A COMUNIDADE DA PERVERSÃO MORAL
Embora não pudéssemos ver Mauro e o seu adversário que seguiam
para ignota região, o irmão Anacleto conduziu-nos com segurança para o
perímetro fora da cidade, em vasta área pantanosa e sombria, que certamente
conhecia, e de onde recendiam odores pútridos e uma gritaria infrene enchia a
noite com blasfêmias, expressões chulas e sórdidas, gargalhadas estentóricas,
movimentação agitada...
O cuidadoso Guia advertiu-nos que nos estávamos adentrando em uma Comunidade totalmente dedicada à
perversão sexual, dirigida por implacáveis sicários da Humanidade, que ali
reuniam o deboche à degradação, o cinismo à rudeza do trato, onde encontravam
inspiração muitos indivíduos reencarnados e dali procedentes na área da mórbida
comunicação social, da literatura doentia e da arte escabrosa para os seus
espetáculos de hediondez e de degeneração moral.
Reduto imenso, criado pelas emanações morbíficas das próprias criaturas
da Terra, que para lá seguiam por imantação magnética opcional, quando
parcialmente desprendidas pelo sono físico, constituía um sorvedouro de paixões
primárias que, no passado, destruíram culturas e civilizações, qual está
acontecendo no presente com grande parte da nossa sociedade.
Quando irrompem o deboche e a insensatez, o desvario do sexo e dos
compromissos morais nos grupamentos sociais, a ética, a cultura e a civilização
tombam no desalinho, avançando para o descalabro e a servidão.
Tem sido assim através dos tempos e, por enquanto, ainda parece
que se demorará por algum tempo, até quando o ser humano se resolva por
absorver os compromissos elevados e os deveres dignificadores da Vida na pauta
das suas existências. A consciência de si mesmo, a responsabilidade perante o
seu próximo e a mãe Natureza, nunca devem sair da linha da conduta humana, pois
que nisso residem as aspirações máximas do Espírito para a conquista da beleza
e da plenitude.
Torna-se-me muito difícil descrever o local e o ambiente de festiva
degradação com as suas personagens, participantes que, exaltados, formavam a
grande massa deambulante e movimentada em todos os lados.
A tonalidade avermelhada da iluminação, que fazia recordar os archotes
fumegantes do passado, colocados em furnas sombrias para as clarear, produzia
um aspecto terrificante no ambiente que esfervilhava de Espíritos de ambos os
lados da vida em infrene orgia de alucinados.
Podia-se perceber que Espíritos vitimados por graves alterações e
mutilações no perispírito misturavam-se à malta desenfreada na exaltação do
sexo e das suas mais sórdidas expressões.
Figuras estranhas, com aspecto semelhante aos antigos seres mitológicos
do panteão greco-romano, confundiam-se com muitos outros indivíduos
extravagantes em complexas simbioses de vampirismo, carregando-se uns aos
outros, acompanhando freneticamente um desfile de carros alegóricos, que faziam
recordar os carnavais da Terra, porém apresentando formatos de órgãos sexuais
disformes e chocantes, exibindo cenas de terrível horror, espetáculos de
grosseira manifestação da libido, nos quais se mesclavam apresentações de
conúbios sexuais entre animais e seres humanos deformados sob o aplauso
descontrolado da massa desnorteada.
Decorando os peculiares veículos, homens e Mulheres se
apresentavam com aspecto de cortesãos que ficaram célebres pela baixeza de
caráter, exibindo-se de maneira servil e provocando galhofas de uns e desejos
de outros em uma terrível mescla de animalidade soez.
Aquele circo de hediondez apresentava em cada momento novos e
agressivos quadros, enquanto se exibiam sessões de sexo grupai ao som de música
estridente e desconcertante, que mais açulava os apetites insaciáveis dos
comensais da loucura.
O antro asqueroso dava-me a idéia de ser o mundo inspirador de alguns
espetáculos da Terra, que ainda não atingiram aquele nível de vileza, mas que
dele se vêm aproximando, especialmente durante a apresentação de alguns dos
turbulentos e torpes desfiles de Carnaval.
Sim, era naquela Região que se inspiravam muitos multiplicadores de
opinião, que ainda insistem na liberação total dos costumes vis, como se já não
bastassem o sexo explícito e vulgar, a violência absurda, a agressividade sem
limites, a luxúria desmedida, o cinismo odiento, o furto desbragado, o
desrespeito a tudo quanto constitui a dignidade humana, descendo a níveis já
insuportáveis...
De quando em quando, aparentando a postura de guardadores da
Comunidade horripilante, verdadeiros espectros humanos semi-hebetados,
conduzindo mastins de grande porte, vigiavam a população, contra a qual
atiçavam os ferozes animais.
Telepaticamente o nobre Mentor advertiu-nos para que mantivéssemos
cuidados especiais com o pensamento elevado ao Supremo Amor, sem crítica ou
observações descaridosas em relação ao que víamos, a fim de não sermos
surpreendidos por esses vigias terrificantes.
Num dos quadros dantescos, pudemos defrontar diversos Espíritos
reencarnados, que seguiam jugulados aos seus algozes, presos a coleiras como se
fossem felinos esfaimados, babando ante o espetáculo que lhes aguçava os
instintos grosseiros.
Entre outros, encontrava-se Mauro com o seu sicário, que dele
escarnecia e o amedrontava, enquanto, debatendo-se, para liberar-se da retenção
e atirar-se no vulcão de asquerosa sensualidade, urrava em deplorável aspecto.
Observamos que crianças despidas em atitudes obscenas decoravam o carro
exótico, gritando e movimentando-se sensualmente, inspirando mais compaixão do
que outro qualquer sentimento. Acurando, porém, a visão, surpreendemo-nos, ao
constatar que se tratava de anões cínicos, apresentando-se como criaturas
infantis, assim despertando os viciados em pedofilia a terem mais acicatados os
seus impulsos grosseiros.
A bacante, com as suas aberrações, alongou-se, na sucessão das
horas, até quando os primeiros raios do amanhecer penetraram a névoa densa,
fazendo diminuir o desfile horrendo e a movimentação foi desaparecendo até
ficar o ambiente, com a sua pesada psicosfera pestífera, quase vazio, exceção
feita aos vigilantes e seus animais em contínua atividade.
A esdrúxula sociedade ali residente seguiu no rumo das suas furnas e
mansardas, a fim de continuar na exorbitância dos sentidos torpes, terminado o
desfile que se repetia todas as noites...
O irmão Anacleto convidou-nos mentalmente a segui-lo,
afastando-nos tão discretamente quanto nos adentráramos no dédalo infernal,
aturdidos e algo asfixiados, até nos acercarmos de formosa praia que se dourava
à luz solar e recebia os primeiros raios do Astro-rei como bênção de luz após a
noite ensombrada no reduto em que estivéramos.
O odor do haloplancto que vinha do mar renovava-nos, tanto quanto
oprana da Natureza em bênçãos de vitalização restaurava-nos as forças
momentaneamente alquebradas pelos fluidos morbosos da Comunidade de perversão.
Sem que enunciássemos alguma interrogação, embora o grande número
delas que bailavam na mente, o Mentor gentil, utilizando-se da beleza natural
do dia em começo, elucidou-nos:
- O recinto infeliz onde estivemos é mantido e dirigido por alguns
verdugos da Humanidade, que se nutrem dos pensamentos perversos e lúbricos dos
seres humanos, que sustentam, dessa forma, a estranha coletividade que ali se
homizia e que, longe de qualquer ambição idealista ou espiritualizante,
reencarna-se no mundo físico trazendo as imagens das experiências vivenciadas,
procurando materializá-las posteriormente entre as demais criaturas.
"Muitos desses Espíritos, ora no corpo físico, são encontrados no
mundo físico realizando espetáculos chocantes, vivendo em verdadeiras tribos de
promiscuidade primitiva, vestindo-se e assumindo posturas caricatas e
ridículas, de que se não conseguem libertar facilmente. Tornam-se, assim,
representantes do curioso país espiritual de onde procedem e, telementalizados
pelos que lá ficaram, fazem-se verdadeiros propagandistas da orgia despudorada,
tentando arrebanhar mais vítimas para a bacanal da extravagância."
Após uma breve reflexão, deu prosseguimento:
- Não são poucos os indivíduos que sentem a atração para o mal, para o
vício, para as tendências ancestrais e permanecem receosos, vivendo o
claro-escuro da decisão a tomar. Subitamente, porém, enveredam pelos escusos
caminhos da morbidez e do escândalo, assumindo comportamentos que envilecem em
atitude de desrespeito aos valores morais e sociais vigentes, logo
transformando-se em líderes e modelos singulares.
"Invariavelmente são arrebanhados por esses representantes
perversos que lhes influenciam a conduta, demonstrando-lhes a necessidade de
serem assumidos exteriormente os conflitos e torpezas interiores, a fim de
experienciarem a liberdade e o direito de viver conforme lhes apraz.
Demonstram uma alegria que estão longe de possuir, um cinismo que, em
verdade, é a máscara que esconde as aflições quase insuportáveis que os
transtornam, porém, insensatamente, vinculando-se a esses campeões do
desequilíbrio, tombam-lhes nas redes bem urdidas do prazer, não conseguindo
desvincular-se deles com facilidade. Somente através das dores excruciantes,
das enfermidades dilaceradoras, das angústias morais que os assaltam é que,
encontrando orientação e compaixão, liberam-se das amarras fortes do mal em predomínio. A grande maioria,
porém, desencarna durante esse comportamento doentio e quase todos são
arrastados para o sórdido campo de luxúria, sofrendo por decênios e mesmo
séculos até o momento em que buscam a renovação e são socorridos por
especialistas em libertação, que periodicamente visitam esses sítios de horror
e de sofrimento irracional."
Novamente silenciou, e, tomado de imensa ternura acompanhada de
compaixão, deu prosseguimento:
- A mente é sempre a construtora da vida, oferecendo a energia com
a qual são condensados os anseios e as necessidades de todas as criaturas.
"O sexo, por sua vez, porque carregado de sensações e de emoções,
quando vilipendiado e exercido com ignorância das suas sagradas funções,
transforma-se em geratriz de tormentos que dão curso a outros vícios e
alucinações, empurrando
as suas vítimas para as drogas, o álcool, o tabaco, a mentira, a
traição, a infâmia e todo um séquito de misérias morais que entorpecem os
sentimentos e obnubilam a razão. Enquanto não houver um programa educativo
baseado nas nobres finalidades da existência humana, cujo objetivo essencial é
o progresso intelecto-moral e não a utilização do corpo para o prazer e a
leviandade, permanecerão equivocados os valores éticos, sendo utilizados pelo
egoísmo para o gozo e a insensatez.
"Vive-se, na Terra da atualidade, a exorbitância da lubricidade,
da pornografia, da exibição das formas físicas direcionadas para o comércio da
lascívia e da exploração.
"A morte, porém, que a ninguém poupa, ao desvestir da carne os
equivocados, abre-lhes a cortina da realidade, e todos se dão conta do alto
significado da vida física e do respeito que merece dos aprendizes da evolução.
Por enquanto, somente nos cabem as atitudes de compaixão e de solidariedade, de
compreensão e de amor, porque os irmãos anestesiados pelo prazer, inconscientes
do que lhes ocorre, aguardam ajuda e orientação fraternal para despertarem para
a verdadeira alegria de viver. Nesse empreendimento, incluímos também os
companheiros desencarnados que, com eles, se encharcam de sensações doentias.
"Chegará o momento adequado, e todos nos deveremos empenhar
por apressá-lo, quando luzir o pensamento de Jesus nas consciências humanas, em
que o homem e a mulher compreenderão que o sexo existe para fomentar a vida e
procriar, amparado por emoções enobrecedoras do intercâmbio de energias
revigorantes, e não para o banquete asselvajado dos instintos e das sensações,
desbordando em crimes e destruição da vida. Que possamos contribuir em favor
desse momento, edificando-nos no bem e preservando-nos interiormente das
ciladas do mal e das tentações perturbadoras."
Calou-se o nobre amigo, deixando-nos a refletir.
O dia luculiano estuava em festival de bênçãos demonstrando a
vitória da luz sobre a treva, infundindo-nos confiança e coragem para a luta.
RECOMEÇO DIFÍCIL
E PURIFICADOR
A noite avançava
com o seu crepe escuro bordado de estrelas lucilantes muito ao longe.
O silêncio
invadia a cidade, somente interrompido pelas onomatopéias naturais e a
movimentação de alguns transeuntes noctívagos.
A Casa Paroquial
estava mergulhada em sombras, quebradas apenas por algumas velas acesas diante
de ídolos impassíveis em relação aos sofrimentos humanos.
Como podiam,
realmente, aquelas estátuas trabalhadas com beleza e quase perfeição entender o
drama e a agitação dos homens inquietos e aturdidos no báratro existencial?
Fossem representações legítimas daqueles que se houveram dedicado ao Bem e ao
culto do dever, quando na Terra, com o único objetivo de estimularem a mente a
direcionar-se-lhes, tornava-se exequível. No entanto, o culto àquelas imagens
sobrepunha-se à vinculação com as pessoas desencarnadas que pareciam
representar, permanecendo inútil.
Mauro
encontrava-se alquebrado. Parecia haver envelhecido em poucas horas, após a
confissão e o sincero arrependimento que o dominava. Embora estivesse em
atitude de angústia, buscando Deus com o pensamento, sentia-se confrangido e
envergonhado sob o trucidar da culpa.
Repassava pela
memória os acontecimentos da infância e a figura do genitor se destacava no
caleidoscópio das recordações. Apresentava-se hediondo e infernal, debochado e
insensível ante a aflição do filho, que submetia à selvageria sem qualquer
respeito pelo ser humano ou compaixão pelo rebento da própria carne.
À medida que
aprofundava a mente nas evocações perturbadoras mais se afligia, não podendo
dominar o caudal de lágrimas que lhe escorriam pelas faces ardentes, quase em
febre de horror por si mesmo.
Vimos, então, acercar-se-lhe
um indigitado perseguidor que, se utilizando da angústia que dominava o
sacerdote, começou a transmitir-lhe telepaticamente idéias de fuga do corpo
físico.
O irmão
Anacleto, sempre vigilante, solicitou-nos que nos concentrássemos no chakra
cerebral do paciente e, ao fazê-lo, pude captar a indução pertinaz e contínua:
- A solução para tal crime é
o suicídio, porta aberta para a liberdade - pensava o sofredor telementalizado
pelo ignorado inimigo oculto.
Como enfrentar a vergonha, a
humilhação, o opróbrio geral? E se a massa humana, sempre sedenta de sangue, em
tomando conhecimento da hediondez resolvesse fazer justiça com as próprias
mãos? Nunca faltaria quem desse o primeiro grito em favor do linchamento, e
logo as feras se atirariam furiosas contra a vítima que seria destroçada sem
qualquer piedade. Só o suicídio poderia resolver-lhe o drama perverso.
Fui tomado de
espanto ante a habilidade do indigitado inimigo. Ele não se permitia trair,
parecendo ser alguém que estivesse interessado na destruição do adversário,
inspirando-lhe de tal forma a idéia da morte como se lhe nascesse no íntimo
atribulado.
Fixando-o,
transmitia-lhe a idéia da fuga como solução, fazendo crer tratar-se de uma
auto-reflexão e nunca de uma auto-sugestão.
Mediante esse
comportamento, fazia o enfermo supor que a atitude desejada era lógica e,
portanto, credível de aceitação.
Mauro
recordou-se de uma jovem que lhe trouxera, através da confissão, a narrativa do
desespero em que se asfixiava ante a gravidez inesperada de que se encontrava
objeto. Repudiada pelo amante que lhe abusara da confiança, e sabendo que a
família jamais lhe entenderia a situação, tanto quanto receando os preconceitos
sociais então vigentes, recorrera-lhe ao auxílio, por não encontrar outro
caminho exceto o do autocídio.
Ante o próprio
conflito, que já o atormentava na ocasião, tentou dissuadi-la do gesto
tresloucado sem muita convicção, sentindo-se fracassado, porque, logo depois,
na noite imediata, a infeliz recorrera à morte mediante o gás que abrira e
deixara-se anestesiar no quarto de banho, onde antes tivera o cuidado de vedar
todas as saídas e entradas de oxigênio.
Reflexionando e,
ao mesmo tempo, com a mente invadida pelo algoz, concluía, sem poder perceber
que estava sendo vítima de uma consciência entenebrecida:
- O suicídio
através do gás é repousante, sem dor e sem tormento, facultando ao desditoso
adormecer para adentrar-se no país do nada ou no inferno sem retorno.
Essa reflexão
sacudiu-o, e ele recordou-se da fé religiosa que abraçava, dando-se conta de
que não a tinha em alta consideração, como o demonstravam sua conduta e seu
pensamento inseguro.
Estimulando-o à
ação devastadora, o inimigo dá-lhe assenhorando-se do pensamento, com o
propósito de tomar-lhe o centro dos movimentos e acioná-lo para que executasse
o plano covarde de fuga, quando o Mentor, percebendo a aflição da genitora de
Mauro, em pranto e em prece, acercou-se-lhe e esclareceu:
- Nesta
emergência, vemos apenas uma solução de imediato, que é a querida amiga
acercar-se do filho, apresentar-se-lhe, e despertá-lo para a realidade.
De imediato,
concitou-nos, a mim, a Dilermando e a dona Martina, que nos concentrássemos
firmemente, oferecendo-lhe energias próprias para o cometimento, enquanto
sugeria-lhe que focasse o campo mental do filho e chamasse-o nominalmente,
várias vezes, com o que ela anuiu, confiante.
- Mauro, meu
filho - chamou com energia a mãezinha desencarnada- desperte!
Mauro, ninguém morre.
Recorde-se, neste momento, de Jesus.
A nova onda
mental penetrou o cérebro do aturdido sacerdote, que experimentou um choque
vibratório por todo o corpo, percorrendo-o pelo dorso espinal e fazendo-o
despertar do letargo doentio.
Ante a força
poderosa do pensamento de amor aureolado pelas vibrações defluentes da prece, o
adversário desencarnado experimentou a forte reação nervosa do paciente que lhe
desconectou o plug fixado à mente que lhe ia cedendo campo ao convite
desnaturado.
Só então
percebeu-nos a todos que o contemplávamos com expressão de misericórdia e de
compaixão.
Experimentando
um estado superior alterado de consciência, Mauro pareceu escutar o apelo
materno e, inesperadamente, pôde detectá-la à sua frente com os braços
distendidos em atitude de quem desejava afagá-lo, tombando de joelhos e
exclamando: - Mamãe, é você ou algum anjo do Senhor que veio em meu socorro?
- Sou a tua
mãezinha de sempre, que retorna como anteriormente, a fim de ajudar-te neste
instante grave da tua existência. O Senhor deseja a morte do pecado, nunca a do
pecador. Não há mal para o qual não exista remédio, nem ação nefanda que possa
ser considerada irrecuperável. Pára e pensa! O teu é um erro hediondo, mas o
amor do Pai é infinito, e pode albergar todos os crimes para diluí-los,
ajudando os criminosos a se recuperarem a fim de auxiliarem as vítimas que infelicitaram.
O rapaz estava
confuso, num misto de alegria e de sofrimento, convulsionado pelo pranto e
ardendo em febre de desespero.
Dando
prosseguimento, ela se fez mais enfática:
- Este é o teu
momento de redenção, meu filho. Foi longa a marcha degradante que te
permitiste, e que agora te exige uma recuperação demorada e de sublimação.
Não te recuses
ao dever de sorver a taça na qual apenas depositaste fel, vinagre e mirra. É o
teu momento de expiar, nunca de fugir para lugar nenhum, porquanto o suicídio
somente piorará o quadro das tuas aflições.
Aproveita este
breve instante e recompõe-te mentalmente, preparando-te para experimentares as
mais cruas dores e rudes humilhações, afinal decorrentes dos teus próprios
atos, mas que te oferecerão os meios para ajudares a todos quantos feriste os
sentimentos de pureza e de dignidade, conferindo-te meios para a ascensão que
te aguarda. Entrega-te a Jesus e nEle confia. Nunca desfaleças e crê no divino
auxílio. Até breve, meu filho!
Mauro desejou
prolongar aquele colóquio quase sublime, mas não teve tempo, porque a figura
veneranda começou a desvanecer-se, deixando a suave sensação de paz no coração
dilacerado do jovem, enquanto dúlcidas vibrações de paz invadiam o recinto como
resposta dos Céus às aflições e preces da Terra.
Não suportando a
cena de ternura, o réprobo e perseguidor sandeu retirou-se blasfemando,
furibundo.
Mauro deitou-se
para melhor introjetar tudo quanto lhe acabara de ocorrer e fixá-lo para sempre
na memória e no coração.
Um lânguido torpor
foi-lhe tomando todo o corpo e, poucos minutos após, dormia tranqüilamente.
A mãezinha
feliz, continuou a velá-lo, enquanto, convidados pelo distinto Anacleto,
retornamos ao Núcleo onde nos hospedávamos.
Nesse comenos,
quando seguíamos na direção da Casa de amor e luz, utilizando-me da proverbial
bondade do amigo, interroguei-o:
- De quem se tratava a
Entidade que induzia Mauro ao suicídio? Isto porque, em nossa convivência
naqueles poucos dias não tivera oportunidade de conhecê-la?
Não se fazendo
esperar, o amigo generoso esclareceu:
"Conforme nos recordamos, Madame X celebrizou-se no período
napoleônico pela insensatez e cobiça, utilizando-se da sua mansão-bordel para
as extravagâncias, nas quais infelicitou muitas pessoas.
O infeliz, que ora a induz ao suicídio, embora se
encontre na roupagem carnal de Mauro, é mais um daqueles que foram dilapidados
nos sentimentos e trucidados na razão, face ao desbordar de paixões que a
infeliz proxeneta de luxo se permitia na sua corte de depravados, na qual
misturava favores sexuais com interesses políticos, tornando-se agente de
conciliábulos perversos, que mutilaram muitas pessoas...
Vitimado, naquele período, pela astúcia de um inimigo
junto à política vigente, Madame intermediou a sua queda, conduzindo-o a uma
armadilha muito bem urdida, na qual perdeu a existência corporal, além de ter
enlameada a memória."
Silenciando
rapidamente, concluiu:
- Quando as
criaturas derem-se conta da gravidade do crime e das suas conseqüências,
pensarão sempre com muito cuidado antes de assumir ou criar situações perversas
e infelicitadoras para as outras, que sempre redundarão em desdita para si
mesmas.
Naquele momento
chegamos à Instituição, que me chamou a atenção para o número de Espíritos que
ali se encontravam em verdadeira azáfama.
Alguns acorriam
ao salão doutrinário, onde, logo mais, deveria ser realizada uma conferência
por abnegado espiritista desencarnado, que realizara na Terra expressiva tarefa
de divulgação dos postulados exarados na Codificação.
O número de encarnados em
desdobramento parcial pelo sono, que ali se encontravam, era expressivo, os
quais misturavam-se aos libertados do corpo através da morte física. Muitos
desencarnados buscavam os setores de socorro aos que deambulavam na roupagem carnal,
e os seus familiares vinham em busca de auxílio para os mesmos antes que se
comprometessem irreversivelmente. Outros mais, caminhantes do carreiro
orgânico, eram enfermos que estiveram no Centro Médico da Entidade durante o
dia e, após orientados pelos esculápios, que também lhes falaram das
interferências espirituais que geram distúrbios de vária ordem, procuravam
atendimento específico.
Diversos outros conduziam
seus filhos que freqüentavam as Escolas da Casa e necessitavam de terapias
espirituais, a fim de terem diminuídos os seus sofrimentos, melhorando-lhes a
capacidade de entendimento e compreensão das aulas que lhes eram ministradas.
Espíritos com os sinais e características dos desgastes orgânicos
apresentavam-se ansiosos, necessitados de orientação e apoio, de forma que
conseguissem concluir a reencarnação com dignidade e proveito... Enfim, toda
uma colmeia de ação ordenada prosseguia em incomum movimentação.
Ao lado desses,
grupos de desencarnados em sofrimento eram convidados e conduzidos aos
diferentes setores de triagem para melhor atendimento, ao tempo em que,
perturbadores e viciosos, embora sem dar-se conta, também eram encaminhados aos
núcleos onde poderiam ser recebidos e ajudados.
Tudo respirava o
oxigênio do amor e da vida, enquanto o silêncio e a noite amortalhavam no sono
físico os homens e mulheres recolhidos aos lares.
Não obstante a
movimentação enriquecedora, caracterizada pela ação do bem e da caridade, não
nos detivemos em qualquer daqueles setores onde se encontravam os necessitados.
O irmão Anacleto seguiu diretamente à sala mediúnica, já nossa conhecida, na
qual deveria desenvolver-se o estudo para uma ação meritória que teria lugar
posteriormente. Assim, acompanhamos o amigo e adentramo-nos pelo recinto
dedicado ao intercâmbio com o mundo espiritual, que se encontrava igualmente
repleto. Não era uma reunião como as anteriores, que tinham por objeto atender
aos desvarios dos desencarnados em comunicações mediúnicas. Ali se encontravam alguns
Espíritos nobres acompanhados de assessores, que deveriam discutir uma questão
de importância que se iria delinear. À chegada do Benfeitor todos se
rejubilaram. Pude então detectar a superioridade espiritual do mesmo, que se
apagara para estar conosco e atender ao apelo de dona Martina, em favor do
filho desorientado e enfermo.
Após as
saudações e apresentações, conforme sempre também acontece na sociedade
terrestre, o recém-chegado expôs:
- Esta reunião tem por objetivo o estudo de um plano
delicado, em benefício de um Espírito que, há várias décadas, experimenta o
horror na Cidade das paixões servis, que auxiliara a erguer antes de mergulhar
no corpo e para onde retornou após a turbulenta desencarnação. Pelas
circunstâncias em torno da gravidade do cometimento, todos nos deveremos ungir
de sentimentos de compaixão e de misericórdia para com os sicários que com ele
convivem, de modo que nos recordemos da imprescindibilidade da oração e da
vigilância, tendo em mente que todos somos Espíritos imperfeitos em processo
lento de renovação e de crescimento para Deus.
Silenciou por
alguns breves segundos, e logo prosseguiu:
- Pela magnitude
do labor, deveremos formar um só bloco de pensamento, de forma que nos seja
possível atravessar as barreiras defensivas da comunidade de perversão, para
ajudar sem censura, ali estagiando sem contaminarmo-nos, realizando o mister
para o qual a visitaremos com os propósitos elevados de bem servir.
Fazendo uma
pausa oportuna, a fim de ampliar o campo das explicações, referiu-se:
- A História conta-nos complexos
e variados comportamentos atribuídos ao marquês de Sade, de dolorosa e perturbadora memória. Considerado por uns como sendo
grande novelista, por outros é tido como um atormentado portador de distúrbios
mentais e emocionais, especialmente no que diz respeito à conduta sexual, que
passou à posteridade como sendo praticante de tormentosas aberrações no campo
da sodomia e de outras criadas pelo seu desvario.
A grande verdade é que descendia
de uma família das mais nobres e distintas da Provença, nascido em Paris,
havendo, na juventude, ingressado na cavalaria aos catorze anos, de onde saiu
na condição de segundo tenente, fazendo parte do regimento do rei.
Logo após, durante a guerra dos
Sete Anos, na Alemanha, alcançou o posto de capitão. Em 1763, havendo
regressado à França, seu país natal, casou-se com uma das filhas do presidente
Montreuil, havendo sido, de alguma forma, enganado, porque amava à outra filha,
a mais jovem, que a família encaminhara ao convento, causando ao capitão um grande
desgosto e arruinando-lhe a vida interior.
Posteriormente, ele deu
início aos tremendos atos de desregramento moral, através de um escândalo
inicial que o envolveu com uma jovem, que fora barbaramente maltratada, o que
impôs ao marquês o seu encarceramento no castelo de Saumur.
O bondoso e
sábio amigo silenciou por um pouco, como se desejasse sintetizar a história
tormentosa do infelizmente célebre marquês, logo dando prosseguimento:
"Nasceu como Donato Afonso Francisco, herdeiro dos
títulos de conde e de marquês. Depois do inditoso acontecimento foi transferido
para o cárcere em Lião, ali ficando por breves seis semanas, logo posto em
liberdade, o que lhe facultou nova prática hedionda em Marselha, crime esse que
lhe valeu a pena de morte
pelo Parlamento de Aix,
tendo-se em vista a barbaridade com que o mesmo fora praticado. Liberado da
condenação, hábil, como era, nas artimanhas de que se utilizava, conseguiu
seduzir a cunhada, retirando-a do convento, e fugindo com ela para a Itália. Os
bons fados, porém, não lhe foram favoráveis, porque, logo depois, a mulher que
parecia amada desencarnou, e ele tentou voltar à França, havendo sido novamente
preso, e fugindo após, de forma que pôde dar prosseguimento à sua existência
insensata e degenerada. Foi novamente preso e liberado, para, por fim, ser
encarcerado em Paris e encaminhado à Bastilha.
Aqueles eram, porém, dias pré-revolucionários, e ele,
utilizando-se de maquinações bem elaboradas, que o caracterizavam, improvisou
um tubo, através do qual conseguia gritar impropérios e narrar supostas
perseguições como maus tratos de que seriam vítimas os encarcerados no velho
castelo. Posteriormente, passou a escrever em folhas de papel que atirava pelas
grades, narrando supostas atrocidades que sofria com outros prisioneiros,
havendo sido considerado, de alguma forma, um inspirador ou estimulador da
Revolução de 1789, especialmente havendo contribuído em favor da destruição da
hedionda prisão. Anteriormente, no entanto, houvera sido internado no asilo
para alienados mentais de Charrenton, de onde foi liberado graças a um decreto
da Assembléia Constituinte.
Novamente o
nobre Espírito silenciou. Podíamos notar-lhe a emoção, feita de compaixão e de
misericórdia, em favor da desnaturada personagem, para logo concluir:
- A esposa abandonou-o, não
mais o suportando, embora também a vida desregrada que se permitira,
resolvendo-se recolher a um convento, a fim de expiar a conduta reprochável. Sentindo-se
livre do cárcere e do matrimônio, o marquês, já idoso, teria levado o restante
da existência de maneira moderada, ainda segundo alguns biógrafos, vivendo pelo
próprio trabalho, deixando um imenso legado de obras, principalmente comédias
que foram representadas em Paris e em Versailles, licenciosas e autobiográficas
das práticas que realizara. Embora expressiva e volumosa a sua literatura não
se destaca pela qualidade, mas certamente pela vulgaridade. Desencarnou louco
no manicômio de Charrenton, para onde fora levado, após uma longa existência de
74 anos mal aproveitados. Os seus desregramentos deram lugar a uma designação
derivada do seu nome pára um tipo de perversão sexual, que passou a ser
conhecida como sadismo. 11
RETORNO À CIDADE
PERVERTIDA
O Benfeitor
encontrava-se algo preocupado. Para aquela reunião fomos convocados nós outro,
Dilermando, o médium Ricardo acompanhado pela sua Mentora, o psicoterapeuta
espiritual Felipe e mais alguns assessores, formando um grupo de oito
desencarnados e dois reencarnados.
Respirava-se uma
atmosfera de paz, embora todos pressentíssemos a gravidade do cometimento que
se estava delineando.
Guardava vivas
na memória as imagens degradantes e sombrias que tivera ocasião de encontrar na
cidade da perversão, podendo detectar que nova excursão se fazia necessária, a
fim de melhor entender as ocorrências da obsessão em referência às condutas
sexuais desregradas.
Convidada a
proferir a oração, que deveria assinalar o início das atividades espirituais, a
nobre Benfeitora madre Clara de Jesus concentrou-se e, à medida que se
interiorizava, transformava-se em um foco de suave claridade azul-violeta com
graduações de difícil definição.
A meiga voz
adquirira tonalidades musicais penetrantes, e ela exorou:
Amoroso Jesus, Companheiro dos desditados e esquecidos!
Evocando a Tua jornada terrestre, quando desceste ao abismo
das misérias humanas, a fim de nos ergueres ao esplendor da Tua morada, também
nós, servos imperfeitos da Tua seara, preparando-nos para ascender no Teu rumo,
através do mergulho no dédalo das aflições espirituais, vimos suplicar-Te apoio
e inspiração.
Dulcifica-nos interiormente os sentimentos, alargando as
nossas possibilidades de amor, de modo que auxiliemos sem exigências,
participemos das angústias do próximo sem nos entristecermos e, sejam quais
forem as circunstâncias em que se encontrem os irmãos do carreiro da agonia,
não nos permitamos julgá-los ou censurá-los, compreendendo-os sempre, sem o que
estaremos incapacitados para servi-los e socorrê-los.
Nesse tremedal em que se encontram por vontade própria,
após o desrespeito às Soberanas Leis da Vida, não vigem a solidariedade nem a
misericórdia, antes campeiam as arbitrariedades e as loucuras do desregramento
moral e espiritual do ser que perdeu o endereço de si mesmo.
Apieda-Te deles, concedendo-lhes novo recomeço, qual nos
conferiste quando nos encontrávamos sem rumo e a Tua voz nos alcançou,
convidando-nos a seguir-Te, maneira única existente de nos libertarmos das
paixões primitivas.
Reconhecemos as próprias deficiências para o labor que
iniciaremos, por isso mesmo suplicamos-Te sejas o nosso Guia e Condutor, para
que todos os nossos sejam passos seguros sobre as Tuas pegadas e a nossa se
transforme na ação do Bem Infinito, não obstante os nossos limites e as nossas
deficiências.
Senhor, aceita-nos a Teu serviço em nome de Nosso Pai!
Quando
silenciou, com lágrimas que lhe orvalhavam os olhos, vimos mirífica luz
argêntea que, descendo de ignoto ponto, a envolveu, espraiando-se em nossa
direção e albergando-nos a todos na sua claridade.
Nesse momento,
vimos chegar dois jovens Espíritos, cada um dos quais, conduzindo um mastim de
expressivo porte, mas bem amestrados e mansos.
Era a primeira vez que, participando de uma excursão
espiritual, a mesma fazia-se integrada por almas de animais desencarnados.
A questão da alma dos animais sempre me interessara,
mesmo quando me encontrava na Terra. Afinal, qual o destino reservado aos
nossos irmãos da escala zoológica dita inferior, alguns deles revelando uma
percepção do instinto tão aguçada, que se expressava na condição de uma
inteligência embrionária? Embora as informações fornecidas pelos Espíritos
nobres da Codificação em torno do período em que eles permanecem no mundo
espiritual, mas não em estado de erraticidade, retornando ao mundo físico quase
imediatamente, agora encontrava aqueles mastins que seriam utilizados pelos
trabalhadores do Bem, demonstrando que haviam sido selecionados para
auxiliar-nos em tarefas relevantes, nas quais poder-nos-iam ser de grande
utilidade.
Os jovens, que
os conduziam, pareciam excelentes amestradores, que os iniciaram na
identificação dos fluidos perniciosos e das vibrações deletérias das regiões
espirituais inferiores, porquanto se apresentavam exultantes face à
possibilidade de contribuírem em favor do êxito do empreendimento em pauta.
Ainda estava
mergulhado nas reflexões em torno dos animais, quando o Benfeitor começou a
explicar a finalidade da excursão em delineamento, informando:
- Ante o desbordar das
paixões asselvajadas que cultivara na Terra, o marquês de Sade, residente na
cidade perversa, comanda uma legião de cultores do sexo em desalinho, no mundo
espiritual, que se encarregam de inspirar e preservar as alucinações de homens
e mulheres terrestres que lhes caem nas malhas perturbadoras.
"À
semelhança de Mauro, o esposo da dama da consulta ao atendente fraterno da Casa
enquadra-se como dependente da ação nefasta daquelas Entidades devassas que, em obsidiando alguns incautos, também tombam
nas malhas da própria rede de perturbação, experimentando o tormento da
insaciabilidade e mais experienciando as necessidades físicas de que já
deveriam encontrar-se liberados, e constituem somente impregnação dos vícios no
perispírito..."
Fez uma pequena
pausa e logo prosseguiu:
- Em nossa Esfera de ação tomamos
conhecimento de que um grupo de sequazes do marquês pretende, oportunamente,
assaltar esta Instituição, que se constituiu um pouso de renovação que é do
vero Cristianismo, influenciando seus membros para tombarem nas urdiduras da
sensualidade desavisada, assim interrompendo o ministério de amor e de
dignificação que aqui se desenvolve. Conforme recordamos, no plano estabelecido
pelo Soberano das Trevas a respeito das quatro torpes verdades (*), os
Espíritos do Mal investiriam com todas as suas forças contra os obreiros do
Evangelho desvelado pelo Espiritismo, por estarem interferindo nos planos
trabalhados em favor das obsessões coletivas. Uma dessas verdades é o uso
desarmonizado do sexo, fazendo o ser derrapar na vulgaridade e no desrespeito a
si mesmo como ao seu próximo.
* Vide Trilhas
da libertação, Cap. X, FEB, (Nota do Autor espiritual.)
Após inúmeras
tentativas frustradas, para levarem adiante o sórdido plano, solicitaram a
ajuda do marquês e dos seus comparsas, que têm atraído diversos invigilantes
para o desastre inevitável.
O sábio e diligente Guia
silenciou por um pouco, procurando ajuizar quanto às informações que iria
oferecer-nos, a fim de dar continuidade à narração do plano, referindo-se:
- Não têm sido poucos os homens e as mulheres que se reencarnaram nas
fileiras da Doutrina Espírita, conduzindo altas responsabilidades em torno da sua divulgação e vivência corretas.
Nada obstante, após alcançarem a
notoriedade e mesmo certa respeitabilidade no Movimento, vêm tombando ante as
facilidades em favor do uso do sexo irresponsável, comprometendo-se gravemente
e gerando perturbação nos companheiros que, aturdidos, constatam que a sua não
era uma conduta exemplar, nem autêntica.
"Quando esses serviçais das
paixões vis direcionam o pensamento para alguém, e concede-lhe assistência
nefasta, a sua insistência é tão grande e pertinaz que são poucos aqueles que
conseguem evadir-se do cerco ou superar-lhes a pressão doentia, escravagista.
Inspiram a mentirosa excelência
do gozo, dão idéia que a pessoa está perdendo excelentes oportunidades de ser
feliz, tendo em vista a predominância do prazer doentio que, afinal, a vida não
pode ser de Nada tão a sério que dispense as suas concessões carnais, que o
tempo monástico não mais se instalará na Terra, e que estes são dias
diferentes. Noutras vezes, auxiliam por inspiração reflexões perturbadoras,
procurando diminuir a gravidade dos compromissos sem responsabilidade, a
banalização dos relacionamentos apressados e das múltiplas experiências como
fonte de vida, etc. em terríveis conciliábulos que, não poucas vezes, resultam
exitosos para os seus delineamentos. "
O gentil amigo
percorreu a sala com o seu olhar percuciente, e vendo o expressivo número de
Espíritos encarnados, desdobrados pelo sono, e desencarnados, buscando amparo e
orientação, não se pôde furtar à emoção, prosseguindo:
- Orando
sinceramente, os companheiros ergastulados na matéria, sentindo-se perturbados
com as caprichosas odisséias da sensualidade e visitados pelos desejos
ignóbeis, vêm rogando proteção, buscando a reflexão nas leituras de obras
confortadoras, trabalhando na ação da caridade, e como o cerco prossegue,
apelam, quase em desespero, pela ajuda, que nunca falta, a fim de seguirem
fiéis aos compromissos abraçados com devotamento.
Nesse ínterim, resistindo às influências nefastas que nem
sempre lhes encontram guarida na mente ou no sentimento, tornam-se vítimas de
companhias encarnadas que se corromperam e se oferecem para o banquete da
loucura, alcançando-os com maior facilidade. É-lhes possível resistir às
interferências espirituais pelo pensamento, renovando-se e impondo-se idéias
edificantes, no entanto, quando perseguidos por pessoas amigas que se
transtornam e passam a assediá-los, o problema se lhes faz mais grave.
"Por essas e mais outras razões, iremos tentar
remover alguns obstáculos do seu caminho e interferir na planificação odienta
que se trama na cidade da perversão contra esses trabalhadores da Era Nova.
Todos sabemos que não é fácil o trânsito na esfera carnal, onde já estivemos,
entre tropeços nas trevas da ignorância e o ressumar das paixões adormecidas e
não superadas."
Novamente fez
uma pausa, para logo concluir:
- A fim de
ganharmos tempo, deveremos volitar na direção da cidade, acercando-nos dos seus
arredores, conforme sabemos, muito bem vigiados por perversos guardas
adestrados para capturar visitantes inoportunos. Em qualquer situação,
preservemos o equilíbrio e a serenidade, certos do divino auxílio, mantendo a
confiança irrestrita em Deus e conscientes dos objetivos que até ali nos
conduziram. Da vez anterior, na condição de observadores, não tivemos qualquer
dificuldade em adentrar-nos nos seus limites, agora, no entanto, com
finalidades de trabalho específico, deveremos manter-nos mais cuidadosos.
Reinando uma
verdadeira consciência de paz e de dever, vimos o médium Ricardo acercar-se da
sua Benfeitora, que o envolveu em dúlcido olhar de ternura e sorriu, generosa.
Após breve
concentração começamos a deslocarnos na direção da meta que nos aguardava.
Pairava uma
expectativa quase ansiosa em minha mente e no meu coração.
Quando alcançamos a região pantanosa próxima às cavernas
escuras em cuja intimidade se homiziavam os seus infelizes habitantes, um odor
pútrido invadiu-nos a pituitária, denunciando o teor vibratório de baixíssimo
nível moral de onde procedia, qual ocorrera por ocasião da primeira visita.
Podíamos ouvir o
clamor e o estardalhaço que se faziam crescentes, à medida que nos
aproximávamos de uma das furnas de entrada.
Para melhor dificultar a
identificação dos vigilantes, que conduziam Espíritos metamorfoseados em
animais por processos perigosos de hipnose perispiritual infelizes, fizemo-nos
cobrir por mantos pesados que alteravam a nossa aparência e com a presença dos
mastins, facultando que pensassem tratar-se de retornados de excursão ao
planeta de onde traziam novos aficionados para o turbulento espetáculo.
Mantínhamo-nos
em silêncio, não havendo despertado a atenção dos guardiães da entrada, tão
certos estavam de que ninguém se atreveria a vencer as barreiras delimitadoras
da comunidade alucinada.
Respondendo às
questões que eram propostas pelos vigilantes de plantão, o nosso Mentor, circunspecto
e concentrado, informou que se tratava de um novo grupo recém-convidado para o
espetáculo da noite.
Um pandemônio reinava por
toda parte.
A sensualidade desbordante
tomava conta dos alucinados em transe de loucura. O desfile dos carros alegóricos
expressando as organizações genitais deformadas e absurdas, os atos praticados
em grupos vulgares e desvairados, inspiravam compaixão, não fosse a náusea que
provocavam. Tudo ali fazia recordar os lupanares de baixa categoria e os antros
da mais sórdida vulgaridade sexual animalizada.
Estátuas horrendas,
decorações absurdas, construções aberrantes, tudo era calcado no sensualismo
chocante, ao tempo em que as músicas estridentes faziam-se acompanhar por
detrás de conteúdo chulo e palavreado grosseiro, enquanto seres humanos
transformados em bestas animalescas serviam de condução a hediondas personagens
que as conduziam, utilizando-se de rédea e chicote, seminuas ou vestindo-se
primitivamente com o que pareciam couro negro escuro e brilhante, tendo adereços
e argolas grosseiras penduradas em várias partes do corpo, incluindo o sexo de
aparência descomunal...
Tudo eram referências às mais
vis expressões da conduta desregrada do abuso sexual. Grupos desfilavam
exibindo espetáculos coletivos de caráter sadomasoquista, em que as aflições
que eram infligidas aos seus membros produziam gritos e dilacerações absurdas,
mutilações e flagelos entre gargalhadas estentóricas e zombeteiras, como a
imaginação mais exagerada não é capaz de conceber.
A execração não
tinha limites, e apesar de nunca haver sido impressionável, mesmo quando da
breve visita anterior, encontrava-me quase atoleimado ante o que a mente em
desalinho é capaz de produzir.
Estávamos
parados numa das laterais por onde desfilava o cortejo da luxúria desgovernada.
Representações de seres
mitológicos se multiplicavam, sempre com destaque a área da sua perturbação ou
representação sexual desconcertante; ridículos imperadores romanos do período
da pré-decadência eram imitados com burlescas aparências e debochadas
carantonhas; meretrizes famosas e seus amantes infelizes volviam à cena
representativa, entre aplausos ensurdecedores, assobios e gritos infernais
entronizando bizarros Eros, Baços, Afrodites, Apoios despudorados...
Nesse momento surgiu um cortejo
de crianças em atitudes agressivas e grotescas de atos libidinosos
estarrecedores.
Apurando, porém, a atenção,
pude detectar que se tratava de anões disfarçados, conforme notara
anteriormente, a fim de reterem a imaginação dos pedófilos e doentes de outras
expressões perturbadoras do sexo aviltado.
Não conseguia compreender toda a
hediondez do espetáculo, constatando mais uma vez que, naquela cidade nefasta,
muitíssimos líderes das aberrações que se apresentam na Terra iam ali buscar
inspiração, em razão de estarem envolvidos com a população residente. Isso,
quando não a visitavam com a freqüência indispensável a uma perfeita
identificação de conduta, que pretendiam transferir para o planeta.
Recordava-me daqueles que sempre
proclamam pela liberdade de expressão, no seu aspecto mais grotesco e selvagem,
exigindo leis que descriminem usos e comportamentos vis, em nome da falsa
cultura e da liberalidade que raia sempre pelo despropósito e pelo abuso.
Alguns desses companheiros
terrestres, que se fizeram famosos pelos conjuntos e bandas metálicas com
personificações diabólicas, ali também se encontravam no desfile, exibindo as
suas mazelas e perversões com que se compraziam, a fim de despertarem no corpo
físico mais tarde sob indisfarçável mal-estar, que pensavam minorar com doses
de álcool e de outras drogas químicas de que se fizeram escravos...
Era aquela, sim,
uma sociedade que emergia do passado grosseiro, solicitando cidadania nos
tempos modernos...
Estava
mergulhado nessas reflexões, quando escutei nos refolhos da alma a voz gentil
do Benfeitor, chamando-me a atenção:
- Não nos encontramos aqui
para avaliar ou julgar o comportamento dos nossos irmãos doentes, mas sim com o
objetivo de ajudá-los. Preservemos a sincera compaixão fraternal, aprendendo a
avaliar tudo quanto não mais nos cumpre vivenciar, superadas essas
manifestações primárias, nas quais um dia também nós, de certo modo, estagiamos
antes de alcançar o momento atual. Oremos e vigiemos!
A advertência
oportuna chegara abençoada, despertando-me para o dever da solidariedade e não
da censura ou da observação malsã que me permitia, desde que somos todos filhos
de Deus, em cujo amor nos movimentamos e para cujo seio nos dirigimos. Todos
teremos a nossa ocasião de ascender aos páramos da luz, por mais nos demoremos
nas trevas da ignorância e da perversidade.
Mudando de atitude mental, de
imediato as cenas escabrosas, que continuaram da mesma forma, passaram a ter um
outro sentido e significado ante a reflexão de que Deus as permitia, porque o
ser humano as elaborava em favor de si mesmo, a fim de aprender a purificar-se,
saindo do pântano a que se arrojara livremente na direção da paisagem de luz.
Automaticamente deixei-me embalar pela musicalidade íntima da oração
de misericórdia e de ternura em favor dos Espíritos confundidos em si mesmos,
necessitados todos de bondade e compreensão, experimentando outro estado
interior de paz e de compaixão
ESTRANHO
ENCONTRO
Ignorava
completamente como seria a atividade naquele báratro e como poderíamos
acercar-nos do marquês de Sade.
O Mentor, porém,
houvera elaborado um plano que estava levando adiante com muito cuidado e
discernimento.
À medida que se sucedia o
desfile dos carros alegóricos e os grupos que os secundavam foram diminuindo,
lentamente a região foi tomada pelo tumulto dos indivíduos entregues à lascívia
em pequenos círculos afins, formando pares ou esquisitas parcerias múltiplas.
Nesse momento,
atendendo a um apelo mental do Instrutor, fomos embarafustando-nos pela
multidão, rumando para extravagante edifício em que se
transformara uma gruta sombria com movimentação agitada e confusa.
À entrada postavam-se dois
hediondos serviçais trajados de maneira inusual, como se desejando reviver o
passado da aristocracia francesa pré-napoleônica, quais lacaios maltrapilhos e
imundos, que seguravam cães de aparência feroz, e que, melhormente observados,
eram seres humanos que haviam sofrido a zoantropia hipnótica.
De aspectos ferozes,
avançavam sob os acicates dos seus condutores contra todos aqueles que se
adentravam ou saíam, o que não ocorreu conosco, quando se depararam com os dois
mastins que eram levados adiante do grupo pelos jovens silenciosos e
circunspectos.
Embora diferíssemos dos
transeuntes grotescos e de carantonha asselvajada, não chamávamos muito a
atenção face aos mantos pesados que nos caíam da cabeça cobrindo-nos quase literalmente.
Observei que, à
medida que permanecíamos no recinto mefítico da estranha cidade, a nossa
indumentária desgastava-se, os mantos romperam-se numa apresentação grosseira
de trajes usados por beduínos após incessantes travessias do deserto...
Embora não
falássemos durante o trajeto, pude ouvir informações mentais que procediam do
Mentor, esclarecendo que a substância em que os nossos trajes foram trabalhados
era própria para aquele ambiente, a fim de assimilar as características locais,
de forma que não despertássemos a curiosidade, caso a nossa fosse uma
apresentação diferenciada dos demais residentes e visitantes do tremedal.
A furna era iluminada por
archotes fumegantes presos às paredes, que ardiam com uma coloração
amarelo-avermelhada, de certo modo apavorante pela tonalidade agressiva, e o
odor pútrido, misturado ao fumo e a outras emanações, era quase insuportável.
Após avançarmos pelo que
seria um corredor estreito e escorregadiço, chegamos a uma ampla sala onde um
Espírito de aspecto diabólico, sentado em um arremedo de trono esdrúxulo,
banqueteava-se com Entidades lascivas e debochadas em intérminas gargalhadas, enquanto
gritos selvagens cortavam o ar, misturando-se a sons estranhos e grotescos que
constituíam o espetáculo agradável ao infeliz governante daquela área.
Detivemo-nos a
regular distância, a fim de observarmos os acontecimentos e podermos conhecer de perto o infelizmente célebre criador de aberrações,
já anteriormente praticadas pelo ser humano, porém por ele ampliadas até ao
absurdo durante os seus tormentosos e perversos dias já referidos, quando da
sua última existência terrena.
Faunos e
representações do deus Pan misturavam-se aos famigerados membros da estranha
corte, ao tempo em que mulheres, imitando vestais e sacerdotisas, monstruosas
umas e em atitudes torpes outras, entregavam-se a inimagináveis movimentos de
lascívia grotesca como se o único objetivo existencial fosse o infindável
intercurso da sensualidade depravada.
Vez que outra,
gemidos e exclamações lancinantes explodiam no recinto, provocando gargalhadas
e sustos no grupo estranho, que não cessava de retorcer-se ao som
desconcertante de guitarras e tambores eletrizantes.
Podia-se também
perceber expressões de exaustão em muitos rostos, enquanto não poucos
apresentavam sinais inconfundíveis de tédio, que os induzia a mais excruciantes
comportamentos aterradores.
Um Inferno de falsos prazeres,
que se convertiam em insuportável sofrimento disfarçado com o riso da loucura e
a falta de discernimento de qualquer tipo de valores e de aspirações.
Nenhuma imaginação exaltada
seria capaz de urdir algo semelhante, demonstrando o poder da mente em
desalinho, quando perde os parâmetros do equilíbrio e as diretrizes da
sensatez.
Os mastins, de
quando em quando, asfixiados pela psicosfera pastosa e quase irrespirável,
reagiam agitando-se, logo sendo controlados pelos seus amestradores.
A um sinal, quase
imperceptível do Mentor, acercamo-nos do trono ridículo, e num vaivém do grupo
grotesco em sua volta, que nos permitiu maior proximidade com o Chefe,
dirigiu-se diretamente ao suserano, informando:
- Tenho, para o
senhor marquês, uma solicitação firmada por certa personagem de nome Rosa Keller, sua conhecida...
Ao escutar o
nome, que lhe ressoou na câmara acústica da alma, o indigitado, como se
fulminado por um raio, levantou-se, e gritou histérico:
- Quem é você e que vem fazer
aqui?
Ato contínuo,
blasfemando, chamou os guardas, aos quais deu ordens expressas:
- Como entraram aqui esses
estranhos? Prendam-nos.
Sem demonstrar
qualquer receio, o irmão Anacleto prosseguiu:
- Desde que não
lhe interessa o requerimento de que somos portadores, pode tomar a atitude que
lhe convier, e ficará na ignorância do seu conteúdo.
- Arrancarei as
informações através de torturas violentas - vociferou.
- Se é assim que pensa, o
prejuízo será apenas seu - ripostou, sereno e seguro o Mentor. - A verdade é
que Rosa Keller foi encontrada e é portadora de acusações muito graves, que
pretende encaminhar ao Soberano das Trevas.
Novas ordens
desconexas foram dadas, enquanto dizia:
- Ouçamos,
então, o que os atrevidos têm a dizer - blasonou.
O ambiente
modificou-se de maneira imediata. Os ruídos cessaram e a movimentação confusa
parou ante a determinação do mandatário.
O venerando
Guia, com voz pausada e muito sereno, esclareceu:
- Rosa Keller esteve por muito
tempo prisioneira no castelo de Y, após a morte, de onde foi retirada pela
misericórdia de Deus, não há muito. Desde aqueles dias algo distantes, quando
foi execrada, que se entregou a aberrações que culminaram enlouquecendo-a.
Abençoada pela desencarnação, foi recolhida por execrandos comparsas que a
aprisionaram, desvitalizando-a através de vampirização contínua e de
escabrosidades inimagináveis...
- Perco meu tempo com essa
lengalenga - pôs-se a gritar entre blasfêmias e vitupérios. - Trata-se de
religiosos melífluos, que se adentraram nos meus domínios sem o meu
consentimento. Isso não ficará assim. Justiçarei todos os responsáveis pela
invasão, assim como aos atrevidos que se me acercam.
O rosto, com as
marcas da obscenidade, e o corpo, monstruoso e flácido, sacudiam as enxúndias, quando
ele se agitava, ameaçador.
- Religiosos, sim, o somos,
não melífluos, porque somos portadores de lucidez e coragem em nome de
Jesus-Cristo, a quem temos o prazer de servir.
Ao ser pronunciado o nome do
Mestre galileu, e o fora propositalmente, gargalhadas e ditos escabrosos
estouraram na gruta imunda, enquanto o marquês, visivelmente descontrolado,
ameaçava e socava o ar.
O diálogo
prosseguiu algo excitante. O Mentor voltou à carga, esclarecendo:
- Como Rosa, que
se encontra sob a proteção de nossa Instituição espiritual, demonstrou
interesse em manter um novo encontro com o senhor marquês, pois que, ambos têm
necessidade de um diálogo esclarecedor, aqui estamos atendendo-lhe a vontade.
- É muita petulância da venal e
de sua parte ripostou áspero - pretender um encontro comigo, que governo grande
área desta cidade. A troco de quê, ela e o senhor pretendem e esperam conseguir
esse benefício de minha parte? Qual o meu lucro? Recordo-me da infame, que foi
responsável por minha primeira prisão, caluniadora e louca, que sempre foi...
- Não posso
ajuizar - elucidou o interlocutor - porquanto sou apenas o portador do
requerimento, cuja resposta aguardo.
- E onde seria esse encontro?
- interrogou com aspecto feroz. - Por que não veio até mim, aos meus domínios,
conforme vocês o fizeram?
- Porque se encontra em
tratamento de recuperação psíquica e perispiritual - esclareceu o irmão
Anacleto. - Como o senhor marquês bem o sabe, a permanência em regiões como
esta, por muito tempo, produz danos tão profundos nos tecidos sutis da alma,
que a recomposição se faz dolorosa e demorada.
Como aqui são realizadas operações, que
alteram o comportamento e a estrutura profunda e sutil do perispírito, sob o
seu comando, há de entender que o caso da nossa amiga não é muito diferente,
exigindo diversos cuidados, que não podem ser negligenciados.
- E você acredita - reagiu feroz
- que eu a irei visitar? Qual o meu interesse em encontrá-la, desde que ela é
responsável pelo primeiro golpe que o destino desferiu-me?
- Confesso
ignorar - concluiu o Amigo espiritual.
- A nossa tarefa
aqui está concluída, porquanto a finalidade foi apresentada, dependendo do
senhor marquês qualquer decisão.
Erguendo o
corpanzil bestializado e atordoante, o suserano indagou, zombeteiro:
- E se eu não os
deixar sair deste recinto?
- Penso que seria pior para o
governante - redarguiu o visitante - porque iniciaríamos um trabalho de
conversão em massa dos seus súditos, que se encontram saturados de loucura,
entediados dos vis entretenimentos e sequiosos de paz, já que vivem exaustos e
necessitados de amor e de renovação.
Ademais, podemos apelar para a
proteção divina que nunca nos é escassa, desde que aqui estamos por vontade
própria e não por afinidade de propósitos ou de interesses morais.
O marquês não
esperava resposta tão lúcida e lógica, vendo-se obrigado a recuar, buscando
parlamentar.
- Como passaram pelos meus
vigilantes? - interrogou, irritado.
- Somente eles
podem informá-lo - respondeu, sereno, o Benfeitor. –
Atravessamos todas as
barreiras, assistindo ao desfile e, logo após, viemos a entrevista não
programada, por sabermos que a nímia deferência do nobre marquês saberia
distinguir quem somos em relação àqueles que habitam estes sítios por
espontânea vontade, não ignorando que, nas Leis Soberanas, não vigem a
violência nem a injustiça.
Desse modo, não
titubeamos em passar pelas fronteiras do seu reino e apresentarmo-nos à sua
magnanimidade.
- Magnânimo, eu?
- estrugiu ruidosa gargalhada, no que foi acompanhado pela malta que o
assessorava.
- Por que não? - insistiu o
paciente amigo. - Não obstante o comportamento do senhor marquês durante largo
período da sua vida, na etapa final, mesmo durante a revolução, opôs-se à pena
de morte, o que lhe custou mais um encarceramento, propugnou pelo trabalho
honrado e aguardou a desencarnação, mantendo os seus hábitos, porém de
sentimentos alterados...
- Como conhece a
minha vida? - voltou à carga.
- Além da vasta literatura a
seu respeito - esclareceu tranqüilo - também possuímos outras fontes de
informações, que se encontram escritas no psiquismo do senhor marquês.
Ele sorriu, algo
confortado, para logo assumir a postura dominadora e cínica.
- Então, sou célebre na
Terra? - indagou, fingindo-se surpreso.
- É claro que
sim, conforme a sua contribuição literária e as suas experiências - retrucou o
amigo dos infortunados. - Tristemente célebre, para utilizar-me de franqueza...
- Por que
tristemente? - interrogou, frisando a palavra.
- Em razão da sua herança -
explicou o bondoso interlocutor - em se considerando os valores preciosos de
que o amigo era portador e poderia havê-los legado à Humanidade para
dignificá-la e fazê-la crescer, em lugar do que fez.
Ante a verdade,
embora enunciada de maneira gentil, a mole espiritual ali presente agitou-se e
impropérios irromperam de todos os lados, sem alterar a serenidade do
visitante, que prosseguiu:
- A razão,
porém, da nossa visita, já foi explicitada. Aqui não nos encontramos para
comentários a respeito do que nada temos a ver, especialmente no que se refere
à vida e conduta do nosso marquês, mas para atender à solicitação de Rosa.
Com habilidade
psicológica, o Mentor retornou ao tema central da visita, não se permitindo
devanear ou sair da questão essencial.
Os jovens Espíritos seguravam os mastins com vigor, face à
agitação que reinava na sala opressora.
- Para que os
cães? - inquiriu, contrariado.
- Para qualquer
emergência. Nunca sabemos o que pode acontecer em uma visita desta natureza.
Desta forma, são tomadas medidas acautelatórias, a fim de serem evitadas
surpresas indesejáveis.
Houve um
silêncio de breves segundos que pareceram mais tempo, indefinido tempo.
Logo após, o marquês de Sade
perguntou:
- Onde deveremos
encontrar-nos, e quando?
- Amanhã pela madrugada, na
conhecida Instituição de caridade espírita, já visitada anteriormente pelo
senhor marquês, que na sua periferia instalou uma sede satélite desta
suserania.
- Está muito bem
informado - ironizou.
- Não poderia
ser de outra forma, senhor. O Mestre sempre nos recomendou vigilância e oração.
- Não me
interessa o que Ele disse ou propôs. Lá estarei, às 2h da manhã. Agora, podem
ir-se.
A ordem foi
apresentada com azedume e decepção. Talvez desejasse intentar o impedimento da
saída do grupo, o que não se atreveu a fazer.
Observei, porém,
que a Mentora e o médium Ricardo concentraram-se psiquicamente no reizete, que
lhes captou a onda vibratória, reagindo quanto possível.
Certamente, o psiquismo do
instrumento mediúnico, carregado de energia específica, porque ainda encarnado,
alcançou o marquês, estabelecendo um tipo de imantação, que talvez viesse a ser
utilizado oportunamente.
Sob a
determinação do marquês, que destacou dois servidores para nos acompanharem até
à saída da furna, foi-nos possível retornar ao exterior da comunidade infeliz,
sem qualquer incidente ou anotação que mereça análise.
Utilizando-nos
do mesmo recurso para voltar ao centro de atividades, logo nos encontramos na
Instituição que nos hospedava, quando, então, profundamente sensibilizado, o
Mentor agradeceu a proteção dos Céus utilizando-se do veículo da oração:
Jesus Amigo!
Profundamente sensibilizados
retornamos ao ninho generoso onde nos acolhemos, agradecendo-Te as ricas
bênçãos com que nos amparaste, auxiliando-nos na primeira etapa do labor com
que nos honras em relação ao amanhã ditoso.
Somos incapazes de expressar os
sentimentos de afeto e gratidão, as palavras de
que nos utilizamos, por
absoluta pobreza de nossa parte, ainda caracterizados mais por necessidades que
sempre Te apresentamos, do que por louvor que não sabemos ainda tributar.
Tu, porém, que nos penetras com
a misericórdia que verte de nosso Pai, sabes, melhor do que nós próprios, o
quanto de amor existe no âmago dos nossos seres e como temos dificuldade em
expressá-lo.
Recebe, pois, deste modo, a
nossa profunda reverência e emoção, que transformamos em tesouro de luz, para
dizer-Te muito obrigado, Senhor, pela
felicidade de nos encontrarmos seguindo pela Tua senda, aquela que
palmilhaste com amor e traçaste com segurança para os nossos Espíritos
deficientes.
Esperando servir-Te sempre, nas
pessoas dos nossos irmãos da retaguarda, entregamo-nos às Tuas disposições para
o que consideres de melhor para realizarmos.
Abençoa-nos, portanto, por
hoje, por amanhã e para sempre!
Quando terminou,
tínhamos úmidos os olhos de vívida emoção.
Realmente, a
tarefa que se iniciava, assinalada por incertezas, encerrava o seu primeiro
passo com perspectivas mui felizes para o futuro.
À medida que a madrugada avançava, anunciando o dia cujo rosto
começava a bordar de luz as sombras garças, deixamo-nos inebriar pela beleza da
paisagem, e entregamo-nos às reflexões em torno do amor de Nosso Pai e Sua
Sabedoria.
VISITA OPORTUNA
Quando
retornávamos do palácio episcopal na direção da nossa sede de atividades,
utilizando-me de alguns minutos que me pareceram oportunos, não tive relutância
em interrogar o generoso Guia espiritual a respeito dos labores em andamento.
Sempre interessado
em esclarecer e orientar, o Amigo sensato ouviu-me as indagações, e
respondeu-as com a sua proverbial gentileza.
- Por qual motivo - inquiri,
curioso - a visita à cidade perversa parecera ocorrer de forma tão fácil,
tendo-se em vista as precauções tomadas, que poderiam ter sido evitadas?
- Diante do Mal -
respondeu-me, afável - nunca devemos descurar dos cuidados hábeis que se tornam
necessários, tendo-se em vista os recursos de que se utilizam aqueles que se
conduzem equivocadamente. Destituídos de sentimentos de dignidade e de correção
moral, os partidários da desordem não temem investir na violência, nem urdir
planos astuciosos de forma a enredarem suas vítimas em potencial, que lhes
tombam nas malhas da crueldade.
Assim, as
providências tomadas tinham por objetivo situações de surpresa ou
enfrentamentos mais difíceis. Porque a circunstância houvesse transcorrido de
maneira favorável, evitou-se a utilização dos mastins, bem como dos jovens
acostumados a embates específicos com os legionários da hediondez e do crime.
Ademais, a
presença da venerável Mentora acarretara muitas bênçãos para o grupo de ação,
envolvendo-o em vibrações defensivas especiais, que não chamavam a atenção dos
vigilantes das entradas de acesso. Na etapa final, conforme recordamos, o
marquês, aturdido e sem conhecimento do que se passara, responsabilizou-se pelo
nosso afastamento da região sem qualquer empeço.
- Que tem a ver o marquês -
voltei à carga, interrogando - na problemática de Mauro, junto a quem estamos
trabalhando?
Atencioso,
esclareceu:
- Havendo vivido os dias pré e
napoleônicos, o marquês foi, igualmente, freqüentador da mansão de Madame X.
Naquele lupanar de luxo eram permitidas e estimuladas práticas sexuais
aberrantes, então na moda, havendo um comprometimento da mesma senhora com o
infeliz autor e inspirador de inomináveis anomalias. A sociedade, quando vazia
de sentimentos, sempre dispõe de tempo para elaborar propostas indecentes e
inusuais no seu comportamento.
Os espaços abertos entre as
guerras que o Corso mantinha em regime de continuidade, facultava aos seus
exaustos oficiais a busca de experiências desafiadoras e estimulantes para os
nervos cansados e os ideais combalidos. Dessa maneira, a residência da
extravagante senhora era palco para os desatinos mais absurdos que o comércio
da luxúria e da corrupção pode oferecer aos seus aficionados.
- Equivale dizer - volvi à
indagação - que Madame privou de relacionamentos com o marquês de Sade?
- Sem lugar a dúvidas -
ripostou, seguro. - A célebre cafetina fizera-se centro de interesse da maioria
dos desvariados que residiam em Paris e alguns que moravam no estrangeiro,
visitando-a com freqüência. Sua Mansão, de triste memória, nas cercanias da
Capital da França, era freqüentada por numeroso cortejo de insensatos de ambos
os sexos, que ali davam vazão aos seus desejos doentios ou extravagâncias
emocionais.
Desfilavam, durante os seus
bailes de máscaras, personalidades da aristocracia, da Política, da Religião,
da intimidade do imperador, saturadas de prazeres que a vida insensata lhes
impunha.
Nessas oportunidades, muitos
convidados apresentavam-se vestidos de animais, em dias especiais para a
exorbitância, e, ante o ensurdecer de músicas atordoantes, entregavam-se às
perturbações que lhes impunham a imaginação doentia.
Noutras vezes, animais em fase de cio eram
colocados em improvisada arena para a relação sexual imposta pelo instinto,
enquanto os espectadores, estimulados e enlouquecidos, tentavam repetir as
cenas, que acompanhavam, mediante comportamentos escabrosos, até a exaustão,
tombando, desfalecidos ou embriagados, e desligando-se do corpo lasso em
torpor, sob a ação de sequazes desencarnados com os quais se homiziavam em
regiões espirituais odientas.
Silenciou por um
pouco, diminuindo a gravidade da narração, pelo seu conteúdo de estupefação e,
medindo as palavras, voltou a explicitar:
- Por sugestão do marquês de
Sade, Madame X transformou o porão da herdade em pequenas celas, utilizando
alguns cômodos que se lhes assemelhavam, onde eram praticadas verdadeiras
atrocidades sadomasoquistas.
Diversos pacientes ali
experimentaram o horror em tal escala de alucinação, que alguns não conseguiram
sobreviver, falecendo nos hediondos catres transformados em câmaras medievais
de aflições, enquanto outros, enlouquecendo, eram encaminhados aos lares ou aos
manicômios, não mais recuperando a saúde mental.
Infelizmente, descendo a escalas
mais vis, muitos alucinados se entregavam a atos abomináveis com animais
amestrados que, no seu primarismo feria-os, dilacerava-os, constituindo essas
monstruosidades razões para comentários nos diversos grupos sociais que tinham
conhecimento da sua ocorrência e anuíam na grande maioria.
É certo que Madame, mais de uma
vez, esteve a braços com a polícia do Estado, conseguindo liberar-se com
facilidade, graças aos seus protetores que lhe freqüentavam o lôbrego bordel.
A inexorabilidade orgânica, o
seu processo de envelhecimento e de desgaste, a decadência do império
napoleônico contribuíram para alterações profundas nos hábitos dominantes na
época, e a residência da mulher famigerada, que caiu em desgraça, foi tomada, e
ela, abandonada pelos seus amigos, também infelizes e desatinados, terminou os
dias na obscuridade e na solidão.
Podia perceber
quanto a narração lhe constituíra um verdadeiro fardo, porque o Benfeitor
apresentava-se ligeiramente pálido. Nada obstante, concluiu:
- O marquês, que teria mudado de comportamento na velhice, conforme
alguns dos seus biógrafos, o que para nós carece de fundamento, prosseguiu mais
moderado na sua loucura até que foi arrebatado pela morte e conduzido para a
cidade perversa, de onde procedera, ali dando curso às suas alucinações e
recebendo, logo depois, Madame X...
Houve um
silêncio quase constrangedor. Dilermando, o amigo gentil, que se mantinha
calado, demonstrando compaixão e surpresa ante a narração, por sua vez,
timidamente indagou:
- Esta é a primeira reencarnação
de Madame, após as experiências recém narradas?
Pacientemente, o
Mentor explicou:
- Em verdade, esta é a terceira
tentativa concedida ao infeliz Espírito, a fim de recuperar-se e aprender a
respeitar as Soberanas Leis da Vida.
Duas vezes retornou com a
organização fisiológica feminina, na França, assinalado por terríveis marcas
perispirituais que lhe deformavam a instrumentalidade física, havendo sido
vítima de estupros e crueldades provocados por famigerados mendigos e ciganos
das áreas onde foi acolhido pela misericórdia de Deus.
Desencarnou em estado
lamentável, porém com menos culpa, retornando, à mesma região espiritual que o
acolhera anteriormente. Mais tarde, no Brasil, com
expressiva legião de Espíritos franceses transladados para as terras do
Cruzeiro do Sul, o que vem ocorrendo com certa
periodicidade, esteve mergulhado na organização masculina, vivendo tormentos
inauditos, algumas vezes superados, outras não, para recomeçar, na atualidade,
novamente na mesma polaridade, porém vinculado à Religião dominante, a que se
dedicara irregularmente em passado não muito distante.
Os vícios, que
se encontram arraigados no imo, levaram-no aos desaires de que tem sido vítima.
- E a mãezinha - voltou a
indagar o amigo discreto - desde quando, se é possível informar-nos, labora em
favor da sua libertação?
- Desde os dias de S.
Francisco de Assis... Quando, em posição de destaque na Itália, ele ouviu falar
sobre o santo da Úmbria, desejou, sinceramente, segui-lo.
Protelando a decisão, quando
se resolveu por integrar a ordem franciscana, o Poverello já havia deixado o
corpo. Embora o fervor que dominava muitos dos seus seguidores, a ausência
física do discípulo amado de Jesus facultou que alguns exaltados e menos
equipados para o ministério introduzissem a vaidade, o poder temporal, a coleta
de recursos monetários para a Ordem, e a decadência se anunciou...
Nesse comenos, o nosso amigo
logo derrapou vitimado pela ambição -e esqueceu dos projetos iniciais, assim
contribuindo em favor da derrocada dos elevados propósitos da Obra que nascera
no coração do amor e se alongara no mundo pelas palavras de fé e pelos atos de
caridade... Desde ali, portanto, sua mãezinha, profundamente vinculada a Jesus
e à Irmã Clara, vem lutando em favor da sua libertação, travando agora a
batalha final a que se entrega com total dedicação, e para a qual fomos
convidados...
Extasiei-me ante
a explicação, por poder aquilatar a força e a tenacidade do amor que não mede
esforços, não tem limites, não desiste, vencendo todos os óbices para alcançar
a meta da felicidade que se impõe.
Da forma como me chocaram as informações do
bordel de luxo e a conseqüente desgraça de Madame X, dando-me conta que hoje se
multiplicam inumeráveis deles na Terra, cujos proprietários e divulgadores são
ex-residentes da cidade perversa, onde haurem constante inspiração, e ali são
levados durante o sono fisiológico em desdobramentos espirituais, a repugnância
e dor eram agora substituídos pela ternura e alegria ante a força perseverante
do amor de mãe, que se atirava no rumo do abismo para resgatar o filho
desvairado que Deus lhe emprestara através das reencarnações.
O êxito, que não conseguira através da educação,
quando no corpo físico, dos exemplos luminosos de carinho e de renúncia,
permanecia buscando agora, em outra dimensão através de tentativas incessantes,
na condição de anjo protetor que não se cansa de ajudar.
Ali estava o
mais belo argumento prático contra o tradicional dogma do Inferno para os maus
e do Céu para os bons. Aquela mãe, que vivia o céu interior, não se permitia
plenitude enquanto não arrancasse o filho amado do seu inferno de paixões
internas, a fim de rumarem ambos de mãos dadas para o Paraíso, onde o trabalho
e a misericórdia são o cotidiano de todos.
Chegamos à querida
Instituição, sempre movimentada. Surpreendia-me por verificar que não havia
horário em que não estivessem em movimentação trabalhadores de várias
procedências espirituais e necessitados de ambos os planos da Vida, buscando a
austera Entidade, que a todos albergava com carinho, misericórdia e iluminação
de consciências, que parecia ser-lhe a meta maior, a fim de proporcionar a
libertação da ignorância a todos aqueles que a buscavam.
Em realidade, não é outra a
finalidade do Espiritismo, despertando o Espírito para as suas
responsabilidades e cumprimento dos deveres, conscientizando-o do significado
da sua existência, quando no corpo, da sua realidade, quando desencarnado, a
fim de avançar sem impedimento no Grande Rumo...
A noite descia
calma, compensando a ardência do dia e envolvendo a Natureza nos seus tecidos
escuros, veludosos que se adornavam de estrelas faiscantes.
Pairava no ar a
expectativa dos próximos acontecimentos, que aguardávamos entre preces e
esperanças de êxito.
O vaivém de
Entidades desencarnadas era surpreendente, caracterizando o esforço de
abnegados Mensageiros da Luz que não descansam, sempre afeiçoados à ação da
caridade e do Bem inefável.
Encontrava-me à
porta da sala de atividades mediúnicas, onde se processavam também atendimentos
espirituais cirúrgicos no perispírito de inúmeros sofredores do Mais Além, assim
como de portadores de transtornos obsessivos profundos.
O irmão Anacleto
dialogava com alguns Mentores em torno das questões pertinentes aos deveres a
que se entregavam. Pude perceber o respeito de que desfrutava o amoroso Guia,
sempre sábio nas suas decisões, e profundo conhecedor do espírito humano, o que
lhe facilitava o labor a que se afeiçoava.
Nesse ínterim, fomos
surpreendidos com a visita do nobre Espírito Dr. Bezerra de
Menezes que chegou, provocando expressiva alegria. Podia-se perceber quanto
a veneranda Entidade é amada por todos, em razão da significativa folha de
serviços prestados à Humanidade.
À paz que
reinava entre nós associou-se o inefável júbilo pela presença do amado Mentor.
Todos nos
acercamos, formando um círculo à sua volta, e ele, sem ocultar, também, a mesma
satisfação, pareceu justificar-se lamentando não haver informado antes do seu
plano de passar pela Instituição, a fim de participar do labor que estava
programado em relação ao marquês de Sade.
- Tratando-se de uma questão
palpitante - elucidou com modéstia - qual a dos distúrbios na área do sexo,
todos estamos muito interessados em aprender e conseguir soluções, socorrendo
aqueles que se extraviaram, perdendo-se no labirinto das paixões mais primevas,
de maneira que se possam levantar do charco pestilencial em que se encontram,
aspirando o oxigênio abençoado do planalto da fé libertadora.
Depois de
pequena pausa, prosseguiu:
- O sexo, na Terra, ainda é
instrumento de alucinação, quando deveria ser abençoado mecanismo de vida,
construindo corpos que se transformam em oficinas de iluminação e escolas de
sublimação para os Espíritos em processo de crescimento na direção de Deus.
Graças ao fascínio que se deriva do prazer
imediato, não poucos indivíduos encarceram-se no gozo, distantes da
responsabilidade e do dever para com o seu parceiro, ou as conseqüências que
sucedem ao ato sexual, quais a fecundação, o aprisionamento na afetividade
atormentada, abrindo espaços para as ações criminosas do aborto delituoso e da
separação dilaceradora dos sentimentos.
No seu aspecto mais grosseiro
imana o indivíduo às paixões asselvajadas, fixando-o nas faixas primárias do
instinto, sem que a razão ou o discernimento possa contribuir em favor da
plenitude, antes sacrificando aquele que se lhe entrega irracionalmente.
"Havendo
sido cientificado pela benfeitora madre Clara de Jesus a respeito do encontro
terapêutico programado para esta noite, não me pude furtar ao desejo de
participar do mesmo, aprendendo sempre mais e penetrando no âmago da palpitante
questão que será abordada."
Sentindo-se
inteiramente à vontade, facultou que o nosso Instrutor solicitasse-lhe a
cooperação em torno de uma breve dissertação a respeito da problemática do sexo
e da obsessão, a fim de que, não somente nós, que nos encontrávamos vinculados
ao projeto em desdobramento, mas também outros Benfeitores espirituais e amigos
presentes, nos beneficiássemos com a sua palavra sábia e a sua proverbial
experiência.
Isso posto, e
porque todos anuíssemos em um misto de felicidade e gratidão, o Mentor paternal
sorriu, generoso, e convidou-nos a sentar, colocando-se próximo de delicado
móvel que se transformaria em improvisada tribuna, assim dispondo-se a
entretecer as considerações solicitadas.
Todos estávamos
comovidos e atentos. Podia-se ouvir o pulsar de cada coração em clima de festa.
Dúlcidas
vibrações bailavam na atmosfera sutil da sala de intercâmbio com o Mundo Maior.
Expectantes, portanto, aguardamos.
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