não há nenhum deles que possa entravar os desígnios da
Providência. Trabalhai sem descanso, e agradecei a Deus por vos haver colocado
na vanguarda da nova falange. É um posto de honra que vós mesmos pedistes, e do
qual é preciso vos tornar dignos pela vossa coragem, vossa perseverança e vosso
devotamento. Felizes aqueles que sucumbiram nessa luta contra a força; mas a
vergonha será, no mundo dos Espíritos, para aqueles que sucumbirem por fraqueza
ou pusilaminidade. As lutas, aliás, são necessárias para fortalecer a alma; o
contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem. Sem as lutas que
estimulam as faculdades, o Espírito se deixaria ir para uma negligência funesta
ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos desenvolvem as forças físicas
e a inteligência; as lutas contra o mal desenvolvem as forças
morais.
|
Autor: Orson Peter Carrara
Para falar desse importante livro, infelizmente um tanto esquecido, seleciono ao leitor alguns pequenos trechos. Ao final das pequenas transcrições, inseri outros comentários:
a) “(...) trabalhai sem descanso para extirpar o vírus do orgulho e do egoísmo, porque aí está a fonte de todo mal, o obstáculo real ao reino do bem; destruí nas leis, nas instituições, nas religiões, na educação, até os últimos vestígios, os tempos de barbárie e de privilégios, e todas as causas que mantêm e desenvolvem esses eternos obstáculos ao verdadeiro progresso, (...); só então os homens compreenderão os deveres e os benefícios da fraternidade; então, também, se estabelecerão por si mesmos, sem abalos e sem perigo, os princípios complementares da igualdade e da liberdade. (...)” – do capítulo Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
b) “Estes princípios, para mim, não são apenas uma teoria, eu os coloco em prática; faço o bem tanto quanto o permite a minha posição; presto serviço quando posso; os pobres jamais foram rejeitados em minha casa, ou tratados com dureza; (...) Continuarei, pois, a fazer todo o bem que puder, mesmo aos meus inimigos, porque o ódio não me cega; e eu lhes estenderia sempre a mão para tirá-los de um precipício, se a ocasião disso se apresentasse. Eis como entendo a caridade cristã; compreendo uma religião que nos ordena retribuir o mal com o bem, com mais forte razão restituir o bem pelo bem. Mas não compreenderia jamais a que nos prescrevesse retribuir o mal com o mal.” – do capítulo Fora da Caridade não há salvação.
c) “(...)Os homens não podem ser felizes se não vivem em paz, quer dizer, se não estão animados de um sentimento de benevolência, de indulgência e de condescendência recíprocos, em uma palavra, enquanto procurarem se esmagar uns aos outros. A caridade e a fraternidade resumem todas as condições e todos os deveres sociais; mas supõem a abnegação; ora, a abnegação é incompatível com o egoísmo e o orgulho; portanto, com seus vícios nada de verdadeira fraternidade, partindo, da igualdade e da liberdade, porque o egoísta e o orgulhoso querem tudo para eles. Estarão sempre aí os vermes roedores de todas as instituições progressistas; enquanto eles reinarem, os sistemas sociais mais generosos, mais sabiamente combinados, desabarão sob os seus golpes. (...)” – do capítulo O egoísmo e o orgulho – suas causas, seus efeitos e os meios de destruí-los.
Percebe-se, com clareza, que referidos textos – entre outros – precisam ser copiados, distribuídos, lidos e estudados em conjuntos por todos nós em nossas reuniões públicas ou íntimas de estudos, em nossas instituições, pela preciosidade de suas considerações. Pela nossa imperfeição humana, estamos muitas vezes esquecidos da caridade nos relacionamentos, nos julgamentos, ou nos iludimos com tolas vaidades, colocando a perder esforços de décadas daqueles que ergueram ou fundaram as instituições a que atualmente nos entregamos.
Por outro lado, as anotações pessoais do Codificador, seus pensamentos íntimos (como o texto Fora da Caridade não há salvação), suas lutas e dificuldades precisam novamente serem colocados à nossa visão para refletirmos no tempo que perdemos com picuinhas e assuntos sem importância, retardando esforços no bem, onde deveríamos concentrar mais nossas atenções...
Convido o leitor a buscar seu exemplar na estante de sua biblioteca para folhear a obra. Sugiro iniciar pelo índice para inteirar-se do conteúdo do livro. São duas partes. Na primeira delas, estudos de Kardec sobre empolgantes temas e na segunda parte anotações íntimas, detalhes da vida particular do Codificador, comunicações dos Espíritos diretamente ligados à tarefa da Codificação Espírita e a preciosidade dos textos Projeto 1868, Constituição do Espiritismo e Credo Espírita. Como se sabe, o livro foi publicado em janeiro de 1890, após a desencarnação de Allan Kardec, contento textos, estudos e anotações encontradas em seu gabinete de trabalho.
Apesar da riqueza dos estudos contidos na primeira parte da obra, parece-nos que a segunda parte do livro precisa ser novamente consultada e amplamente divulgada entre todos nós, atuais espíritas do Brasil e do mundo, principalmente a partir do texto Fora da Caridade Não Há Salvação. Referido texto dá início a uma seqüência maravilhosa de reflexões, que se distribuem nos capítulos Projeto 1868, Constituição do Espiritismo e Credo Espírita, como já citados acima.
A obra ainda contém a Biografia de Kardec, o discurso de Flammarion por ocasião do sepultamento do Codificador e os preciosos estudos intitulados Teoria da Beleza, A música celeste, Música Espírita, O Caminho da Vida e As cinco alternativas da Humanidade, entre outros.
Quando volto a reler tais preciosidades, fico a pensar por que nos esquecemos deles? Seria leviandade nossa? Seria desprezo ou indiferença? O que nos leva a desprezar tão valiosos escritos e tão importantes reflexões de Kardec? São textos tão importantes que deveriam constituir material de reflexão diária.
Parece-nos que não podemos deixar tal obra no esquecimento. Soa novamente a hora de a divulgarmos amplamente, para que seus preciosos textos estejam conosco a nos orientar o procedimento, o comportamento, os passos no bem.
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A
Regeneração
Revista
Espírita, junho de 1869
Há
muitos séculos as humanidades prosseguem de maneira uniforme a sua marcha
ascendente através do espaço e do tempo. Cada uma delas percorre, etapa por
etapa, a rota do progresso. Se diferem quanto aos meios infinitamente diversos
que a Providencia lhes concedeu, são todas chamadas a se unirem e a se
identificarem na perfeição, desde que todas partem da ignorância e da
inconsciência de si mesmas e avançam indefinidamente para um mesmo objetivo:
Deus, para atingirem a felicidade suprema pelo conhecimento do amor.
Há
universos e mundos, como povos e indivíduos. As transformações físicas da terra,
que sustenta os corpos, podem ser divididas em duas formas, da mesma maneira que
as transformações morais e intelectuais que alargam o espírito e o
coração.
A
terra se modifica pela cultura, pelo arroteamento e os esforços perseverantes
dos seus possuidores e interessados. Mas a esse aperfeiçoamento incessante
devemos juntar os efeitos dos grandes cataclismos periódicos, que representam o
seu regulador supremo, à maneira da enxada e da charrua para o lavrador.
As
Humanidades se transformam e progridem pelo estudo perseverante e pela permuta
de pensamentos. Ao se instruírem e ao instruírem os outros, as inteligências se
enriquecem, mas os cataclismos morais que regenerem o pensamento são necessários
para determinar a aceitação de certas verdades.
Assimilam-se
sem perturbações e progressivamente as conseqüências de verdade aceitas, mas é
necessária uma conjugação imensa de esforços perseverantes para que novos
princípios sejam aceitos. Marcha-se lentamente e sem fadiga por um caminho
plano, mas são necessárias todas as forcas para subir-se uma senda agreste e
superar os obstáculos que surgem. Assim também, para avançar, o homem tem de
quebrar as cadeias que o prendem ao pelourinho do passado através do habito, da
rotina e dos preconceitos. Do contrario continuara firme e ele rodara num
circulo vicioso, sem saída, ate compreender que, para superar a resistência que
lhe fecha a rota do futuro, não basta quebrar as velhas armas estragadas, mas é
indispensável fazer outras.
Destruir
um navio que faz água por todos os lados, antes de empreender uma travessia
marítima, é medida de prudência, mas será ainda necessário, para realizar a
viagem, construir novos meios de transporte. Eis, no entanto, atualmente, onde
se encontram certos homens avançados, no mundo moral e filosófico e em outros
mundos do pensamento! Tudo solaparam, tudo atacaram! As ruínas se espalham por
toda parte, mas eles ainda não compreenderam que é necessário elevar, sobre
essas ruínas, alguma coisa mais seria do que um livre pensamento e uma
independência moral, independentes apenas da moral e da razão. O nada em que se
apóiam é uma palavra profunda somente por ser vazia. Se Deus não pode mais criar
os mundos do nada, não pode o homem criar novas crenças sem bases. Essas bases
estão no estudo e na observação dos fatos.
A
verdade eterna, como a lei que a confirma, não dependem da aceitação dos homens
para existir. Ela é. E governa o Universo a despeito dos que fecham os olhos
para não vê-la. A eletricidade existia antes de Galvani e o vapor antes de
Papin, como a nova crença e os princípios filosóficos do futuro, antes mesmo que
os publicistas e os filósofos os confirmem.
Sede
os pioneiros perseverantes e infatigáveis! Se vos chamarem de loucos, como a
Salomao de Caus, se vos repelirem como a Fulton, continuai avançando, porque o
tempo, o juiz supremo, fará surgir das trevas os que alimentam o farol que deve,
um dia, iluminar toda a Humanidade.
Na Terra, o passado e o futuro são os dois braços de uma alavanca que tem no presente o seu ponto de apoio. Enquanto a rotina e os preconceitos dominam, o passado esta no apogeu. Quando a luz se faz, a alavanca se move e o passado que já escurecia desaparece, para dar lugar ao futuro que alvorece.
Allan
Kardec.
Minha
Missão
(Em casa do Sr. C...; médium: Srta. Aline C...)
12 de junho de 1856 [1]
Pergunta
(ao Espírito de Verdade) — Bom Espírito, eu desejara saber o que pensas da
missão que alguns Espíritos me assinaram. Dize-me, peço-te, se é uma prova para
o meu amor-próprio. Tenho, como sabes, o maior desejo de contribuir para a
propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário em
chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça
tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não
disponho [2].
Resposta
— Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres
sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que
ora te surpreende. Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste
último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam
na cabeça de um homem. Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a
fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu
ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens saberão reconhecê-lo, cedo ou
tarde, visto que pelos frutos é que se verifica a qualidade da
árvore.
P.
— Nenhum
desejo tenho certamente de me vangloriar de uma missão na qual dificilmente
creio. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da Providência,
que ela disponha de mim. Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons
Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa.
R.
— A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não
fizeres o que for necessário. Tens o teu livre-arbítrio, do qual podes usar como
o entenderes. Nenhum homem é constrangido a fazer coisa alguma.
P.
—
Que causas poderiam determinar o meu malogro? Seria a insuficiência das minhas
capacidades?
R.
— Não;
mas, a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos.
Previno-te
de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo
inteiro.
Não
suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em
seguida ficares tranqüilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás
contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda;
ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos
que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão
desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga;
numa palavra: terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu
repouso, da tua tranqüilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso,
viverias muito mais tempo
[3].
Ora bem! não poucos recuam quando, em vez de uma estrada florida, só vêem sob os
passos urzes, pedras agudas e serpentes. Para tais missões, não basta a
inteligência. Faz-se mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade,
modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os
ambiciosos. Para lutar contra os homens, são indispensáveis coragem,
perseverança e inabalável firmeza. Também são de necessidade prudência e tato, a
fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito com
palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim, devotamento, abnegação e
disposição a todos os sacrifícios.
Vês, assim, que a tua missão está
subordinada a condições que dependem de ti.
Espírito
Verdade
Eu
— Espírito Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo, sem
restrição e sem idéia preconcebida.Senhor!
pois que te dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus
desígnios, faça-se a tua vontade! Está nas tuas mãos a minha vida; dispõe do teu
servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande tarefa; a minha boa
vontade não desfalecerá, as forças, porém, talvez me traiam. Supre à minha
deficiência; dá-me as forças físicas e morais que me forem necessárias.
Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxílio e dos teus celestes
mensageiros, tudo envidarei para corresponder aos teus desígnios.
NOTA
— Escrevo esta nota a 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que me foi
dada a comunicação acima e atesto que ela se realizou em todos os pontos, pois
experimentei todas as vicissitudes que me foram preditas.
Andei
em luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja
e o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores
instruções foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança
depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços. A
Sociedade de Paris se constituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim
por aqueles mesmos que se declaravam a meu favor e que, de boa fisionomia na
minha presença, pelas costas me golpeavam. Disseram que os que se me conservavam
fiéis estavam à minha soldada e que eu lhes pagava com o dinheiro que ganhava do
Espiritismo. Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez
sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a
existência.
Graças,
porém, à proteção e assistência dos bons Espíritos que incessantemente me deram
manifestas provas de solicitude, tenho a ventura de reconhecer que nunca senti o
menor desfalecimento ou desânimo e que prossegui, sempre com o mesmo ardor, no
desempenho da minha tarefa, sem me preocupar com a maldade de que era objeto.
Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, eu tinha de contar com tudo isso e
tudo se verificou. Mas, também, a par dessas vicissitudes, que de satisfações
experimentei, vendo a obra crescer de maneira tão prodigiosa! Com que
compensações deliciosas foram pagas as minhas tribulações! Que de bênçãos e de
provas de real simpatia recebi da parte de muitos aflitos a quem a Doutrina
consolou! Este resultado não mo anunciou o Espírito de Verdade que, sem dúvida
intencionalmente, apenas me mostrara as dificuldades do caminho.
Qual
não seria, pois, a minha ingratidão, se me queixasse! Se dissesse que há uma
compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o bem,
refiro-me às satisfações morais, sobrelevaram de muito o mal. Quando me
sobrevinha uma decepção, uma contrariedade qualquer, eu me elevava pelo
pensamento acima da Humanidade e me colocava antecipadamente na região dos
Espíritos e desse ponto culminante, donde divisava o da minha chegada, as
misérias da vida deslizavam por sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me
tornara esse modo de proceder, que os gritos dos maus jamais me
perturbaram.
Allan
Kardec.
Bibliografia:
OBRAS
PÓSTUMAS – Previsões concernentes ao Espiritismo - Minha primeira
iniciação no Espiritismo - Minha Missão - Allan Kardec, Paris – 1890
- tradução de Guilon Ribeiro, Editora FEB. Versão Eletrônica pode ser baixada
de:
www.opiniaoespirita.org/downloads/obras_postumas.pdf (1,27MB).
Procure a página 343 do referido download.
Notas
do Editor deste site (Opinião Espírita):
(Clique
nos números das notas para encontrar a localização do texto que gerou a
nota)
[1] -
Essa
conversa se deu 10 meses e 6 dias antes da publicação de O Livro dos
Espíritos, que foi a primeira obra de Allan Kardec e que marcou, na Terra, o
surgimento da Doutrina Espírita. A conversa representa o momento da aceitação,
por parte de Kardec, da missão de codificar e propagar o
Espiritismo.
[2] - A
pergunta justifica-se, não pelo fato de Allan Kardec não se julgar capaz de
realizar o trabalho, mas de já haver, àquela época e há vários anos, várias
outras pessoas estudando e pesquisando os fenômenos espíritas, e que já poderiam
estar num estágio mais avançado de conhecimentos e experiência. Na introdução de
O Livro dos Espíritos (ver item IV), Kardec relata experiências que eram feitas
desde 1849, enquanto que ele tomava pela primeira vez contato com os fenômenos
somente em maio de 1855. E, quando ele lançou a sua Revista Espírita, a 1o de
janeiro de 1858, sem um único assinante, já existiam nos Estados Unidos
dezessete periódicos espiritualistas estabelecidos em língua inglesa (ver
Apresentação da FEB na Revista Espírita de 1858, traduzida por Evandro
Noleto Bezerra, Ed. FEB). Essas são as razões de ele julgar haver outros homens
que seriam mais capazes do que ele para desempenhar a tarefa, e não uma
demonstração de falsa humildade.
[3] -
Repare
o leitor na diferença entre as mensagens de Espíritos realmente superiores e a
de Espíritos pretensamente superiores. Os espíritos realmente superiores indicam
a missão e mostram as dificuldades do caminho; jamais constrangem. Já os
pretensos superiores (ou mistificadores), prometem facilidades e glórias àqueles
que desejam iludir, além de indicarem a aquisição de "karmas", ou mesmo
problemas de ordem pessoal, como obsessões, por exemplo, caso se recusem a fazer
o que eles lhes propõem.
Bibliografia
das notas:
1.
O
LIVRO DOS ESPÍRITOS – Allan Kardec, Paris – 1857 (tradução com base na
3a edição francesa). Versão eletrônica pode ser baixada de:
www.opiniaoespirita.org/downloads/o_livro_dos_espiritos.pdf
(1,27MB).
2.
Revista
Espírita ano I - 1858, Ed. FEB - 3a Edição - 2004.
O
Exemplo é o mais poderoso agente de propagação
Marcha
gradual do Espiritismo. Dissidências e entraves
Precursores
da tempestade
A
tiara espiritual
Obras
Póstumas
DE
ALLAN
KARDEC
Índice
Geral
Primeira
Parte
Sobre as artes em geral; sua regeneração pelo Espiritismo
Segunda
Parte
Allan Kardec
A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana: uma revela as leis do mundo material e a outra as do mundo moral. Tendo, no entanto, essas leis o mesmo princípio, que é Deus, não podem contradizer- se. Se fossem a negação uma da outra, uma necessariamente estaria em erro e a outra com a verdade, porquanto Deus não pode pretender a destruição de sua própria obra. A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de idéias provém apenas de uma observação defeituosa e de excesso de exclusivismo, de um lado e de outro. Daí um conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância.
São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo têm de ser completados; em que o véu intencionalmente lançado sobre algumas partes desse ensino tem de ser levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, tem de levar em conta o elemento espiritual e em que a Religião, deixando de ignorar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, como duas forças que são, apoiando-se uma na outra e marchando combinadas, se prestarão mútuo concurso. Então, não mais desmentida pela Ciência, a Religião adquirirá inabalável poder, porque estará de acordo com a razão, já se lhe não podendo mais opor a irresistível lógica dos fatos.
O
porvir e o nada
Resposta. – Todas as leis que regem o Universo, quer sejam físicas ou morais, materiais ou intelectuais, foram descobertas, estudadas, compreendidas, procedendo do estudo e da individualidade, e do da família à de todo o conjunto, generalizando-as gradualmente, e constatando-lhe a universalidade dos resultados.
Ocorre o mesmo hoje para as leis que o estudo do Espiritismo vos faz conhecer; podeis aplicar, sem medo de errar, as leis que regem a família, a nação, as raças, o conjunto de habitantes dos mundos, que são individualidades coletivas. As faltas dos indivíduos, as da família, as da nação, e cada uma, qualquer que seja o seu caráter, se expiam em virtude da mesma lei. O carrasco expia para com a sua vítima, seja achando-se em sua presença no espaço, seja vivendo em contato com ela numa ou várias existências sucessivas, até à reparação de todo o mal cometido, Ocorre o mesmo quando se trata de crimes cometidos solidariamente, por um certo número; as expiações são solidárias, o que não aniquila a expiação simultânea das faltas individuais.
Em todo homem há três caracteres: o do indivíduo, do ser em si mesmo: o de membro de família, e, enfim, o de cidadão; sob cada uma dessas três faces pode ser criminoso ou virtuoso, quer dizer, pode ser virtuoso como pai de família, ao mesmo tempo que criminoso como cidadão, e reciprocamente; daí as situações especiais que lhe são dadas em suas existências sucessivas.
Salvo exceção, pode-se admitir como regra geral que todos aqueles que têm uma tarefa comum reunidos numa existência, já viveram juntos para trabalharem pelo mesmo resultado, e se acharão reunidos ainda no futuro, até que tenham alcançado o objetivo, quer dizer, expiado o passado, ou cumprido a missão aceita.
Graças ao Espiritismo, compreendeis agora a justiça das provas que não resultam de atos da vida presente, porque já vos foi dito que é a quitação de dívidas do passado; por que não ocorreria o mesmo com as provas coletivas? Dissestes que as infelicidades gerais atingem o inocente como o culpado; mas sabeis que o inocente de hoje pode ter sido o culpado de ontem? Que tenha sido atingido individualmente ou coletivamente, é que o mereceu. E, depois, como dissemos, há faltas do indivíduo e do cidadão; a expiação de umas não livra da expiação das outras, porque é necessário que toda dívida seja paga até o último centavo. As virtudes da vida privada não são as da vida pública; um, que é excelente cidadão, pode ser muito mau pai de família, e outro, que é bom pai de família, probo e honesto em seus negócios, pode ser um mau cidadão, ter soprado o fogo da discórdia, oprimido o fraco, manchado as mãos em crimes de lesa-sociedade. São essas faltas coletivas que são expiadas coletivamente pelos indivíduos que para elas concorreram, os quais se reencontram para sofrerem juntos a pena de talião, ou ter a ocasião de repararem o mal que fizeram, provando o seu devotamento à coisa pública, socorrendo e assistindo aqueles que outrora maltrataram. O que é incompreensível, inconciliável com a justiça de Deus, sem a preexistência da alma, se torna claro e lógico pelo conhecimento dessa lei.
A solidariedade, que é o verdadeiro laço social, não está, pois, só para o presente; ela se estende no passado e no futuro, uma vez que as mesmas individualidades se encontraram, se reencontram e se encontrarão para subirem juntas a escala do progresso, prestando-se concurso mútuo. Eis o que o Espiritismo faz compreender pela equitativa lei da reencarnação e a continuidade das relações entre os mesmos seres.
Clélie DUPLANTIER.
Nota. – Se bem que esta comunicação entre nos princípios conhecidos da responsabilidade do passado, e da continuidade das relações entre os Espíritos, ela encerra uma idéia de alguma sorte nova e de grande importância. A distinção que estabelece entre a responsabilidade das faltas individuais ou coletivas, as da vida privada e da vida pública, dá a razão de certos fatos ainda pouco compreendidos, e mostra, de maneira mais precisa, a solidariedade que liga os seres uns aos outros, e as gerações entre si.
Assim, freqüentemente, renascem na mesma família, ou pelo menos os membros de uma mesma família renascem juntos para nela constituírem uma nova, numa outra posição social, a fim de estreitarem os seus laços de afeição, ou repararem os seus erros recíprocos. Pelas considerações de uma ordem mais geral, freqüentemente, se renasce no mesmo meio, na mesma nação, na mesma raça, seja por simpatia, seja para continuar, com os elementos já elaborados, os estudos que se fizeram, se aperfeiçoar, prosseguir os trabalhos começados, que a brevidade da vida, ou as circunstâncias, não permitiram terminar. Essa reencarnação no mesmo meio é a causa do caráter distintivo de povos e de raças; tudo melhorando, os indivíduos conservam a nuança primitiva, até que o progresso os haja transformado completamente.
Os Franceses de hoje são, pois, os do último século, os da Idade Média, os dos tempos druídicos; são os cobradores de impostos ou as vítimas do feudalismo; aqueles que serviram os povos e aqueles que trabalharam pela sua emancipação, que se reencontram na França transformada, onde uns expiam no rebaixamento de seu orgulho de raça, e onde os outros gozam o fruto dos seus trabalhos.
Mas dessas convulsões sociais sai sempre uma melhora; os Espíritos se esclarecem pela experiência; a infelicidade é o estímulo que os impele a procurar um remédio para o mal; eles refletem na erraticidade, tomam novas resoluções, e quando retornam, fazem melhor. É assim que se realiza o progresso, de geração em geração.
Não se pode duvidar de que haja famílias, cidades, nações, raças culpadas porque, dominadas pelos instintos do orgulho, do egoísmo, da ambição, da cupidez, caminham em má senda e fazem coletivamente o que um indivíduo faz isoladamente; uma família se enriquece às expensas de uma outra família; um povo subjuga um outro povo, e leva-lhe a desolação e a ruína; uma raça quer aniquilar uma outra raça. Eis por que há famílias, povos e raças sobre os quais cai a pena de talião.
“Quem matou pela espada perecerá pela espada,” disse o Cristo; estas palavras podem ser traduzidas assim: Aquele que derramou sangue verá o seu derramado; aquele que passeou a tocha do incêndio em casa de outrem, verá a tocha do incêndio passear em sua casa; aquele que despojou, será despojado; aquele que subjugou e maltratou o fraco, será fraco, subjugado e maltratado, por sua vez, quer seja um indivíduo, uma nação ou uma raça, porque os membros de uma individualidade coletiva são solidários do bem como do mal que se faz em comum.
Ao passo que o Espiritismo alarga o campo da solidariedade, o materialismo o reduz às mesquinhas proporções da existência efêmera do homem; faz dela um dever social sem raízes, sem outra sanção senão a boa vontade e o interesse pessoal do momento; é uma teoria, uma máxima filosófica, da qual nada impõe a prática; para o Espiritismo, a solidariedade é um fato que se assenta sobre uma lei universal e natural, que liga todos os seres do passado, do presente e do futuro, e às conseqüências da qual ninguém pode se subtrair. Eis o que todo homem pode compreender, por pouco letrado que seja.
Quando todos os homens compreenderem o Espiritismo, compreenderão a verdadeira solidariedade e, em conseqüência, a verdadeira fraternidade. A solidariedade e a fraternidade não serão mais deveres circunstanciais que cada um prega, muito freqüentemente, mais em seu próprio interesse do que no de outrem. O reino da solidariedade e da fraternidade será, forçosamente, o da justiça para todos, e o reino da justiça será o da paz e da harmonia entre os indivíduos, as famílias, os povos e as raças. Ali se chegará? Duvidar disso seria negar o progresso. Comparando-se a sociedade atual, entre as nações civilizadas, ao que era na Idade Média, certamente, a diferença é grande; se, pois, os homens caminharam até aqui, por que se deteriam? Ao ver o caminho que fizeram num século somente, pode-se julgar daquele que farão daqui a um outro século.
As convulsões sociais são as revoltas dos Espíritos encarnados contra o mal que os oprime, o indício de suas aspirações com relação a esse mesmo reino de justiça do qual têm sede, sem, todavia, se darem uma conta bem nítida do que querem e dos meios para a isso chegar; é por que se movimentam, se agitam, destroem a torto e a direito, criam sistemas, propõem remédios mais ou menos utópicos, cometem mesmo mil injustiças, supostamente pelo espírito de justiça, esperando que desse movimento sairá talvez alguma coisa. Mais tarde, definirão melhor as suas aspirações, e o caminho se lhes clareará.
Quem vai ao fundo dos princípios do Espiritismo filosófico, considera os horizontes que descobre, as idéias que faz nascer e os sentimentos que desenvolve, não poderia duvidar da parte preponderante que ele deve ter na regeneração, porque conduz precisamente, e pela força das coisas, ao objetivo aspirado pela Humanidade: o reino de justiça pela extinção dos abusos que lhe detiveram o progresso, e pela moralização das massas. Se aqueles que sonham com a manutenção do passado não o julgam assim, não se obstinariam tanto junto dele; deixá-lo-iam morrer de morte natural, como ocorreu com muitas utopias. Só isso deveria dar a pensar a certos zombadores que devem nele ver alguma coisa de mais séria do que não imaginam. Mas há pessoas que riem de tudo, que ririam de Deus se o vissem sobre a Terra. Depois, há aqueles que têm medo de se erguer, diante deles, a alma que se obstinam em negar.
Qualquer que seja a influência que o Espiritismo deva exercer sobre o futuro das sociedades, isso não quer dizer que substituirá sua autocracia por uma outra autocracia, nem que não imporá leis; primeiro, porque, proclamando o direito absoluto de liberdade de consciência e do livre exame em matéria de fé, como crença ele quer ser livremente aceito, por convicção e não por constrangimento; pela sua natureza, não pode e nem deve exercer nenhuma pressão; proscrevendo a fé cega, quer ser compreendido; para ele, nunca há mistérios, mas uma fé raciocinada, apoiada sobre os fatos, e que quer a luz; não repudia nenhuma das descobertas da ciência, tendo em vista que a ciência é a compilação das leis da Natureza, e que, sendo essas leis de Deus, repudiar a ciência seria repudiar a obra de Deus.
Em segundo lugar, a ação do Espiritismo , estando em seu poder moralizador, não pode assumir nenhuma forma autocrática, porque então faria o que condena. Sua influência será preponderante pelas modificações que trará nas idéias, nas opiniões, no caráter, nos hábitos dos homens e nas relações sociais; essa influência será tanto maior quanto ela não for imposta. O Espiritismo, poderoso como filosofia, não poderia senão perder, neste século de raciocínio, transformando-se em poder temporal. Não será, pois, ele que fará as instituições do mundo regenerado; serão os homens que as farão sob o império das idéias de justiça, de caridade, de fraternidade e de solidariedade melhor compreendidas, por efeito do Espiritismo.
O Espiritismo, essencialmente positivo em suas crenças, repele todo misticismo, a menos que se não estenda esse nome, como o fazem aqueles que não crêem em nada, a toda idéia espiritualista, à crença em Deus, na alma e na vida futura. Leva, certamente, os homens a se ocuparem seriamente da vida espiritual, porque é a vida normal, e que é lá que devem cumprir sua destinação, uma vez que a vida terrestre não é senão transitória e passageira; pelas provas que dá da vida espiritual, lhes ensina a não darem, às coisas deste mundo, senão uma importância relativa, e por aí lhes dá a força e a coragem para suportarem, pacientemente, as vicissitudes da vida terrestre; mas ensinando-lhes que, morrendo, não deixam este mundo sem retorno; que podem aqui voltar a aperfeiçoar a sua educação intelectual e moral, a menos que não estejam bastante avançados para merecerem ir para um mundo melhor; que os trabalhos e os progressos que aqui realizam, ou aqui fazem realizar, lhes aproveitarão a si mesmos, melhorando a sua posição futura, e mostrar-lhes que têm todo o interesse em não o negligenciarem; se lhes repugna aqui voltar, como têm o seu livre arbítrio, depende deles fazer o que é necessário para ir alhures; mas que não se iludam sobre as condições que podem lhes merecer uma mudança de residência! Não será com a ajuda de algumas fórmulas, em palavras ou em ações, que a obterão, mas por uma reforma séria e radical de suas imperfeições; é se modificando, se despojando de suas más paixões, adquirindo cada dia novas qualidades; ensinando a todos, pelo exemplo, a linha de conduta que deve conduzir solidariamente todos os homens para a felicidade, pela fraternidade, pela tolerância e pelo amor.
A Humanidade se compõe de personalidades que constituem as existências individuais, e de gerações que constituem as existências coletivas. Ambas caminham para o progresso, por fases variadas de provas que são, assim, individuais para as pessoas e coletivas para as gerações. Do mesmo modo que, para o encarnado, cada existência é um passo à frente, cada geração marca uma etapa de progresso para o conjunto; é esse progresso do conjunto que é irresistivel, e arrasta as massas ao mesmo tempo que modifica e transforma em instrumento de regeneração os erros e os preconceitos de um passado chamado a desaparecer. Ora, como as gerações são compostas de indivíduos que já viveram nas gerações precedentes, o progresso das gerações é, assim, a resultante do progresso dos indivíduos.
Mas quem me demonstrará, dir-se-á talvez, a solidariedade que existe entre a geração atual e as gerações que a precederam, ou que a seguirão? Como se poderia me provar que já vivi na Idade Média, por exemplo, e que retornarei a tomar parte nos acontecimentos que se cumprirão na continuação dos tempos?
O princípio da pluralidade das existências, freqüentemente, foi bastante demonstrado na Revista, e nas obras fundamentais da Doutrina, para que não nos detenhamos aqui sobre ele; a experiência e a observação dos fatos da vida diária fornecem provas físicas e de uma demonstração quase matemática. Convidamos somente os pensadores a se prenderem às provas morais resultantes do raciocínio e da indução.
É absolutamente necessário ver uma coisa para nela crer? Vendo os efeitos, não se pode ter a certeza material da causa?
Fora da experimentação, o único caminho legítimo que se abre, a essa procura, consiste em remontar do efeito à causa. A justiça nos oferece um exemplo muito notável desse princípio, quando se aplica em descobrir os indícios dos meios que serviram para a perpretação de um crime, as intenções que contribuem para a culpabilidade do malfeitor. Não se tomou esta última sobre o fato e, entretanto, ele é condenado sobre esses indícios.
A ciência, que não pretende caminhar senão pela experiência, afirma, todos os dias, princípios que não são senão induções das causas das quais ela não viu senão os efeitos.
Em geologia determina-se a idade das montanhas; os geólogos assistiram ao seu erguimento, viram se formar as camadas de sedimentos que determinaram essa idade?
Os conhecimentos astronômicos, físicos e químicos permitem apreciar o peso dos planetas, sua densidade, seu volume, a velocidade que os anima, a natureza dos elementos que os compõem; entretanto, os sábios não puderam fazer experiência direta, e é à analogia e à indução que nós devemos tantas descobertas belas e preciosas.
Os primeiros homens, sobre o testemunho de seus sentidos, afirmaram que é o Sol que gira ao redor da Terra. Todavia, esse testemunho os enganava e o raciocínio prevaleceu.
Ocorrerá o mesmo com os princípios preconizados pelo Espiritismo, desde que se queira bem estudá-los, sem idéia preconcebida, e será então que a Humanidade entrará, verdadeira e rapidamente, na era de progresso e de regeneração, porque os indivíduos, não se sentindo mais isolados entre dois abismos, o desconhecido do passado e a incerteza do futuro, trabalharão com ardor para aperfeiçoar e para multiplicar os elementos de felicidade, que são a sua obra; porque reconhecerão que não devem ao acaso a posição que ocupam no mundo, e que eles mesmos gozarão, no futuro, e em melhores condições, dos frutos de seus labores e de suas vigílias. É que, enfim, o Espiritismo lhes ensinará que, se as faltas cometidas coletivamente são expiadas solidariamente, os progressos realizados em comum são igualmente solidários, e é em virtude desse princípio que desaparecerão as dissenções de raças, de famílias e dos indivíduos, e que a Humanidade, despojada das faixas da infância, caminhará, rápida e virilmente, para a conquista de seus verdadeiros destinos.
Júpiter
e alguns outros mundos
O mundo dos Espíritos se compõe de almas de todos os humanos desta Terra e de outras esferas, desligadas dos laços corporais; do mesmo modo, todos os humanos são animados por Espíritos neles encarnados. Há, pois, solidariedade entre os dois mundos: os homens terão as qualidades e as imperfeições dos Espíritos com os quais estão unidos; os Espíritos serão mais ou menos bons ou maus, segundo os progressos que tiverem feito durante a sua existência corporal. Essas poucas palavras resumem toda a doutrina. Como os atos dos homens são o produto do seu livre arbítrio, levam a marca da perfeição ou da imperfeição do Espírito que os provocam. Ser-nos-á, pois, muito fácil fazermos uma idéia do estado moral de um mundo qualquer, segundo a natureza dos Espíritos que o habitem; poderemos, de algum modo, descrever a sua legislação, traçar o quadro dos seus costumes, dos seus usos, das suas relações sociais. Suponhamos, pois, um globo habitado, exclusivamente, por Espíritos da nona classe, por Espíritos impuros, e a ele nos transportemos pelo pensamento. Nele veremos todas as paixões desencadeadas e sem freio; o estado moral no último grau de embrutecimento; a vida animal em toda a sua brutalidade; nada de laços sociais, porque cada um não vive e não age senão para si e para satisfazer os seus apetites grosseiros; o egoísmo nele reina com soberania absoluta, e arrasta consigo o ódio, a inveja, o ciúme, a cupidez, a morte.
Passemos, agora, para uma outra esfera, onde se encontrem Espíritos de todas as classes da terceira ordem: Espíritos impuros, Espíritos levianos, Espíritos pseudo-sábios, Espíritos neutros. Sabemos que, em todas as classes dessa ordem, o mal domina; mas, sem terem o pensamento do bem, o do mal decresce à medida que se afastam da última classe, O egoísmo é sempre o móvel principal das ações, mas os costumes são mais brandos, a inteligência mais desenvolvida; o mal, aí, estará um pouco disfarçado, enfeitado e dissimulado. Essas próprias qualidades, engendram um outro defeito, que é o orgulho; porque as classes mais elevadas são bastante esclarecidas para terem consciência da sua superioridade, mas não o bastante para compreenderem o que lhes falta; daí a sua tendência à escravização das classes inferiores, e de raças mais fracas, que tenham sob o seu jugo. Não tendo o sentimento do bem, não têm senão o instinto do eu e acionam a sua inteligência para satisfazerem as suas paixões. Numa tal sociedade, se o elemento impuro domina, esmagará o outro; no caso contrário, os menos maus procurarão destruir os seus adversários; em todos os casos, haverá luta, luta sangrenta, luta de extermínio, porque são dois elementos que têm interesses opostos. Para proteger os bens e as pessoas, serão necessárias leis; mas essas leis serão ditadas pelo interesse pessoal e não pela justiça; o forte as fará, em detrimento do fraco.
Suponhamos, agora, um mundo onde, entre os elementos maus que acabamos de ver, se encontrem alguns dos de segunda ordem; então, em meio da perversidade, veremos aparecer algumas virtudes. Se os bons estiverem em minoria, serão vítimas dos maus; mas, à medida que aumente a sua preponderância, a legislação será mais humana, mais eqüitativa, e a caridade cristã não será, para todos, uma letra morta. Desse próprio bem, vai nascer um outro vício. Malgrado a guerra que os maus declarem, sem cessar, aos bons, não poderão impedi-los de os estimar em seu foro íntimo; vendo a ascendência da virtude sobre o vício, e não tendo nem a força e nem a vontade de praticá-la, procurarão parodiá-la; tomam-lhe a máscara; daí os hipócritas, tão numerosos em toda sociedade onde a civilização é imperfeita.
Continuemos nossa rota através dos mundos, e detenhamo-nos neste, que nos vai repousar um pouco do triste espetáculo que acabamos de ver. Não é habitado senão por Espíritos da segunda ordem. Que diferença! O grau de depuração que alcançaram exclui, entre eles, todo pensamento do mal, e só essa palavra nos dá a idéia do estado moral dessa feliz região. A legislação, aí, é bem simples, porque os, homens não têm do que se defenderem, uns contra os outros; ninguém quer o mal para o seu próximo, ninguém se apropria do que não lhe pertence, ninguém procura viver em detrimento do seu vizinho. Tudo respira a benevolência e o amor; os homens não procuram se prejudicar; não há ódio; o egoísmo é desconhecido e a hipocrisia não teria finalidade. Aí, todavia, não reina a igualdade absoluta, porque a igualdade absoluta supõe uma identidade perfeita no desenvolvimento intelectual e moral; ora, veremos, pela escala espiritual, que a segunda ordem compreende vários graus de desenvolvimento; haverá, pois, nesse mundo, desigualdades, porque uns serão mais avançados do que outros; mas, como entre eles não há senão o pensamento do bem, os mais elevados não conceberão nada de orgulho, e os outros nada de ciúme. O inferior compreende a ascendência do superior e se submete, porque essa ascendência é puramente moral e ninguém dela se serve para oprimir.
As conseqüências que tiramos, desses quadros, embora apresentadas de um modo hipotético, não deixam de ser perfeitamente racionais, e, cada um pode deduzir o estado social de um mundo qualquer, segundo a proporção dos elementos morais dos quais se o supõe composto. Vimos que, abstração feita da revelação dos Espíritos, todas as probabilidades são para a pluralidade dos mundos; ora, não é menos racional pensar que todos não estão num mesmo grau de perfeição, e que, por isso mesmo, nossas suposições podem muito bem ser realidades. Não os conhecemos, senão o nosso, de um modo positivo. Que categoria ele ocupa nessa hierarquia? Ah! basta considerar o que aqui se passa para ver que está longe de merecer a primeira categoria, e estamos convencidos de que, lendo estas linhas, já se lhe terá marcado seu lugar. Quando os Espíritos nos dizem que estão, senão na última, pelo menos nas últimas, o simples bom senso nos diz, infelizmente, que não se enganam; temos muito a fazer para elevá-lo à categoria daquele que escrevemos em último lugar, e temos muita necessidade que o Cristo venha nos mostrar o caminho.
Quanto à aplicação, que podemos fazer, do nosso raciocínio, aos diferentes globos do nosso turbilhão planetário, não temos senão os ensinamentos dos Espíritos; ora, para quem não admite senão provas palpáveis, é positivo que sua asserção, a esse respeito, não tenha a certeza da experimentação direta. No entanto, não aceitamos, todos os dias com confiança as descrições, que os viajantes nos fazem, de países que jamais vimos? Se nós não devêssemos crer senão por nossos olhos, não creríamos em grande coisa. O que dá aqui, um certo peso ao dizer dos Espíritos, é a correlação que existe entre eles, pelo menos nos pontos principais. Para nós, que fomos cem vezes testemunhas dessas comunicações, que pudemos apreciá-las em seus menores detalhes, que nelas escrutamos o forte e o fraco, observamos as semelhanças e as contradições, encontramos todos os caracteres da probabilidade; todavia, não lhes damos senão sob benefício de inventário, a título de notícias, aos quais cada um está livre para ligar a importância que julga adequada. Segundo os Espíritos, o planeta Marte seria ainda menos avançado do que a Terra; os Espíritos que nele estão encarnados pareceriam pertencer, quase exclusivamente, à nona classe, a dos Espíritos impuros, de sorte que o primeiro quadro, que demos acima, seria a imagem desse mundo. Vários outros pequenos globos estão, com algumas nuanças, na mesma categoria. A Terra viria em seguida; a maioria de seus habitantes pertence, incontestavelmente, a todas as classes da terceira ordem, e a parte menor às últimas classes da segunda ordem. Os Espíritos superiores, os da segunda e da terceira classe, nela cumprem, algumas vezes, uma missão de civilização e progresso, e são exceções. Mercúrio e Saturno vêm depois da Terra. A superioridade numérica de bons Espíritos lhes dá a preponderância sobre os Espíritos inferiores, do que resulta uma ordem social mais perfeita, relações menos egoístas, e, por conseqüência, uma condição de existência mais feliz. A Lua e Vênus estão quase no mesmo grau e, sob todos os aspectos, mais avançados do que Mercúrio e Saturno. Juno (Juno é o nome de uma divindade itálica. Deve ter ocorrido um lapso do autor, uma vez que não ha, no nosso sistema solar, nenhum planeta com este nome. N. do T.) e Urano seriam ainda superiores a esses últimos. Pode-se supor que os elementos morais, desses dois planetas, são formados das primeiras classes da terceira ordem e, na grande maioria, de Espíritos da segunda ordem. Os homens, neles, são infinitamente mais felizes do que sobre a Terra, pela razão de que não têm nem as mesmas lutas a sustentar, nem as mesmas tribulações a suportar, e não estão expostos às mesmas vicissitudes físicas e morais.
De todos os planetas, o mais avançado, sob todos os aspectos, é Júpiter. Ali, é o reino exclusivo do bem e da justiça, porque não há senão bons Espíritos. Pode-se fazer um idéia do feliz estado dos seus habitantes pelo quadro que demos do mundo habitado sem a participação dos Espíritos da segunda ordem.
A superioridade de Júpiter não está somente no estado moral dos seus habitantes; está, também, na sua constituição física. Eis a descrição que nos foi dada, desse mundo privilegiado, onde encontramos a maioria dos homens de bem que honraram nossa Terra pelas suas virtudes e seus talentos.
A conformação dos corpos é quase a mesma desse mundo, mas é menos material, menos denso e de uma maior leveza específica. Ao passo que rastejamos penosamente na Terra, o habitante de Júpiter se transporta, de um lugar para outro, roçando a superfície do solo, quase sem fadiga, como o pássaro no ar ou o peixe na água. Sendo a matéria, da qual o corpo está formado, mais depurada, ela se dissipa, depois da morte, sem ser submetida à decomposição pútrida. Ali não existe a maioria das enfermidades que nos afligem, sobretudo aquelas que têm sua fonte nos excessos de todos os gêneros e na desordem causada pelas paixões. A alimentação está em relação com essa organização etérea; não seria bastante substanciosa para os nossos estômagos grosseiros, e a nossa seria muito pesada para eles; ela se compõe de frutas e plantas, e, aliás, haurem, de algum modo, a maior parte do meio ambiente do qual aspiram as emanações nutritivas. A duração da vida é, proporcionalmente, muito maior que sobre a Terra; a média equivale a cinco dos nossos séculos. O desenvolvimento também é muito mais rápido, e a infância dura apenas alguns de nossos meses.
Sob esse envoltório leve, os Espíritos se desligam facilmente e entram em comunicação recíproca unicamente pelo pensamento, sem excluir, todavia, a linguagem articulada; também a segunda vista é, para a maioria uma faculdade permanente; seu estado normal pode ser comparado ao dos nossos sonâmbulos lúcidos; é também porque se manifestam, a nós, mais facilmente do que aqueles que estão encarnados em mundos mais grosseiros e mais materiais. A intuição que têm do futuro, a segurança que lhes dá uma consciência isenta de remorsos, fazem com que a morte não lhes cause nenhuma apreensão; vêem-na chegar sem medo e como uma simples transformação.
Os animais não estão excluídos desse estado progressivo, sem se aproximarem, entretanto, do homem, mesmo sob o aspecto físico; seus corpos, mais materiais ligam-se ao solo, como nós à Terra. Sua inteligência ó mais desenvolvida do que nos nossos; a estrutura dos seus membros se dobra a todas exigências do trabalho; são encarregados da execução de obras manuais; são os servidores e os operários: as ocupações dos homens são puramente intelectuais. O homem é, para eles, uma divindade, mas uma divindade tutelar que jamais abusa do seu poder para oprimi-los.
Os Espíritos que habitam Júpiter, geralmente, se comprazem, quando querem se comunicar conosco na descrição do seu planeta, e quando se lhes pergunta a razão, respondem que é a fim de nos inspirar o amor ao bem pela esperança de, para lá, ir um dia. Foi com esse objetivo que um deles, que viveu na Terra com o nome de Bernard Palissy, o célebre oleiro do décimo sexto século, empreendeu, espontaneamente e sem ser solicitado para isso, uma série de desenhos tão notáveis, tanto pela sua singularidade quanto pelo talento da execução, e destinado a nos dar a conhecer, até nos menores detalhes, esse mundo tão estranho e tão novo para nós. Alguns retratam personagens, animais, cenas da vida privada; mas, os mais notáveis, são aqueles que representam habitações, verdadeiras obras-primas das quais nada sobre a Terra poderia nos dar uma idéia, porque essa não parece com nada do que conhecemos; é um gênero de arquitetura indescritível, tão original e, no entanto, tão harmoniosa, de uma ornamentação tão rica e tão graciosa, que desafia a mais fecunda imaginação. O senhor Victorien Sardou, jovem literato e dos nossos amigos, cheio de talento e de futuro mas em nada desenhista, lhes serviu de intermediário. Palissy nos promete uma série que nos dará, de algum modo, a monografia ilustrada desse mundo maravilhoso. Esperamos que essa curiosa e interessante coletânea sobre a qual voltaremos num artigo especial consagrado aos médiuns desenhistas, poderá ser, um dia, entregue ao público.
O planeta Júpiter, apesar do quadro sedutor que dele nos foi dado, não é o mais perfeito entre os mundos. Há outros, desconhecidos para nós, que lhes são bem superiores, no físico e no moral, e cujos habitantes gozam de uma felicidade ainda mais perfeita; lá é a morada dos Espíritos mais elevados, cujo envoltório etéreo nada mais tem das propriedades conhecidas da matéria.
Várias vezes, perguntaram-nos se pensamos que a condição do homem nesse mundo é um obstáculo absoluto a que pudesse passar, sem intermediário, da Terra para Júpiter. A todas as questões que tocam à Doutrina Espírita, jamais respondemos segundo as nossas próprias idéias, contra as quais estamos sempre desconfiando. Limitamo-nos a transmitir o ensinamento que nos foi dado, ensinamento que não aceitamos com leviandade e com um entusiasmo irrefletido. À questão acima, respondemos simplesmente, porque tal é o sentido formal das nossas instruções e o resultado das nossas próprias observações: SIM, o homem, deixando a Terra, pode ir imediatamente para Júpiter, ou para um mundo análogo, porque esse não é único dessa categoria. Pode-se disso ter a certeza? NÃO. Pode-se para lá ir porque há, sobre a Terra, embora em pequeno número, Espíritos bastante bons e bastante desmaterializados para não serem deslocados para um mundo onde o mal não tem acesso. Não há a certeza disso, porque pode-se se iludir sobre o mérito pessoal, e pode-se, aliás, ter uma outra missão a cumprir. Aqueles que podem esperar esse favor, não são, seguramente, nem os egoístas, nem os ambiciosos, nem os avaros, nem os ingratos, nem os ciumentos, nem os orgulhosos, nem os vaidosos, nem os hipócritas, nem os sensuais, nem nenhum daqueles que estão dominados pelo amor aos bens terrestres; a estes, talvez, seja preciso, ainda, longas e rudes provas. Isso depende de sua vontade.
A
pluralidade dos mundos
Não se concebe que, uma semelhante objeção possa ser feita por homens sérios. Se a atmosfera da Lua não pôde ser percebida, é racional que disso se infere que não exista? Não pode estar formada de elementos desconhecidos ou muito rarefeitos para não produzir refração sensível? Diremos a mesma coisa da água ou dos líquidos que nela existam. Com relação aos seres vivos, não seria negar o poder divino crendo impossível uma organização diferente da que nós conhecemos, quando, sob os nossos olhos, a previdência da Natureza se estende com uma solicitude tão admirável até o menor dos insetos, e dá, a todos os seres, órgãos apropriados ao meio ao qual devem habitar, seja sob a água, o ar ou a terra, seja mergulhados na obscuridade ou expostos ao clarão do Sol? Se não tivéssemos jamais visto os peixes, não poderíamos conceber seres vivos na água; não faríamos uma idéia da sua estrutura. Quem poderia crer, ainda há pouco tempo, que um animal pudesse viver um tempo indefinido no seio de uma pedra! Mas, sem falar desses extremos, os seres que vivem sob o fogo da zona tórrida poderiam existir nos gelos polares? E, todavia, há, nesses gelos, seres organizados para esse clima rigoroso e que não poderiam suportar o ardor de um sol vertical. Por que, pois, não admitiríamos que seres possam estar constituídos de modo a viverem sobre outros globos e num meio todo diferente do nosso? Seguramente, sem conhecer a funde a constituição física da Lua, dela sabemos o bastante para estarmos certos de que, tais como somos, ali não poderíamos viver, tanto como não o podemos no seio do Oceano, em companhia dos peixes. Pela mesma razão, os habitantes da Lua, se pudessem vir à Terra, constituídos para viverem sem ar, ou num ar muito rarefeito, talvez muito diferente do nosso, seriam asfixiados em nossa espessa atmosfera, como o somos quando calmos na água. Ainda uma vez, se não temos a prova material e visual da presença de seres vivos em outros mundos, nada prova que não possam existir, cujo organismo seja apropriado a um meio ou a um clima qualquer. O simples bom senso nos diz, ao contrário, que assim deve ser, porque repugna à razão crer que esses inumeráveis globos que circulam no espaço não são senão massas inertes e improdutivas. A observação nos mostra, deles, superfícies acidentadas por montanhas, vales, barrancos, vulcões extintos ou em atividade; por que, pois, não haveriam seres orgânicos? Seja, dir-se-á; que haja plantas, mesmo animais, isso pode ser; mas seres humanos, homens civilizados como nós, conhecendo Deus, cultivando as artes, as ciências, isso será possível?
Seguramente, nada prova, matematicamente, que os seres que habitam os outros mundos sejam homens como nós, moralmente falando; mas, quando os selvagens da América viram desembarcar os Espanhóis, não duvidaram mais que, além dos mares, existia um outro mundo cultivando artes que lhes eram desconhecidas. A terra é salpicada de uma inumerável quantidade de ilhas, pequenas ou grandes, e tudo o que é habitável está habitado; não surge um rochedo no mar que o homem não plante, no instante, sua bandeira. Que diríamos se os habitantes de uma das menores dessas ilhas, conhecendo perfeitamente a existência das outras ilhas e continentes, mas, jamais havendo tido relações com aqueles que os habitam, se cressem os únicos seres vivos do globo? Nós lhes diríamos: Como podeis crer que Deus haja feito o mundo só para vós? Por qual estranha bizarria vossa pequena ilha, perdida num canto do Oceano, teria o privilégio de ser a única habitada? Podemos dizer outro tanto de nós com respeito às outras esferas. Por que a Terra, pequeno globo imperceptível na imensidão do Universo, que não se distingue dos outros planetas nem pela sua posição, nem pelo seu volume, nem pela sua estrutura, porque não é nem a menor nem a maior, nem está no centro e nem na extremidade, por que, digo, seria, entre tantas outras, a única residência de seres racionais e pensantes? Que homem sensato poderia crer que esses milhões de astros, que brilham sobre as nossas cabeças, tenham sido feitos para recrear a nossa visão? Qual seria, então, a utilidade desses outros milhões de globos imperceptíveis a olho nu, e que não servem nem mesmo para nos clarear? Não haveria, ao mesmo tempo, orgulho e impiedade em pensar que assim deve ser? Àqueles que a impiedade pouco toca, diremos que é ilógico.
Chegamos, pois, por um simples raciocínio, que muitos outros fizeram antes de nós, a concluir pela pluralidade dos mundos, e esse raciocínio se encontra confirmado pela revelação dos Espíritos. Eles nos ensinam, com efeito, que todos esses mundos são habitados por seres corpóreos apropriados à constituição física de cada globo; que, entre os habitantes desses mundos, uns são mais, outros são menos, avançados do que nós do ponto de vista intelectual, moral e mesmo físico. Ainda mais, hoje, sabemos que podemos entrar em relação com eles, e deles obter notícias sobre o seu estado; sabemos, ainda, que não só todos esses globos são habitados por seres corpóreos, mas, que o espaço está povoado por seres inteligentes, invisíveis para nós por causa do véu material lançado sobre a nossa alma, e que revelam a sua existência por meios ocultos ou patentes. Assim, tudo é povoado no Universo, a vida e a inteligência estão por toda parte: sobre os globos sólidos, no ar, nas entranhas da terra, e até nas profundezas etéreas. Haverá, nessa doutrina, alguma coisa que repugne à razão? Não é, ao mesmo tempo, grandiosa e sublime? Ela nos eleva pela nossa própria pequenez, diferentemente desse pensamento egoísta e mesquinho que nos coloca como os únicos seres dignos de ocupar o pensamento de Deus.
AS HABITAÇÕES DO PLANETA JÚPITER.
Um grande motivo de espanto para certas pessoas, convencidas aliás da
existência dos Espíritos (não vou aqui me ocupar das outras), é que tenham,
como nós, suas habitações e suas cidades. Não me pouparam as críticas:
"Casas de Espíritos em Júpiter!... Que gracejo!..." - Gracejo, se assim se o
deseja; nada tenho com isso. Se o leitor não encontra aqui, na
verossimilhança de explicações, uma prova suficiente de sua verdade; se não
está surpreso, como nós, quanto ao perfeito acordo dessas revelações
espíritas com os dados mais positivos da ciência astronômica; se não vê,
numa palavra, senão uma hábil mistificação nos detalhes que seguem e nos
desenhos que os acompanham, convido-o a se explicar com os Espíritos, dos
quais não sou senão um instrumento e o eco fiel. Que ele evoque Palissy ou
Mozart ou um outro habitante dessa morada bem-aventurada, que o interrogue, que controle minhas afirmações pelas suas, enfim, que discuta com ele:
porque, por mim, não faço senão apresentar aqui o que me foi dado, senão
repetir o que me foi dito; e para esse papel absolutamente passivo, creio-me
ao abrigo tanto da censura como também do elogio.
Feita essa reserva, e uma vez admitida a confiança nos Espíritos, aceita
como verdade a única doutrina verdadeiramente bela e sábia que a evocação
dos mortos nos revelou até hoje, quer dizer, a migração das almas de
planetas em planetas, suas encarnações sucessivas e seu progresso incessante pelo trabalho, as habitações de Júpiter não terão mais motivo para nos espantar. Desde o momento em que um Espírito se encarna em um mundo submetido, como o nosso, a uma dupla revolução, quer dizer, à alternativa de dias e de noites e ao retorno periódico das estações, do momento em que ele possui um corpo, esse envoltório material, tão frágil que seja, não pede senão uma alimentação e roupas, mas também um abrigo ou, pelo menos, um lugar de repouso, conseqüente-mente uma moradia. Com efeito, é bem o que nos foi dito. Como nós, e melhor do que nós, os habitantes de Júpiter têm seus lares comuns e suas famílias, grupos harmônicos de Espíritos simpáticos, unidos no triunfo depois de sê-lo na luta: daí as habitações tão espaçosas, as quais se pode aplicar, com justiça, o nome de palácios. Ainda como nós, esses Espíritos têm suas festas, suas cerimônias, suas reuniões públicas:
daí certos edifícios especialmente destinados a esses usos. É preciso
prever, enfim, encontrar nessas regiões superiores toda uma Humanidade ativa e laboriosa, como a nossa, submetida como nós às suas leis, às suas
necessidades, aos seus deveres; mas com essa diferença de que o progresso, rebelde aos nossos esforços, torna-se uma conquista fácil para os Espíritos desligados, como eles o são, de nossos vícios terrestres.
Não deveria me ocupar aqui senão da arquitetura das suas habitações, mas
para a própria inteligência dos detalhes que vão seguir, uma palavra de
explicação não será inútil. Se Júpiter não é abordável senão pelos bons
Espíritos, não se segue que seus habitantes sejam todos excelentes no mesmo grau: entre a bondade do simples e a do homem de gênio, é permitido contar muitas nuanças. Ora, toda a organização social desse mundo superior repousa precisamente sobre essas variedades de inteligências e de aptidões; e, em razão de leis harmoniosas, que seria muito longo explicar aqui, aos
Espíritos mais elevados, os mais depurados, é que pertence a alta direção de
seu planeta. Essa supremacia não se detém aí; ela se estende até os mundos
inferiores, onde esses Espíritos, por suas influências, favorecem e ativam
sem cessar o progresso religioso, gerador de todos os outros. E necessário
acrescentar que, para esses Espíritos depurados, não poderia ser questão
senão de trabalho de inteligência, que sua atividade não se exerce mais do
que no domínio de seu pensamento, e que adquiriram bastante império sobre a matéria para não serem, senão fracamente, entravados por ela no livre
exercício de suas vontades? Os corpos de todos esses Espíritos, e, aliás, de
todos os Espíritos que habitam Júpiter, é de uma densidade tão leve que não
se pode lhe encontrar termo de comparação senão nos fluidos imponderáveis;
um pouco maior do que o nosso, do qual reproduz exatamente a forma, porém mais pura e mais bela, se nos oferece sob a aparência de um vapor (emprego com pesar essa palavra que designa uma substância ainda muito grosseira), de um vapor, digo, imperceptível e luminoso, luminoso sobretudo nos contornos do rosto e da cabeça; porque aqui a inteligência e a vida irradiam como um foco ar-dente; e é bem esse clarão magnético entrevisto pelos visionários cristãos e que nossos pintores traduziram pelo nimbo e pela auréola dos santos.
Concebe-se que um tal corpo não dificulte, senão fracamente, as comunicações extra-mundanas desses Espíritos, e que lhes permite mesmo, em seu planeta, um desloca-mento pronto e fácil. Ele escapa tão facilmente à atração planetária e sua densidade difere tão pouco da atmosfera, que pode aí se mover, ir e vir, descer ou subir, ao capricho do Espírito e sem outro
esforço que o da sua vontade. Tanto que algumas personagens que Palissy
consentiu me fazer desenhar, estão representadas ao rasante do solo, ou à
flor da água, ou muito elevadas no ar, com toda liberdade de ação e de
movimentos que emprestamos aos nossos anjos. Essa locomoção é tanto mais fácil para o Espírito quanto mais esteja depurado, e isso se concebe sem
dificuldade; também nada é mais fácil, aos habitantes do planeta, que
estimar, à primeira vista, o valor de um Espírito que passa; dois sinais
falarão por ele: a altura do seu vôo e a luz mais ou menos brilhante de sua
auréola.
Em Júpiter, como por toda parte, aqueles que voam mais alto são os mais
raros; abaixo deles, é preciso contar várias camadas de Espíritos
inferiores, em virtude como em poder, mas naturalmente livres para
igualá-los, um dia, em se aperfeiçoando. Escalonados e classificados segundo seus méritos, estes são votados mais particularmente aos trabalhos que interessam ao próprio planeta, e não exercem, sobre os mundos inferiores, a autoridade todo-poderosa dos primeiros. Eles respondem, é verdade, a uma evocação, com palavras sábias e boas, mas à pressa que tem em nos deixar, ao laconismo de suas palavras, é fácil de compreender que têm muito a fazer alhures, e que não estão ainda bastante libertos para irradiarem, ao mesmo tempo, sobre dois pontos tão distantes um do outro. Enfim, depois dos menos perfeitos desses Espíritos, mas separados deles por um abismo, vêm os animais que, como os únicos serviçais e os únicos obreiros do planeta, merecem uma menção toda especial.
Se designamos sob esse nome de animais os seres bizarros que ocupam a base da escala, foi porque os próprios Espíritos o puseram em uso e, aliás, nossa própria língua não tem termo melhor para nos oferecer. Essa designação os deprecia um pouco para baixo; mas chamá-los de homens seria fazer-lhes muita honra: com efeito, são Espíritos votados à animalidade, talvez por longo tempo, talvez para sempre; porque nem todos os Espíritos estão de acordo sobre esse ponto, e a solução do problema parece pertencer a mundos mais elevados do que Júpiter, mas, qualquer que seja o seu futuro, não há com que se enganar quanto ao seu passado. Esses Espíritos, antes de irem para lá, emigraram sucessivamente em nossos baixos mundos, do corpo de um animal para o de um outro, em uma escala de aperfeiçoamento perfeitamente graduada. O estudo atento dos nossos animais terrestres, seus costumes, seus caracteres individuais, sua ferocidade longe do homem, e sua domesticação lenta mas sempre possível, tudo isso atesta suficientemente a realidade dessa ascensão animal.
Assim, para qualquer lado que se volte, a harmonia do Universo se resume
sempre numa única lei: o progresso por toda parte e para todos, para o
animal como para a planta, para a planta como para o mineral; progresso
puramente material no início, nas moléculas insensíveis do metal ou do
calhau, e mais e mais inteligente à medida que remontamos à escala dos seres e que a individualidade tende a se libertar da massa, a se afirmar, a se
conhecer. - Pensamento elevado e consolador, se assim não fora jamais;
porque prova que nada é sacrificado, que a recompensa é sempre proporcional ao progresso alcançado; por exemplo, que o devotamento do cão que morre por seu senhor não será estéril para o seu Espírito, porque terá seu justo salário além deste mundo.
É o caso dos Espíritos animais que povoam Júpiter; aperfeiçoaram-se ao mesmo tempo que nós, conosco e com a nossa ajuda. A lei é mais admirável ainda:
ela faz tão bem do seu devotamento ao homem a primeira condição para a sua ascensão planetária, que a vontade de um Espírito de Júpiter pode chamar para si todo animal que, em uma das suas vidas anteriores, lhe haja dado provas de afeição. Essas simpatias que formam, no Mais Alto, famílias de Espíritos, agrupam também, ao redor das famílias, todo um cortejo de animais devotados. Por conseqüência, nosso apego neste mundo por um animal, o cuidado que tomamos para abrandá-lo e humanizá-lo, tudo isso tem a sua razão de ser, tudo isso será pago: é um bom servidor que formamos antecipadamente para um mundo melhor.
Será também um operário; porque aos seus semelhantes está reservado todo
trabalho material, toda tarefa corporal: fardo ou alvenaria, semeadura ou
colheita. E, para tudo isso, a Suprema Inteligência proveu por um corpo que
participa, ao mesmo tempo, da superioridade da besta e da do homem. Isso
podemos julgar por um esboço de Palissy, que representa alguns desses
animais muito atentos a jogarem bolas. Eu não poderia melhor compará-los
senão aos faunos e aos sátiros da Fábula; o corpo ligeiramente peludo é
todavia aprumado como o nosso; as patas desapareceram em alguns para darem
lugar a certas pernas que lembram ainda a forma primitiva, a dois braços
robustos, singularmente ligados e terminados por verdadeiras mãos, se nelas
considero a oposição dos dedos. Coisa bizarra, a cabeça, ao contrário, não é
tão aperfeiçoada quanto o resto! Assim, a fisionomia reflete bem alguma
coisa de humano, mas o crânio, mas o maxilar e, sobretudo, a orelha, nada
têm que diferem sensivelmente do animal terrestre; fácil é, pois,
distingui-los entre si: este é um cão, aquele um leão. Propriamente vestidos
com blusas e vestes muito semelhantes às nossas, não esperam mais do que a palavra para lembrarem, de muito perto, certos homens deste mundo; mas, eis precisamente o que lhes falta, assim como o que não poderiam fazer. Hábeis para se compreenderem entre si por uma linguagem que nada tem da nossa, não se enganam mais sobre as intenções dos Espíritos que os comandam; um olhar, um gesto bastam. A certos recursos magnéticos, dos quais nossos domadores de animais já têm o segredo, o animal adivinha e obedece sem murmurar, e o que é mais, de bom grado, porque está sob o encanto. Assim é que se lhe impõe toda grande tarefa, e que com a sua ajuda tudo funciona regularmente de um ex-tremo ao outro da escala social: o Espírito elevado pensa, delibera, o Espírito inferior aplica com a sua própria iniciativa, o animal executa.
Assim a concepção, o emprego e o fato se unem numa mesma harmonia, e
conduzem todas as coisas para seu fim mais próprio, pelos meios mais simples e mais seguros.
Peço desculpas por esta digressão: era indispensável ao meu objetivo, que
agora posso abordar.
À espera das cartas prometidas, que facilitarão singularmente o estudo de
todo o planeta, podemos, pelas descrições feitas pelos Espíritos, fazer-nos
uma idéia de sua grande cidade, da cidade por excelência, desse foco de luz
e de atividade que concordam em designar sob o nome, estranhamente latino,
de Julnius.
"Sobre o maior dos nossos continentes, disse Palissy, em um vale de
setecentas a oitocentas léguas de largura, para contar como vós, um rio
magnífico descendo das montanhas do norte, e aumentado por uma multidão de torrentes e de ribeirões, forma, em seu percurso, sete a oito lagos, dos
quais o menor mereceria, entre vós, o nome de mar. Foi sobre as margens do
maior desses lagos, batizado por nós com o nome de a Pérola, que nossos
ancestrais lançaram os primeiros fundamentos de Julnius. Essa cidade
primitiva ainda existe, venerada e conservada como uma preciosa relíquia.
Sua arquitetura difere muito da nossa. Explicar-te-ei tudo isso a seu tempo:
saiba apenas que a cidade moderna está a uns cem metros mais abaixo da
antiga. O lago, encaixado nas altas montanhas, se derrama no vale por oito
cataratas enormes, que formam igualmente correntes isoladas e dispersas em
todos os sentidos. Com a ajuda dessas correntes, nós mesmos cavamos, na
planície, uma multidão de riachos, de canais e de tanques, não reservando a
terra firme senão para nossas casas e nossos jardins. Disso resultou uma
espécie de cidade anfíbia, como vossa Veneza, e da qual não se poderia
dizer, à primeira vista, se está edificada sobre a terra ou sobre a água.
Não te digo nada hoje de quatro edifícios sagrados, construídos sobre a
própria vertente das cataratas, de sorte que a água jorra em abundância de
seus pórticos: aí estão obras que vos pareceriam inacreditáveis pela
grandeza e audácia.
"É a cidade terrestre que descrevo aqui, a cidade de alguma sorte material,
a das ocupações planetárias, a que chamamos, enfim, a Cidade baixa. Ela tem suas ruas, ou antes, seus caminhos, traçados para o serviço interior; tem
suas praças públicas, seus pórticos e suas pontes lançadas sobre os canais
para a passagem dos servidores. Mas a cidade inteligente, a cidade
espiritual, a verdadeira Julnius, enfim, não é na terra que é preciso
procurá-la, é no ar.
"Ao corpo material de nossos animais, incapazes de voarem, (1), ((1) É
preciso, todavia, deles excetuar certos animais munidos de asas e reservados
para o serviço aéreo, e para os trabalhos que exigiriam, entre nós, o
emprego de madeiramentos. São uma transformação da ave, como os animais descritos mais acima são uma transformação dos quadrúpedes.) é preciso a terra firme; mas o que nosso corpo fluídico e luminoso exige, é uma
residência aérea como ele, quase impalpável e móvel ao gosto de nosso
capricho. Nossa habilidade resolveu esse problema, com a ajuda do tempo e
das condições privilegiadas que o Grande Arquiteto nos havia dado.
Compreenda bem que essa conquista dos ares era indispensável a Espíritos
como os nossos. Nosso dia é de cinco horas, e nossa noite de cinco horas
igualmente; mas tudo é relativo, e para seres prontos para pensarem e agirem
como nós o somos, para Espíritos que se compreendem pela linguagem dos olhos e que sabem se comunicar, magneticamente, à distância, nosso dia de cinco horas igualaria já em atividade uma de vossas semanas. Era ainda muito pouco, na nossa opinião; e a imobilidade da morada, o ponto fixo da sede era um entrave para todas as nossas grandes obras. Hoje, pelo deslocamento fácil dessas moradas de pássaros, pela possibilidade de transportar, nós e os outros, em tal lugar do planeta e tal hora do dia que nos aprazas-se, nossa existência é pelo menos dobrada, e com ela tudo o que pode criar de útil e de grande.
"Em certas épocas do ano, acrescentou o Espírito, em certas festas, por
exemplo, verias aqui o céu obscurecido pelo enxame de habitações que vêm de todos os pontos do horizonte. É um curioso conjunto de casas esbeltas,
graciosas e leves, de toda forma, de toda cor, balançando em toda altura, e
continuamente a caminho da cidade baixa para a cidade celeste: Alguns dias
depois o vazio se faz pouco a pouco e todos esses pássaros voam.
"Nada falta a essas moradias flutuantes, nem mesmo o encanto da verdura e
das flores. Falo de uma vegetação sem exemplo entre vós, de plantas, de
arbustos mesmo destinados, pela natureza de seus órgãos, a respirar, a se
alimentar, a viver, a se reproduzir no ar.
"Nós temos, disse o mesmo Espírito, dessas moitas de flores enormes, das
quais não poderíeis imaginar nem as formas nem as nuanças, e de uma leveza de tecido que as torna quase transparentes. Balançando no ar, onde longas folhas as sustem, e armadas de gavinhas semelhantes às da videira, se reúnem em nuvens de mil tintas ou se dispersam ao sabor do vento, e preparam encantador espetáculo aos passeadores da cidade baixa... imagine a graça dessas jangadas de verdura, desses jardins flutuantes que nossa vontade pode fazer e desfazer e que duram, às vezes, toda uma estação! Longas fiadas de cipó de ramos floridos se destacam dessas alturas e pendem até a terra, pencas enormes se agitam sacudindo seus perfumes e suas pétalas que se desfolham... Os Espíritos que atravessam o ar aí se detêm na passagem: é um lugar de repouso e de reencontro, e, querendo-se, um meio de transporte para rematar a viagem sem fadiga e em companhia."
Um outro Espírito estava sentado sobre uma dessas flores no momento em que eu o evoquei.
"Nesse momento, disse-me ele, é noite em Julnius, estou sentado à parte
sobre uma dessas flores do ar que não desabrocham aqui senão à claridade de nossas luas. Sob meus pés toda cidade baixa dorme; mas sobre minha cabeça e ao meu redor, a perder de vista, não há senão movimento e alegria no espaço.
Dormimos pouco: nossa alma é muito desligada para que as necessidades do
corpo sejam tirânicas; e a noite é antes feita para nossos servidores do que
para nós. É a hora das visitas e das longas conversas, de passeadores
solitários, de fantasias, da música. Não vejo senão moradas aéreas
resplandecentes de luzes ou jangadas de folhas e de flores carregadas de
bandos alegres... A primeira de nossas ruas clareia toda a cidade baixa: é
uma doce luz comparável a de vosso luar; mas, do lado do lago, a segunda se
eleva, e esta tem reflexos esverdeados que dão a todo o rio o aspecto de um
grande gramado..."
É sobre a margem direita desse rio, "cuja água, disse o Espírito, te
ofereceria a consistência de um leve vapor (1), ((1) A densidade de Júpiter
sendo de 0,23, quer dizer, um pouco menos de um quarto da Terra, o Espírito
nada disse aqui senão de muito verossímil. Concebe-se que tudo é relativo, e
que sobre esse globo etéreo tudo seja etéreo como ele.) " que está
construída a casa de Mozart, que Palissy consentiu fazer-me desenhar sobre
cobre. Não dou aqui senão a fachada sul. A grande entrada está à esquerda,
sobre a planície; à direita está o rio; ao norte e ao sul estão os jardins.
Perguntei a Mozart quem eram os seus vizinhos. - "Mais alto, disse, e mais
baixo, há dois Espíritos que tu não desconheces; mas à esquerda, não estou
separado senão por uma grande campina do jardim de Cervantes."
A casa tem, pois, quatro faces como as nossas, do que seria errado, todavia,
fazer uma regra geral. Ela está construída com uma certa pedra que os
animais tiram das pedreiras do norte, é das quais o Espírito compara a cor a
esses tons esverdeados que to-ma, freqüentemente, o azul do céu no momento em que o sol se deita. Quanto à sua duração pode-se dela fazer uma idéia por esta observação de Palissy, que ela derreteria sob nossos dedos humanos tão rápida quanto um floco de neve: ainda está aí uma das matérias mais resistentes do planeta! Sobre essa parede os Espíritos esculpiram ou incrustaram os estranhos arabescos que nosso desenho procura reproduzir. São ou ornamentos escavados nas pedras e coloridos em seguida, ou incrustações limitadas à solidez da pedra verde, por um procedimento que está muito em voga agora, e que conserva nos vegetais toda a graça de seus contornos, toda a finura de seus tecidos, toda a riqueza de seu colorido.
"Uma descoberta, acrescentou o Espírito, que fareis algum dia e que mudará
entre vós muitas coisas."
A grande janela da direita apresenta um exemplo de gênero de ornamentação, uma de suas bordas não é outra coisa senão um caniço enorme do qual se conservaram as folhas. Ocorre o mesmo com o coroamento da janela principal, que apresenta a forma de claves de sol: são plantas sarmentosas enlaçadas e petrificadas. E por esse procedimento que eles obtêm a maioria dos coroamentos de edifícios, de grades, de balaústres, etc. Freqüentemente
mesmo, a planta é colocada na parede, com suas raízes, em condições de
crescer livremente. Ela cresce, se desenvolve; suas folhas desabrocham ao
acaso, e o artista não a congela no lugar senão quando adquiriu todo o
desenvolvimento desejado para a ornamentação do edifício: a casa de Palissy
é quase inteiramente decorada desse modo.
Destinada primeiro unicamente aos móveis, depois às molduras de portas e de janelas, esse gênero de ornamento se aperfeiçoou pouco a pouco e acabou por invadir toda a arquitetura. Hoje, não são apenas a flor e o arbusto que se petrificam no estado, mas a própria árvore da raiz ao topo; e os palácios, como os edifícios sagrados quase nada mais têm de outras colônias.
Uma petrificação da mesma natureza serve também para a decoração das
janelas. De flores ou de folhas muito amplas, são habilmente despojadas de
sua parte carnuda: não resta mais do que uma rede de fibras, tão fina quanto
a mais fina musselina. E cristalizada, e dessas folhas unidas com arte,
constrói-se toda uma janela, que não deixa filtrar, para o interior, senão
uma luz muito doce: ou bem as reveste com uma espécie de vidro líquido e
colorido com todas as nuanças, que se endurece no ar e que transforma a
folha em uma espécie de vidraça. Do conjunto dessas folhas resultam, para
janelas, encanta-dores bosquezinhos transparentes e luminosos.
Quanto à própria duração dessas aberturas, e a mil outros detalhes que podem surpreender ao primeiro contato, sou forçado a adiar-lhes a explicação: a história da arquitetura em Júpiter exigiria um volume inteiro. Renuncio igualmente a falar do mobiliário, para não me ater aqui senão à disposição geral da casa.
O leitor deve ter compreendido, depois de tudo o que precede, que a casa do
continente não deve ser, para o Espírito senão uma espécie de pequena casa
de passagem. A cidade baixa não é quase freqüentada senão por Espíritos de
segunda ordem, encarregados dos interesses planetários, da agricultura, por
exemplo, ou das trocas, e da boa ordem a manter entre os servidores. Também todas as casas que repousam sobre o solo, geralmente, não têm senão um térreo e um andar: um destinado aos Espíritos que agem sob a direção do senhor, e acessível aos animais; o outro, reservado só ao Espírito, que nele não mora senão por ocasião. É isso que explica por que vemos, nas várias casas de Júpiter, nesta por exemplo, e na de Zoroastro, uma escada e mesmo uma rampa. Aquele que rasa a água como uma andorinha, e que pode correr sobre as hastes de trigo sem curvá-las, dispensa muito bem escada e rampa para entrar em sua casa; mas os Espíritos inferiores não têm o vôo tão fácil: não se elevam senão pela agitação, e a rampa não lhes é sempre inútil. Enfim, a escada é absoluta necessidade para os animais serviçais, que não caminham senão como nós. Estes últimos têm também seus compartimentos, muito elegantes, de resto, que fazem parte de todas as
grandes habitações; mas suas funções os chamam, constantemente, à casa do senhor: é preciso facilitar-lhes a entrada e o percurso interior. Daí essas
construções bizarras, que, pela base, assemelham-se ainda aos nossos
edifícios terrestres, e que deles diferem absolutamente pelo vértice.
Este se distingue, sobretudo, por uma originalidade que seríamos incapazes
de imitar. É uma espécie de flecha aérea que se balança sobre o alto do
edifício, acima da grande janela de seu original coroamento. Esse frágil
escaler, fácil de deslocar, e todavia destinado, no pensamento do artista, a
não deixar o lugar que lhe foi assinalado, porque sem repousar em nada sobre o cume, completa-lhe, no entanto, a decoração, e lamento que a dimensão da prancha não haja permitido que nela encontrasse lugar. Quanto à morada de Mozart não tenho aqui senão que constatar-lhe a existência: os limites desse artigo não me permitem estender-me sobre esse assunto.
Não terminaria, todavia, sem me explicar, de passagem, sobre o gênero de
orna-mentos que o grande artista escolheu para a sua moradia. É fácil neles
reconhecer a lembrança de nossa música terrestre: a clave de sol ai está
freqüentemente repetida, e, coisa bizarra, jamais a clave de fá!. Na decoração do térreo encontramos um arco de violino, uma espécie de grande
alaúde ou de bandolim, uma lira e toda uma pauta musical. Mais alto, é uma
grande janela que lembra, vagamente, a forma de um órgão; os outros têm
aparência de grandes notas, e notas mais pequenas são abundantes por sobre toda a fachada.
Seria erro disso concluir que a música de Júpiter seja comparável à nossa, e
que se conta pelos mesmos sinais: Mozart explicou-se sobre ela de modo a não deixar dúvidas a esse respeito; mas os Espíritos lembram, de bom grado, na decoração de suas casas, a missão terrestre que lhes mereceu a encarnação em Júpiter e que resume melhor o caráter de sua inteligência. Assim, na casa de Zoroastro são os astros e a chama que fazem todos os detalhes da decoração.
Há mais; parece que esse simbolismo tem suas regras e seus segredos. Todos esses ornamentos não estão dispostos ao acaso: têm sua ordem lógica e sua significação precisa; mas é uma arte que os Espíritos de Júpiter renunciamem nos fazer compreender, pelo menos até este dia, e sobre a qual não se explicam de bom grado. Nossos velhos arquitetos empregaram também o simbolismo na decoração de suas catedrais; e a torre de Saint-Jacques não é nada menos que um poema hermético, se se crê na tradição. Nada há, pois, para nos espantar na estranheza e na decoração arquitetônica em Júpiter; se ela contradiz nossas idéias quanto à arte humana, é que há, com efeito, todo um abismo entre uma arquitetura que vive e que fala e uma alvenaria, como a nossa, que nada prova. Nisso, como em toda outra coisa, a prudência nos proíbe esse erro do relativo que quer tudo conduzir às proporções e aos hábitos do homem terrestre. Se os habitantes de Júpiter estivessem alojados como nós, se comessem, vivessem, dormissem e andassem como nós, não haveria grande proveito em subir para lá. É bem porque seu planeta difere absolutamente do nosso que desejamos conhecê-lo, e sonhá-lo como nossa futura morada!
De minha parte, não perderia o meu tempo e estaria bem feliz por terem os
Espíritos me escolhido para seu intérprete, se seus desenhos e suas
descrições inspirarem, a um único crente, o desejo de subir mais rápido para
Julnius, e a coragem de tudo fazer para isso conseguir.
VICTORIEN SARDOU.
O autor dessa interessante descrição é um desses adeptos fervorosos e
esclarecidos que não temem confessar francamente suas crenças, e se coloca acima da critica de pessoas que não crêem em nada daquilo que sai do círculo de suas idéias. Ligar seu nome a uma doutrina nova, desafiando os sarcasmos, é uma coragem que não é dada a todo mundo, e felicitamos o senhor V. Sardou por tê-la. Seu trabalho revela o escritor distinto que, embora jovem ainda, já conquistou um lugar honroso na literatura, e une ao talento de escrever, os profundos conhecimentos de sábio; nova prova que o Espiritismo não recruta entre os tolos e os ignorantes. Fazemos votos para que o senhor
Sardou complete, o mais rápido possível, seu trabalho tão felizmente
começado. Se os astrônomos nos revelam, por suas sábias pesquisas, o
mecanismo do Universo, os Espíritos, por suas revelações, nos fazem conhecer o seu estado moral e isso, como eles dizem, com o objetivo de nos estimular ao bem, a fim de merecermos uma existência melhor.
ALLAN KARDEC.
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